Alberto Gonçalves
Ninguém se incomoda com insultos a europeus
ou a cristãos. Porém, dia após dia, surge um “escândalo” alusivo ao que X disse
da maravilhosa “cultura” cigana, ou Y disse da “comunidade LGBTQRONVS§#™‰*$”
Um alegado humorista, que
sinceramente desconheço, escreveu algures uma graçola sobre a “xenofobia” de
Pedro Passos Coelho e a doença da mulher dele. Num ápice, inúmeras pessoas,
muitas das quais tenho por decentes, lançaram-se para as inevitáveis “redes
sociais” a insultar o alegado humorista, a providenciar-lhe publicidade
gratuita e, em certos casos, a tentar, sem dispor dos meios, reproduzir os
métodos usados pela oligarquia para silenciar dissidências.
É verdade que, à semelhança de
diversos colegas, o alegado humorista é pelos vistos avençado da oligarquia. É
verdade, segundo li, que é pago pelos contribuintes por uns rábulas de revista
na rádio pública. E é verdade que bater em Pedro Passos Coelho, inclusive pelas
razões mais absurdas, talvez lhe confira créditos junto dos respectivos chefes.
Mas também é verdade que criaditos do poder não faltam, que os contribuintes
pagam à força o salário a multidões de matarruanos (mesmo descontando os
familiares do prof. dr. Carlos César) e que a voracidade com que idiotas
sortidos decretam a irrelevância de Pedro Passos Coelho é proporcional ao pavor
que, com ou sem motivo, este teimoso indivíduo lhes inspira.
O que importa, em todo o
insignificantíssimo episódio, é o facto de o alegado humorista ter o direito de
se aliviar das atoardas de que gosta e a chatice de ouvir de volta atoardas de
que não gosta – pretender o contrário é próprio da esquerda que o moço serve. A
liberdade de expressão – cansa repetir – inclui a liberdade de se exprimirem
coisas que nos são repulsivas, maçada que vale para piadas de oncologia,
referências ao dialeto do dr. Costa ou manifestações contra “minorias”. Os
recentes acontecimentos em Charlottesville, Virgínia, são um exemplo adequado.
Por grotesco que pareça, os “supremacistas brancos” deviam ser livres de berrar as alucinações que os embalam sem se verem importunados, ou publicitados, por “ativistas” diversos, para cúmulo possuídos por aversões similares: ao capitalismo, às multinacionais, aos judeus, ao “sistema”, ao que calha. Calhou de discordarem acerca de alguns dos “grupos” a combater, e é pena. Unidos, ambos os gangues conciliariam a vontade vã de uns em expulsar os seus ódios de estimação do território americano com o esforço consumado dos outros em expulsar os seus ódios de estimação das universidades americanas. E prosperariam enfim.
Em abono do rigor, o
totalitarismo já prospera, obrigadinho. Nos EUA e aqui, criaturas radicalmente
desprovidas de utilidade teimam em vigiar a linguagem e decretar os limites do
“admissível”. E, cá como lá, a sanha persecutória é menos consequente nos
supremacistas brancos do que nos vermelhos. Ninguém se incomoda com insultos a
europeus ou a cristãos. Porém, dia após dia, surge um “escândalo” alusivo ao
que X disse da maravilhosa “cultura” cigana, ou ao que Y disse da “comunidade
LGBTQRONVS§#™‰*$”, ou ao que Z pensou em dizer do prodigioso governo que nos
ilumina. É estranho um mundo onde os beatos do Bloco ou a namorada do
ex-presidiário Sócrates se sentem habilitados a julgar – e se esgadanham para
castigar – as opiniões alheias. Ou, dado que a deturpação é abundante, a
amálgama de mentiras em que transformam as opiniões alheias.
Para os distraídos, estamos a
falar de gente com credibilidade idêntica à de um astrólogo (com ofensa aos
astrólogos). São antifascistas que professam o comunismo ou participam com zelo
num regime influenciado por comunistas. São feministas que se borrifam para a
humilhação das mulheres ciganas. São democratas que aplaudem o regime
venezuelano. São lobistas “gay” que se apaixonam pela Palestina. São ecuménicos
que abominam as religiões ocidentais. São opositores do racismo que compreendem
os racistas do islão. São indignados com a xenofobia que insultam os espanhóis
e os alemães e os ingleses que nos visitam e sustentam a nossa reles economia.
Ainda assim, procurar calar essa gente seria imitar-lhe os princípios. O que
interessa é recusar que, à conta da intimidação, essa gente nos cale a nós.
Pedro Passos Coelho foi
criticado por criticar uma lei perigosa, a que permite a permanência em
Portugal a estrangeiros cadastrados ou, cito a expressão que suscitou o pânico,
a “qualquer um”. Agora, em Barcelona, confirmou-se pela enésima vez aquilo de
que “qualquer um” é capaz. Os gritos de “racismo” dirigidos ao líder do PSD não
se distinguem das afirmações de valentia e dos apelos à fraternidade universal
exibidos após cada atentado. Trata-se, na melhor das hipóteses, da cedência
infantil a clichés. Na pior, é má-fé, e o som de uma civilização a entregar-se,
deliberada e jovialmente, ao próprio fim. Haverá um humorista a sério para
brincar com isto?
Título e Texto: Alberto Gonçalves,Observador, 19-08-2017
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