Rodrigo Constantino
O filósofo Luiz Felipe Pondé
tem um livro sobre o ressentimento, esse câncer que costuma corroer a alma das
pessoas e da política. Em sua coluna de hoje na Folha, ele coloca justamente o
ressentimento como origem do populismo. Pondé acha que o ambiente nacional está
fértil para soluções populistas em 2018, da esquerda à direita. Diz ele:
Os sinais estão no ar: horror
à política profissional, apelos ao Poder Judiciário como Batman do Brasil,
sonhos de pureza, ressentimento por toda parte. A única forma de garantia
contra o vírus do populismo é não esperar muita coisa da política. Na política,
menos é mais.
[…]
O primeiro [tipo] é o mais
conhecido: o populista de extrema direita. O ressentimento nele é evidente,
porque ele é o mais comum dos dois tipos de populistas. Sempre movido pelo ódio
por um grupo social, ainda que disfarçado. Normalmente, esses grupos são identificados
com alguma forma de “degeneração”. Do ponto de vista da imagem, esse tipo tende
a ter o cabelo cortado de forma careta.
No contexto brasileiro, a
imagem mais clássica é de alguém que admira a “retidão” militar. Tem uma certa
nostalgia da ditadura e é visto como malvado, por exemplo, por artistas,
jornalistas e intelectuais.
[…]
Um novo estereótipo da sua
imagem, no contexto mais recente, é o de um evangélico contra gays. Um fanático
religioso com ares de resposta ao “horror esquerdista”.
Afora jovens raivosos e com
dificuldade de sociabilidade, esse tipo tende a atrair o mercado clássico dos
eleitores populistas de extrema direita: gente com mais idade, mais fracassos
acumulados na vida profissional e afetiva, e com mais experiência no impasse que
é a vida, em grande parte dos casos.
No caso de homens, tende a
atrair aqueles que pegam menos mulheres.
O outro tipo de populista é
menos óbvio, mas nem por isso menos perigoso. Um representante “chique” dessa
linha é o novo líder do trabalhismo inglês, Jeremy Corbyn, que ganhou o “voto
jovem” nas últimas eleições britânicas.
Prometendo dar tudo de graça,
esse novo ícone do populismo de esquerda mundial quase ganhou as eleições.
Sorte dele, porque ia fracassar como todo mundo que promete tudo para o povo.
Para Pondé, os jovens são
presas mais fáceis dos populistas: “Jovens têm vocação natural ao populismo,
por acreditarem que o mundo é simples como uma teoria qualquer”. Em Esquerda
Caviar, dediquei um capítulo inteiro sobre a juventude e essa busca por
certezas simplistas, utopias ideológicas e políticas.
Pondé diz que a esquerda
está em busca ainda de seu novo “pai do povo”, enquanto a direita já teria
encontrado o seu. O alerta é válido: o grau de ressentimento está em patamares
sem precedentes no Brasil, assim como a revolta contra a política como um todo.
Getúlio Vargas se tornou ditador em contexto parecido.
Em tal cenário, dura mesmo é a
vida do liberal clássico ou do conservador, daquele que desconfia da política,
mas não enxerga saída fora dela, e teme qualquer um que diga representar o povo
contra todo o mal existente. Cheguei a desabafar no meu Facebook:
Não é fácil a vida de um
liberal clássico no Brasil. Para a esquerda, você é fascista; para a direita
nacionalista, você é um fabiano; e para os liberteens, você é socialista. Que
dureza pregar o bom senso num clima radical desses…
O Brasil necessita
urgentemente de reformas estruturais, mergulhado num caos econômico produzido
pelo PT que gerou 15 milhões de desempregados. Precisa, também, de uma limpeza
moral na política, do combate à doutrinação socialista nas escolas e
universidades, do resgate de valores e do fortalecimento da estima policial.
Com quase 60 mil assassinatos anuais, precisa ainda reverter o desarmamento,
ainda que esta medida não seja mágica para reduzir a criminalidade.
E o mais complicado: precisa
fazer tudo isso em um quadro de total falta de credibilidade da classe
política, das instituições republicanas. É quase um milagre o que o Brasil
precisa para simplesmente não afundar. Diante desse contexto, fica fácil a vida
dos populistas, e muito mais difícil a vida dos que querem salvar a
democracia, ainda que imperfeita, começar um processo de
depuração ética, ainda que limitado, e avançar na pauta das
reformas, para retirar privilégios indevidos e ampliar o espaço da iniciativa
privada.
Os desafios são tão homéricos
que a gente quase consegue concordar com os desesperados que abraçam alguma
fuga populista!
Título, Imagem e Texto: Rodrigo Constantino, Gazeta do Povo, 10-7-2017
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