Aparecido Raimundo de Souza
COMECEI A DESCONFIAR de alguma coisa quando minha filha Xumbrega
trocou o Luan Santana, por quem era apaixonada, gamada de pedra, pelo ilustre e
desconhecido Xinélio Eutanásio.
Para quem tinha todos os CDs, toalhas, sapatos, camisetas, cuecas,
calcinhas, lenços, meias, perfumes, revistas, pôsteres, fotos, o primeiro
dentinho, além de uma série de outras tralhas do cantor, essa mudança repentina
de comportamento, me deixou com a orelha atrás da pulga. Ou seria com a pulga
atrás da orelha? Esses jargões antigos me fascinam, ao tempo que me confundem a
cabeça.
Tudo começou quando arranjei com um amigo meu, produtor musical e
radialista, ingressos para a Xumbrega ir ao show do famoso que aconteceria em
nossa cidade. Falei a ela dos bilhetes, com direito a palco, fotos e ida ao
camarim. O meu bebê exultou, sapateou de alegria, saltou mais que pipoca em
festa de criança abandonada.
Só faltou, a bem da verdade, para meu rebento acreditar no que
dizia, pagar uma promessa antiga subindo as escadarias do Convento da Penha, no
Rio de Janeiro, de joelhos. Pois bem.
Menos de uma semana para o ídolo fazer a apresentação e Xumbrega nada. Dois
dias, e sequer sinais de retorno. Nenhum telefone, nenhuma mensagem via
WhatsApp. Com certeza, havia algo novo rolando no pedaço. Resolvi tirar a coisa
a limpo, em pratos de puro cristal, uma vez que a Xumbrega não morava comigo.
Liguei ato contínuo para Cadeirôncia, minha ex, e, então, ela me
explicou, com muita propriedade, o verdadeiro motivo dessa frieza, desse
descaso e indelicadeza em relação ao astro tão querido e amado.
- O negócio dela, agora, Cotovio, é o Xinélio Eutanásio. Antes que
me esqueça. Xinélio, com “x”, de chapéu...
- Como disse??!!
- Xinélio com “x” de chapéu...
- Ok. Até aqui morreu Vargas. – Quem é esse xirélio com “x”?
- Xinélio, seu sem audição. XINÉLIO. Ao que tudo me parece,
observo que você está precisando urgentemente lavar os “ouvido”. Aqui perto de
casa, apesar de ser proibido, tem um farmacêutico, seu Mota, que faz, por baixo
dos panos, esse procedimento. Se quiser, venha aqui que te levo até ele. Vai te
cobrar só o material. Voltando à nossa criança. Ela não te falou do rapaz?
- Ela não me falou de nada, principalmente desse tal de bruxelio.
Quem é afinal, por tudo quanto você acredita ser sagrado, esse bruxélio? - Ainda por cima, para piorar, com “x”?
- Xinélio, cara. Xinélio Eutanásio. Soletre comigo. XIS, I, ENE,
É, ACENTO AGUDO NO É, ELE, I, O. Realmente você está ficando mal dos “aparelho
de escutação de novela”. Justificável,
nessa altura do campeonato. É a idade. Meu pai, seu sogro, nem sabe que “as
orelha existe”. De onde tirou esse bruxélio?
- Não vem ao caso. Esqueça.
Não enrola. Desembucha.
- Estou estranhando a Xumbreguinha não ter conversado com você.
Conversa de pai pra filha. Numa boa, sem estresse. Vai ver, esqueceu... essa
juventude! O tempo deles, não bate com o
nosso.
- Cadeirôncia, pelo amor de Deus, não me deixe nervoso. Quem é
esse fruteio? Acaso nossa filha trocou o Luan Santana por outro artista? Espero
que esse infeliz não seja fanqueiro, metaleiro, roqueiro, tampouco use aqueles
cabelos horríveis tipo o capeta, nem brinquinhos e piercings nas orelhas,
pingentes na boca, e outros metais estranhos no umbigo.
- Não seja curioso, meu caro Cotovio. Pondere as suas emoções. “A
curiosidade matou o gato”. Já ouviu essa expressão em algum lugar?
- Não sou curioso. Nunca fui. Estou nervoso, o que é bem
diferente. Nervoso, entendeu? Quem é o Cruxelio e que apito toca?
– Na verdade, validando o nome da criatura, não é nenhum desses
que você latiu aí e, sim, Xinélio... - Xinélio com “x” de chapéu... Xinélio
Eutanásio.
- O quê? Como é que é?... - Está legal, não importa. Esclareça os
fatos. Seja objetiva. Canta a pedra.
- Fique calmo, relaxe, afrouxe as rugas, modere as emoções.
Cuidado com o coração. Xinélio, pela
derradeira vez, Xinélio com “x”, de charuto, ou de chupeta, como queira, a
escolha fica por sua conta e risco. Xinélio Eutanásio é o namoradinho novo que
ela arranjou... por sinal, cá entre nós, e morre aqui, um gatinho. A
princesinha, nessa parte, tem bom gosto. Se formos ver a quem puxou...
- O quê? Minha Xumbrega está namorando?! Mal saiu das fraldas...
ainda ontem eu carregava a sapeca pendurada no pescoço, levava ao parquinho...
ela adorava balançar, escorregar, jogar pedras nos meninos da vizinhança!
- Pois é, Cotovio. A nossa Xumbrega está amando. Primeiro
namoradinho, primeiro amor, primeiro beijo, primeiro abraço. Como pode
perceber, o tempo corre, aliás, urge e, em consequência, a fila anda...
- Estou vendo... a filha anda e, como diria meu
tatatatatataravô... depressa demais...
- Fila, Cotovio. Fila.
- Foi o que eu acabei de dizer, Cadeirôncia. Acho que nessa
história toda a surda por aqui é você. Fui bem explícito. Fila. FILAAA...
Título e texto: Aparecido Raimundo de Souza, jornalista. De
Sertãozinho, interior de São Paulo, 23-6-2017
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Quando nossos filhos saem debaixo de nossa proteção, e ja nos trocam por outro amor, ficamos assim meio surdo, lelé da cuca sem acreditar que ja deixaram as fraldas, mas o dia que tanto tememos ele chega pra todos(as) mas temos que aceitar. Parabéns texto maravilhoso Aparecido
ResponderExcluirParabéns pelo maravilhoso texto Aparecido kkkk sei bem como é, tive essa experiência por quatro vezes, sempre o susto e o mesmo, sempre somos os últimos a saberem. Pra nós nossos filhos são eternos bebês.
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