O descomunal esforço necessário para
satisfazer esse desejo seria inútil porque logo em seguida seria necessário
escolher o sucessor do eleito
O Estado de S. Paulo
Além de ignorar a
Constituição, a defesa da realização de eleições diretas à Presidência da
República a menos de dois anos do final do mandato não leva em conta as óbvias
dificuldades de organização de um pleito dessa magnitude em tão pouco tempo, e
isso tudo para eleger um presidente que ficaria, na melhor das hipóteses, cerca
de um ano no cargo. O descomunal esforço institucional e econômico necessário
para satisfazer esse desejo alegadamente democrático seria, na prática, inútil,
porque logo em seguida seria necessário deflagrar nova campanha eleitoral para
escolher o sucessor desse presidente eleito apenas para terminar o mandato.
A não ser que se pretenda
emendar a Constituição de tal maneira que se abrevie o mandato nascido das
urnas em 2014 e se dê ao eleito um novo termo – há que fale em mandato de cinco
anos –, a mobilização em torno de tão disparatada iniciativa seria, em resumo,
apenas irresponsável.
A ligeireza do debate sobre a
realização de eleições diretas para presidente caso Michel Temer não consiga
completar o mandato é espantosa. Há quem diga, candidamente, que basta aprovar
uma emenda constitucional como qualquer outra para tirar do Congresso e
“devolver ao povo” a prerrogativa de eleger o presidente que cumprirá o mandato
até 2018. Já há algumas iniciativas nesse sentido em tramitação no Congresso –
uma, na Câmara, prevê eleição direta em caso de vacância da Presidência e da
Vice-Presidência até seis meses antes do final do mandato; e outra, no Senado,
que estabelece como limite o último ano do mandato.
Ora, quem defende a vigência
dessa mudança já neste ano, como num passe de mágica, não leva em conta – por
ingenuidade, ignorância ou má-fé – o princípio da anualidade, previsto no
artigo 16 da Constituição. Nele se lê que qualquer lei que altere o processo
eleitoral não se aplica “à eleição que ocorra até um ano da data de sua
vigência”. A razão dessa salvaguarda é simples: com ela, evita-se que as regras
do jogo sejam alteradas em cima da hora por interesses casuísticos, para
beneficiar uns candidatos em detrimento de outros. A isso se dá o nome de
segurança jurídica, primado das sociedades civilizadas.
Mesmo que tudo isso seja
ignorado, o que em si já configuraria uma inacreditável aventura institucional,
a própria realização de uma eleição presidencial ainda neste ano implicaria uma
incalculável mobilização de recursos de toda ordem. Campanhas eleitorais não
são feitas da noite para o dia. É suposto, antes de tudo, que uma eleição sirva
para que candidatos convençam os eleitores sobre seus propósitos, e isso
demanda tempo, sem falar na necessidade de obter financiamento. Que presidente
seria eleito em um processo tão açodado? Melhor nem perguntar.
Mas os advogados das “diretas
já” são persistentes. Segundo seu discurso, a escolha do substituto de Michel
Temer por eleição direta daria ao eleito a legitimidade que o presidente
designado pelos congressistas não teria, já que muitos dos atuais parlamentares
estão envolvidos em cabeludos escândalos de corrupção. Além disso, dizem esses
paladinos da democracia que o estabelecimento de eleição direta agora serviria
para restituir aos cidadãos o direito de escolher seu presidente, razão pela
qual seu movimento diz inspirar-se nas “Diretas Já”, de 1984.
Nem é o caso de discutir aqui
a evidente contradição dos que consideram o atual Congresso legítimo o bastante
para mudar a Constituição a seu favor, mas ilegítimo para eleger o presidente
da República conforme manda a lei. Já a comparação com as “Diretas Já” é
obviamente excêntrica: diferentemente dos cidadãos brasileiros que, nos
estertores do regime militar, queriam de volta o direito de escolher o
presidente, os eleitores de hoje puderam votar em 2014 e poderão votar
novamente em 2018. Aliás, vota-se diretamente no presidente desde a eleição de
Fernando Collor. Ou seja, não há direito a ser restituído, pois nenhum foi
cassado.
Por trás de toda essa
balbúrdia sobre uma eleição direta extemporânea – que se presta mais a reunir
artistas militantes em shows gratuitos do que a incitar uma discussão séria
sobre o futuro do País – está um grande esforço para desqualificar os políticos
em geral. E todos sabem, ou deveriam saber, que essa destruição é tudo o que os
demagogos querem.
Título e Texto: Editorial, Estado de S. Paulo, 6-6-2017
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