terça-feira, 16 de maio de 2017

Quinze anos depois

Carina Bratt

Pois é, patrão. Você chegou aos sessenta e quatro, e eu quase às portas dos trinta. Falta pouco. Não faz muito tempo, comemoramos quatorze anos de trabalhos juntos e ininterruptos. Estava vendo, ainda há pouco, no You Tube, a homenagem que fiz para você quando completamos nove anos.

Lembro que todas as minhas amigas e conhecidos me encheram o saco, até dizer chega, dizendo que tínhamos um caso. A música que eu pedi para a Sara inserir, segundo os meus mais chegados, não se prestava somente a homenagem que eu fazia. No fundo eu lhe declarava AMOR.


E desde então, todos, sem exceção, passaram a dizer que eu me tornaria sua mulher, apesar da enorme diferença de idade. Me veio à memória, igualmente, as palavras de papai:

“Seu Aparecido, essa moça que o senhor está levando para viajar com o senhor é a minha joia rara. É a única joia e também a única filha que tenho. Lembra sempre que ela está indo em uma. Não quero que volte em duas.”

E recordo você brincalhão, como sempre tirando sarro de papai: “Não estou entendendo. O que é ir em uma e voltar em duas?” Ao que papai respondeu, meio brincando e furioso: “Você sabe muito bem o que estou falando.”

E quando papai morreu, três anos e meio depois, no leito de morte, segurando minha mão e a sua, ele, chorando, se lamentou. “Pois é meu rapaz... pena que você não tenha me desobedecido. Hoje poderíamos ter um netinho pulando e saltando por aí. A minha Liza ficará sozinha acompanhada somente da solidão que permanecerá em meu lugar.”

Eu tinha pouca idade, e você quarenta e nove, quando começamos nossa caminhada. Com papai fora de casa, em vista de pertencer às forças armadas, e querendo, sobretudo, construir meu próprio mundinho, resolvi procurar trabalho. Fiquei radiante, quando a Cíntia, uma vizinha do meu prédio me falou que tinha um amigo dela, que era jornalista e precisava de alguém para trabalhar como secretária.

O cara era jornalista e tinha urgência em alguém. O salário era bom e, embora eu não tivesse prática, me interessei e pedi a Cíntia que me levasse até esse amigo.  Nessa esteira, Cintia pediu para que você viesse a minha casa. Você veio. Conversamos por quase três horas.

Você precisava de uma secretária, mas havia um empecilho.  Necessário se fazia que viajasse lhe acompanhando para baixo e para cima. Amei de cara, a ideia. Afinal, na minha idade, viajar Brasil e mundo afora, não poderia proposta melhor ter chegado a tão boa hora.

Corri conversar com mamãe, mas ela não agradou muito da ideia. “Uma menina de quinze anos, viajar com um homem desconhecido. Você pirou, Carina?”

Apesar desse contra dela, pedi que falasse com papai. Uma semana depois voltamos a nos encontrar em casa. Eu, você, Cintia mamãe e meu velho. Depois de muita conversa, vai, não vai, não vai, vai, mamãe cedeu. E papai falou enquanto me abraçava sorridente.

“Fui com a cara do sujeito. Parece ser uma pessoa honesta. E Carina quer viajar, apesar de nova. Filho depois que cria asas, ninguém mais segura. Vamos fazer uma experiência.”

Depois desse encontro, você sumiu. Ficou sem dar notícias, por mais de dez dias.  Já perdia as esperanças de você “aparecer”. Então, do nada, você deu sinais de vida. Viajei na maionese quando o porteiro interfonou dizendo que você estava na portaria. Acredite, criatura, quase tive um treco, quando você, antes de entrar na sala, parado no umbral da porta, gritou: “E aí, dona Carina, ainda em pé nosso trato? Vim lhe buscar.” Berrei afoita um “sim, se o senhor ainda me quiser”.

Corri e o abracei como costumava abraçar a meu pai. Feitas as malas, chegou a hora das despedidas. Mamãe se pôs a chorar copiosamente. Nesse instante, papai virou pra você e recomendou aquelas palavras de que eu estava indo em uma e não queria que voltasse em duas.

E lá fomos nós. Em nossa primeira viagem ficamos doze dias fora. Após esse tempo, passei um final de semana com meus pais, em Santos. Na segunda viagem, cinco dias. Na terceira, vinte e cinco e, assim, sucessivamente. Para encurtar conversa, comemoramos mais um ano juntos, agora não só como sua secretária, mas também como assessora de imprensa.

Estou feliz senhor Aparecido, por estar ao seu lado, alegre e saltitante de viver esse “casamento” que deu certo e acredito, continuará por muitos e muitos anos. Dessa forma, enquanto você não me mandar embora, eu estarei colada no seu pé, seguindo com você vida a fora, passo a passo, ombro a ombro, até que o Pai Maior resolva nos apartar. Deus lhe pague por tudo o que fez por mim, por minha mãe e por meu pai, quando nos deixou vitimado de câncer.

Acredite, SOU IMENSAMENTE FELIZ E REALIZADA EM FAZER PARTE DA SUA VIDA, DO SEU DIA A DIA.  
Sempre, 
Título e Texto: Carina Bratt (Secretária e assessora de imprensa do jornalista e escritor Aparecido Raimundo de Souza), Santo Eduardo, RJ, 16-5-2017

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