Helena Matos
O que vai acontecer a Pedro Passos Coelho
conduz-nos ao que se pode definir como o paradoxo dos líderes do centro nos
nossos dias: servem para quê? Para discutir economês?
Entre o sol que ainda faz e a
chuva que vai fazer, os incêndios vão finalmente extinguir-se, o país do
interior vai voltar a ser o que deve ser – uma sucessão de aldeias pitorescas –
enquanto o país das cidades retorna à agenda controlada por esse número de
ilusionismo chamado governo que a todos promete mais. (A propósito que nome
terá a próxima taxa/imposto para financiar a segurança social?)
Assim dispostos os elementos,
António Costa tem tempo e disponibilidade para se dedicar a um novo ciclo
político. Ou seja, vamos entrar no período em que, afastado o terror de que a
Natureza imponha um imprevisto, o PS se prepara para resolver o espaço à sua
direita. Ou mais propriamente dizendo vamos entrar na fase em que sábias e
autorizadas vozes provarão, por A mais B, que há que resolver o problema Passos
Coelho.
Retirar
Passos Coelho da liderança do PSD é um dos desígnios de António Costa. Afinal
Passos é o homem que o derrotou. Mas mais importante que o fator pessoal é
o facto de Passos ter uma legitimidade própria e Costa querer à frente do PSD alguém cuja legitimidade advenha daquilo que a
esquerda dele disser.
A isto acresce que com Portas
afastado (e a apostar numa futura candidatura presidencial) Passos
tornou-se na figura que está a mais neste tempo novo. E assim depois de ter
marcado a política portuguesa com um não – aquele que o enfrentou a Ricardo
Salgado, um não crucial não apenas para o caso BES em si mesmo mas
para o próprio regime como se percebe a cada nova revelação sobre essa teia
Salgado-Sócrates-Granadeiro… – Passos vai viver os próximos tempos sob o
fantasma doutro não: aquele que muitos esperam, o PSD lhe dê.
Ora o que vai acontecer a
Passos Coelho ultrapassa muito largamente o destino dele mesmo e conduz-nos ao
que se pode definir como o paradoxo dos líderes do centro nos nossos dias:
servem para quê? Para discutir o PIB? O déficit?
E da vida das pessoas podem
falar? Não. Se o fazem são imediatamente apelidados fascistas, populistas,
racistas… Não interessa sequer o que dizem ou defendem. Simplesmente não podem
tratar esses assuntos. Mas a circunscrição da intervenção dos políticos de
centro ao discurso sobre as finanças públicas e a economia está a passar-nos
uma fatura muito cara.
Escola, família, segurança,
imigração… precisam de ser discutidas. Mas os políticos de centro foram
deixando esses assuntos nas mãos dos extremistas, no caso de esquerda. O
resultado é o que se vê: todos os dias somos informados da criminalização de
mais um comportamento seja ele real ou imaginado. Por exemplo, o Público jornal
que é uma espécie de farol no lançamento das novas e novíssimas causas que nos
vão infernizar a vida, informa que “Há uma preferência ‘óbvia’ dos senhorios
em arrendarem casa a brancos. O Público fez um exercício de ‘testing’: três dos
cinco supostos senhorios não trataram clientes de forma igual.”
Note-se que o Público
telefonou para cinco pessoas e a partir daí construiu uma tese. É caso para
dizer que nunca se concluiu tanto com base em tão pouco. Mas o pior vem a meio
do texto quando se sugere que os telefonemas de testing deveriam servir
como prova nos processos por discriminação. Por agora é apenas uma ideia tão
extraordinária quanto o foi no início a perseguição aos turistas, mas quando
for processado o primeiro reformado que investiu as poupanças da sua vida na
recuperação de um andar na Reboleira porque não marcou uma visita a alguém com
sotaque (para o testing valem todos os sotaques ou só alguns?) vamos
então mostrar a nossa indignação? E se o senhorio ele mesmo tiver sotaque
também se coloca a questão do racismo?
O monstro que deixamos criar
para alegadamente corrigirmos comportamentos e a passividade quando não o
entusiasmo dos políticos de centro perante este alucinado exoesqueleto
legislativo são bem significativos do beco a que os políticos de centro se
deixaram conduzir a si mesmos e aos seus eleitorados.
Na semana que passou foram os
livros da Porto Editora a servir de pretexto para um caso que só mostra como as
editoras de livros escolares dependem do poder político. Na próxima tudo indica
que a PT/Altice seja a empresa a ter de se render à evidência que ou cumpre os
desígnios do primeiro-ministro ou nunca mais terá sossego: muito oportunamente
a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) detectou mais de 100
infracções laborais na PT e mais oportunamente ainda o PCP exigiu que o Estado
controle de novo a PT. Durante quanto
tempo aguentarão os proprietários da PT/Altice esta pressão de inspeções,
ameaças de greve e invectivas do próprio PM? Ou mais precisamente quando
farão como os senhores Pedrosa e Neelman que aceitaram reduzir de 61% para 50%
a posição que tinham ganho na privatização da TAP?
O que faz a oposição no meio
disto? Espera que se desmorone a contabilidade governamental? Foi uma táctica
possível no passado. Agora é manifestamente insuficiente. Não sei se Passos
quer ou consegue romper com esse papel reservado aos líderes da oposição, mas
alguém tem de o fazer.
PS. Aconselho
a que se revejam as fotos da manifestação de repúdio pelosatentados de Barcelona. Procurem
um cartaz que condene os terroristas. Ou até o Estado Islâmico que
reivindicou a autoria. Encontram-se cartazes contra Espanha, contra o Rei,
contra o governo de Espanha que não tem competências sobre a segurança na
Catalunha e contra a venda de armas, coisa assombrosa quando se sabe que os
terroristas usaram facas, automóveis e botijas de gás. Também havia pelo menos
um cartaz contra a islamofobia. Contra os terroristas eles mesmos e contra o
terrorismo é que é difícil encontrar. E claro muitas papeletas a dizer que não
têm medo. De facto não devem ter. O medo faz parte da sobrevivência.
Título e Texto: Helena Matos,
Observador, 27-8-2017
Marcações: JP
Relacionados:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-