Míriam Leitão
O ex-presidente Lula não se
preparou para responder às questões de ontem ou é um investidor descuidado a
ponto de não saber por que não pediu de volta R$ 209 mil. Toda a sua atenção
continua sendo na preparação da cena pública onde montou o palanque no qual
pensa que poderá se salvar da briga judicial. Lula primeiro precisa ganhar a
briga na Justiça, mas é à luta política que ele se dedica.
Ele apresentou uma versão em
relação ao triplex que não tem sequência lógica. Alega que soube duas vezes do
imóvel: quando D. Marisa comprou a cota, em 2005, e depois em 2013. Mas admite
que visitou o imóvel em 2014 com Leo Pinheiro, quando “colocou um milhão de
defeitos no apartamento”. Disse que nunca pensou em comprar o apartamento, e
que isso era ideia de investimento da mulher. Mas em seguida afirma que
desistiu de comprar, em 2014, ao visitá-lo, com o presidente da empreiteira,
Leo Pinheiro, e se dar conta de que não poderia ir àquela praia, por ser pessoa
pública. Admite que nunca comunicou Leo Pinheiro dessa desistência. Quando o
juiz Sergio Moro perguntou por que ele nem confirmou a compra, nem pediu
ressarcimento dos R$ 209 mil no prazo que houve para fazer isso, em 2011, ele
respondeu: “Tem que falar com D. Marisa”.
A estratégia seguida foi a de
mostrar distanciamento em relação ao fato. Mal soube dele. Coisa da esposa.
Depois que se deu conta que não era uma boa compra, desistiu. Maiores
explicações teriam que ser com sua esposa, que “lamentavelmente não está viva
para perguntar”.
Diante das acusações feitas a
ele, como a do ex-diretor da Petrobras, Renato Duque, de que ele teria mandado
retirar o dinheiro da conta no exterior, Lula admite que conversou com Duque.
Mas sua versão é um pouco diferente. Disse que falou com ele sobre esse assunto
porque havia boato de roubo e de que Duque tinha conta no exterior. Em vez de
demiti-lo ou fazer alguma sindicância, ele relata que falou: “Duque é o
seguinte, você tem conta no exterior?”. Ele teria respondido que não, e ele
aceitou. “Acabou, para mim era o que interessava”.
Enfadado e contraditório nas
respostas, ou irritado algumas vezes, Lula demonstra vigor apenas quando vai
para se encontrar com os militantes, aí então proclama sua candidatura e se diz
perseguido e massacrado pela imprensa, ou vítima da “maior caçada jurídica” que
um político já teve.
O ex-presidente Lula anda pelo
povo, mas apenas em ambiente controlado, como ocorreu ontem na praça onde se
juntaram os manifestantes levados pelos grupos que sempre estiveram com ele e
sempre estarão. O uso do avião de um empresário, Walfrido Mares Guia, para ir a
Curitiba é mais do que a busca do conforto, é também uma forma de evitar o
risco de um ambiente aberto em que ele poderia ser hostilizado. Uma cena dessas
seria viral nas mídias sociais e ele prefere evitar o desgaste. A crise atual
não é de um partido só e expõe todos os políticos ao risco de constrangimento
público, mas ele é o principal foco. Lula é amado pelos seus seguidores, que
hoje são apenas uma fração do que já foram, mas também é odiado por outros que
passaram a acreditar que ele solto é o símbolo da impunidade.
A Operação Lava-Jato deixa o
país com os nervos expostos, como se viu ontem. Não por seus defeitos, mas por
suas qualidades. A investigação não se deteve diante de poderosos políticos e
econômicos, nem mesmo de Lula que sempre se apresentou como o dono do povo.
Ele tem mais quatro processos
e uma denúncia a caminho, mas sua estratégia é tão focada na política que
precisou ser lembrado por Moro de que suas considerações finais não poderiam
ser as de um programa eleitoral. Ele estava de novo repetindo o discurso de que
“quem vem de baixo” não pode ser presidente. Conseguirá Lula mobilizar os
militantes, criar o clima de jogo de decisão em Copa do Mundo, e captar as
atenções do país como aconteceu ontem a cada novo depoimento? Dificilmente. A
estratégia exibida ontem é boa para político em disputa eleitoral, mas não o
livra dos vários processos que continuarão a rondá-lo nos próximos meses.
Título e Texto: Míriam Leitão, com Marcelo Loureiro, O Globo, 11-5-2017
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