Rui A.
Acabado de chegar de São
Paulo, ponderei a possibilidade de nada escrever sobre o que lá encontrei nas
últimas semanas. As revistas que colecionara para fundamentar um possível
texto, deixei-as todas, à última da hora, no hotel. O que por lá fui vendo,
ouvindo e lendo foi mais do que suficiente para provocar uma overdose de
política brasileira, capaz de me enjoar por muitos anos.
No essencial, a questão reside
na confirmação do que já se temia há muito tempo: todos os políticos
brasileiros são, de uma forma ou de outra, corruptos e venais, e roubam o
dinheiro dos contribuintes para a consumação das suas ambições pessoais,
políticas e partidárias.
De Lula e do PT já não
restavam dúvidas.
Da maioria dos poderes
federais, estaduais e municipais não se ignorava que estavam tomados por
personagens ávidas de dinheiro fácil, capazes de tudo para o conseguirem. Dos
partidos políticos, do PMDB ao PSDB e ao PT, passando por todos os outros mais
pequenos, bem se sabia que eram – são – basicamente máquinas para a conquista e
manutenção do poder e de todos os benefícios materiais que ele permite,
permanecendo completamente trepanados de qualquer romantismo ideológico. Mas
havia ainda a ilusão de que algumas destas personas aliavam a
competência técnica a uma certa honorabilidade pessoal, distanciando-se das
práticas comuns da ladroagem instalada. Henrique Cardoso, Alckmin, Serra,
Aloísio Nunes, entre outros, pareciam pessoas de bem, verdadeiros oásis de
honorabilidade num deserto político de corrupção. Na semana passada, a lista do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin pôs um
ponto final nessas ilusões.
À direita ficou-se a defender
que não é tudo igual: que uma coisa era o dinheiro roubado para pagar campanhas
eleitorais, a famosa «caixa dois», e outra bem diferente seria roubar para
meter em bolso próprio. Como se o dinheiro não tivesse todo a mesma origem – o
trabalho dos contribuintes brasileiros –, como se a conquista do poder não conferisse
honrarias e privilégios materiais a quem lá está e, sobretudo, como se o seu
desvio dos fins naturais de quem o produz não tivesse a mesma consequência de
atraso do país.
O Brasil é, por estes tempos,
uma tragédia sem fim à vista. No próximo ano, quando se disputarem as eleições
presidenciais, quem estará em condições de ser candidato, sabendo-se do rigor
da lei eleitoral sobre os chamados políticos «ficha-suja»? E quem terá as
condições pessoais para moralizar o país depois desta onda de denúncias, que
certamente conduzirá a muitas condenações e prisões, e para fazer as reformas
difíceis, mas imprescindíveis para que o Brasil volte a crescer?
Não vai ser fácil encontrar
uma resposta satisfatória para essa pergunta, correndo-se mesmo o risco de que
os brasileiros elejam pessoas sem condições mínimas para governar, como Marina
Silva, ou, no limite do pesadelo, o próprio Lula da Silva, que tem surgido como
o candidato mais votado em todas as sondagens eleitorais, mesmo considerando a
sua falibilidade. Se o Brasil não se refundar politicamente no próximo ano, se
a solução de governo vier do passado e não do futuro diferente, o país entrará
numa crise que poderá ser em tudo muito semelhante àquela que arrasta a
Argentina desde a década de 30 do século passado.
Aqui chegados vale a pena
refletir sumariamente sobre duas questões: como foi possível atingirem-se
semelhantes níveis de nepotismo, de corrupção, de impunidade e de descaramento,
e por que é que nem todos países são iguais?
À primeira dessas questões respondeu Emílio Odebrecht, na sua delação processual de há três dias, dizendo que,
desde que se conhece, foi sempre assim. Com Lula, desde sempre, e com todos os
demais políticos e partidos também.
No fim de contas, o estado
brasileiro nunca superou o coronelismo que nasceu com a sua independência, que
faz com que o poder seja um só – o político e o económico, sobretudo – e que
apenas faz girar os seus detentores, mas não muda os princípios de atuação, nem
os vícios.
A esse respeito já Jorge Amado
tinha escrito eloquentemente em várias das suas muitas obras, servindo de
exemplo, por todas, o famoso Dr. Mundinho, da Gabriela.
Simplificando, no Brasil não
há qualquer distinção entre o estado, o seu património e o património dos seus
governantes, que usam o que é público como se lhes pertencesse por direito
próprio. Nesta perspectiva, o que distinguiria Lula e o PT dos políticos e dos
partidos tradicionais foi a velocidade e a voracidade com que se atiraram ao
pote, desabituados a estarem por perto dele. Mas se por lá ficarem mais umas
décadas, daqui por algum tempo serão tão ou mais discretos do que todos os
outros.
A segunda questão pode pôr-se
em termos seguintes: por que é que dois países de um mesmo continente – o
Brasil e os EUA, por exemplo -, igualmente grandes e ricos, tornados
independentes em alturas muito próximas – 1776, o primeiro, e 1822, o segundo
-, são tão diferentes na capacidade respectiva de produzir riqueza, bem-estar
para os seus, justiça social e honorabilidade política e institucional?
Essencialmente, porque os EUA
são um verdadeiro estado de direito democrático desde a sua fundação e o Brasil
ainda não o é, volvidos quase duzentos anos desde que se tornou independente de
Portugal.
Nos EUA os fundadores tiveram
o maior cuidado em dotar o país de um sistema político assente numa
Constituição liberal, com poder limitado e controlado e fiscalização séria de
quem o exerce. Foi isto que prioritariamente os preocupou em Filadélfia. Isso,
verdadeiramente, nunca aconteceu no Brasil. O que significa que o estado de
direito democrático é o grande valor político pelo qual vale a pena lutar.
Título, Imagem e Texto: Rui A., Blasfémias,
21-4-2017
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