Rodrigo Constantino
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Completei neste fim de semana
dois anos de América. Ou melhor: de Flórida, uma espécie de América Latina
que deu certo. O que mudou mais em minha vida nesse período? Qual o resumo
dessa experiência? Que balanço faço dessa nova fase de minha vida, no primeiro
mundo capitalista?
O leitor que acompanha meu
blog já leu alguns textos sobre o assunto, especialmente aqueles que comparam
nosso cotidiano com o dos americanos de classe média. Em Brasileiro é
Otário? também incluí uma parte inteira com essas comparações, para
chocar o leitor desavisado mesmo, mostrar aquilo que o Brasil poderia ser,
mas não é.
Aqui, tentarei apenas fazer o
resumo do resumo, de forma bem sucinta. Aos que tiverem interesse no assunto,
recomendo a leitura do livro na íntegra. Vamos lá, então. O que tenho a dizer
dessa minha “aventura” como expatriado ou autoexilado em Weston?
Para começo de conversa, a
sensação de segurança. Claro! Venho da “cidade maravilhosa”, do lindo Rio de
Janeiro, da beleza e do caos, dos arrastões e das balas perdidas. O motivo
número um de fuga do Rio é esse: busca por maior segurança. E que diferença!
É quase impossível colocar em
palavras a mudança de mentalidade ao se sentir seguro no dia a dia, em cada
sinal de trânsito, ao andar na rua, ao ir a um shopping, em cada saída de
casa, dentro de casa. Deveria ser o básico, eu sei, mas o
brasileiro em geral e o carioca em especial perderam essa sensação faz tempo, e
suas vidas se transformam num contínuo estresse. À simples aproximação de
alguém em velocidade maior o sujeito já sente o coração palpitar, a adrenalina
correr pelo corpo. Isso é vida?
Mas não é “apenas” isso que
muda. É todo o entorno! As ruas bem cuidadas, os muros sem pichação, os jardins
bonitos, as estradas sem crateras, os carros modernos trafegando por elas, tudo
isso passa uma sensação de ordem, e o ser humano tende a apreciar
essa ordem no lugar do caos, da bagunça, da poluição visual e sonora, da
esculhambação. Ao longo do tempo, essa atmosfera de tranquilidade e
beleza vai mudando o indivíduo, tornando-o mais calmo, sereno. A ordem
externa ajuda na ordem interna.
Aí vem a questão dos serviços,
resumida na frase da filha de um amigo: “Pai, aqui as coisas funcionam!” Sim,
as coisas funcionam. Há menos “malandragem”, menos “jeitinho”, a sociedade é de
confiança, partindo da premissa de que o outro não quer te enganar o tempo
todo, e isso produz um efeito impressionante para quem está acostumado com
a desconfiança generalizada do Brasil. Claro, há “malandros”,
e quando são pegos, a lei funciona também: pagam um alto preço pela
“malandragem”.
Outro aspecto que me marcou
muito: a relativa igualdade nas coisas básicas. É verdade: o capitalismo leva à
desigualdade material, o que é normal e até desejável, uma vez que cada um tem
vocações, habilidades e sorte diferentes. A meritocracia e o acaso vão sempre
gerar resultados desiguais. Mas o ponto é outro: o rico vive muito bem, mas o
trabalhador de classe média também goza de uma vida digna!
O rico pode ter um carrão
possante na garagem, mas o sujeito de classe média tem um carro com todo o
conforto e segurança de que se necessita. Tem uma casa mais humilde, mas
decente. O filho frequenta uma escola pública razoável, às vezes muito boa,
como no caso da aprazível Weston, escolhida por tanta gente por esse motivo. E
ambos vão trabalhar cedo como caixa do supermercado ou algo do tipo, para
aprender como a vida é.
O rico não terá cinco
empregadas vivendo em sua casa, que não terá dependência, ou elevador de
serviço no prédio, tampouco uma cozinha fechada para trancar lá dentro a
cozinheira. O rico colocará sua louça na máquina, fará seu jantar em sua
cozinha aberta, integrada à casa, e vai cuidar do próprio filho, em vez de uma
babá que não desgruda um só segundo do filho dos “ricos” brasileiros, até mesmo
em restaurantes!
A mentalidade é outra. A do
Brasil é aristocrata no mau sentido, quase escravocrata. A do americano, como
também a do europeu, é de igualdade e independência. Como o filósofo Pondé
argumentou em sua coluna desta segunda, esse trabalho em silêncio no dia
a dia, mesmo nas classes mais altas na Europa, ajuda a forjar o caráter da
pessoa. O ócio é a morada do diabo, dizem. O que esperar das crianças
brasileiras criadas por suas babás?
Responsabilidade. Eis a
palavra. O americano dá mais liberdade e cobra mais responsabilidade. Crianças
aprendem desde cedo a se virar sozinhas, assumem funções na casa, trabalham no
verão, valorizam o empreendedor. No Brasil, cuspimos nos
empresários ricos, assumindo que são canalhas. E o pior é que muitos são, pois
a corrupção campeia num modelo com excesso de intervenção estatal.
Eu poderia continuar, mas paro
por aqui. Não quero despertar a inveja dos leitores, e sim a sua consciência.
O antiamericanismo é forte em nosso país, fruto de uma classe “intelectual” invejosa,
socialista. A América é uma grande nação. Não chegou aqui por acaso, muito
menos por exploração ou guerras, como alegam os recalcados. Virou a potência
que é por mérito próprio, por essa mentalidade calvinista e sua ética do
trabalho, por um sistema mais liberal e valores morais sólidos. Tudo sob o
ataque dos “progressistas” hoje, é verdade, mas que nem Obama conseguiu
destruir!
Minha revolta maior é observar
isso tudo, viver isso tudo, e saber que poderíamos ter
algo parecido. Se ao menos o brasileiro médio mudasse sua mentalidade… Se ao
menos a cultura brasileira fosse mudada… Mas isso é trabalho
para mais de uma geração. E é justamente a batalha que escolhi como meta da
minha vida, talvez por vocação, por indignação, por patriotismo.
Sim, pode parecer paradoxal, e alguns chegam até a me acusar de ter
“abandonado” o Brasil. Nada mais falso!
Ora, basta ver como ainda me
dedico às mudanças do Brasil, escrevendo diariamente sobre isso, comprando
brigas com grupos organizados e mafiosos. Mas faço isso da segurança de Weston,
garantindo a integridade física e até intelectual da minha família. O que me
deixa ainda mais ousado na hora de atacar os inimigos da nação. Não abandonei o
Brasil, mas o Brasil cansa. E trata muito mal aquele que é sério, trabalhador,
responsável.
Chega uma hora em que é
preciso colocar as prioridades no devido lugar. Não quero ser mártir de nada, e
devo à minha filha – e ao filho que nem nasceu ainda – fazer o que estiver ao
meu alcance para lhes dar um futuro melhor. Estou convencido de que
respirando ares mais civilizados, num ambiente capitalista e meritocrático, com
a segurança que temos aqui, com aulas sobre Thomas Jefferson em vez de Che
Guevara na escola (pública), tomei a decisão certa. Não volto ainda. Não sei
quando volto.
Não quero me mudar do Brasil
para sempre. Quero mudar o Brasil de sempre. E sigo na luta inglória, que testa
ao limite nossa paciência. A minha é grande, felizmente. Vamos em frente!
Título e Texto: Rodrigo
Constantino, Gazeta do Povo, 2-5-2017
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