Péricles Capanema
Não vou tratar hoje de
assunto agradável. Momentoso, sim, necessário; para muitos, distante. Em 30 de
setembro de 1938, Neville Chamberlain, primeiro-ministro inglês, voltando de
Munique, após encontro com líderes da Alemanha, Itália e França, pronunciou
célebre discurso prometendo “paz para o nosso tempo”. As tratativas
do premier inglês, levadas a cabo no quadro da política
de appeasement, pareciam ter varrido do horizonte o monstro da
guerra na Europa.
Um ano depois, na madrugada de
1º de setembro de 1939, a Alemanha invadiu a Polônia. Em resposta, a França, o
Reino Unido e a Commonwealth declaravam em 3 de setembro guerra à Alemanha.
Começava a 2ª Guerra Mundial.
Isolado e incompreendido, um
velho político inglês trovejou na ocasião contra os chamados acordos de Munique:
Winston Churchill. A ele foi atribuída esta frase, que retrata com fidelidade
sua posição no Parlamento ninado pelo fascínio da paz endereçada a
Chamberlain: “Tínheis a escolher entre a vergonha e a guerra.
Escolhestes a vergonha, tereis a guerra”. De fato, afirmam
estudiosos da obra do antigo primeiro-ministro que tal frase nunca foi dita; a
legenda terá origem em carta de 13 de agosto de 1938, endereçada a Lloyd
George: “Penso que nas próximas semanas teremos de escolher entre a
guerra e a vergonha e tenho poucas dúvidas sobre qual decisão tomaremos”. A
legenda tem direitos, simpáticos, aliás; tantas vezes põe cor, relevo e nitidez
na realidade.
Desde a ascensão do nazismo ao
poder, Churchill lutara pelo rearmamento inglês e recusava
contemporizações, que tornaria mais devastador, sofrido e problemático o
confronto que ele via como inevitável. Na prática, a Alemanha nazista
utilizou-se do tempo ganho nas tratativas para se armar ainda mais e preparar
melhor as agressões.
Como pesadelo, tudo isso me
veio à cabeça ao ler as sanções impostas de forma unânime pelos 15 membros
Conselho de Segurança da ONU à Coreia do Norte, em resposta à explosão da bomba
nuclear em 3 de setembro último. É a sexta bomba coreana e a nona sanção da
ONU, a primeira de 2006. Em cada vez, a situação se apresenta mais grave.
Para obter a unanimidade no
Conselho de Segurança, os Estados Unidos aceitaram aguar a proposta inicial. E
por causa da oposição da Rússia e da China, desistiram da suspensão total das
exportações de petróleo para a Coreia do Norte e o congelamento dos bens do
ditador Kim Jong-Un. Liu Jieyi, embaixador da China, reiterou que a solução da
crise deve ser por meios “pacíficos, diplomáticos e políticos”. Enfatizou
ainda que outros países não devem buscar o fim ou o colapso do regime de
Pyongyang, nem defender a reunificação apressada da península. Em resumo, duas
condições inegociáveis impostas pela China: fica o regime, fica Kim Jong-Un.
Terceira: a reunificação por enquanto não está na pauta.
Quanto às sanções, elas
proíbem importações de produtos têxteis da Coreia e suspendem novas
contratações de trabalhadores norte-coreanos no Exterior. Ninguém garante que a
China, nem países da região as respeitarão. Como Cuba com seus médicos, para
funcionar no mínimo, a Coreia do Norte precisa mandar trabalhadores para o
Exterior, retendo (expropriando) o grosso do salário. 95 mil coreanos trabalham
fora, a maior parte na Rússia e na China. A resolução limita ainda a venda de
petróleo à Coreia do Norte, com o teto de 2 milhões de barris por dia para
produtos refinados. Também não há certeza de que a China, a maior fornecedora,
obedecerá ao limite.
Nem vou continuar. Em artigo
para o “Washington Post” intitulado “Por que as sanções não funcionam?”,
reproduzido em “O Estado de S. Paulo” no dia 15 de setembro, Adam Taylor
constata: “A Coreia do Norte está sob sanções da ONU desde 2006. Com o
tempo elas se tornaram mais fortes e outros países e entidades, incluindo Estados
Unidos e União Europeia também impuseram medidas unilaterais.” O
articulista põe o dedo na ferida: “China e Rússia, dois dos mais
importantes parceiros comerciais da Coreia do Norte, hesitam em aplicá-las”.
Em parte, sanções “para inglês ver”.
A reação da Coreia do Norte
foi violenta e compõe bem o cenário. Prometeu acelerar o programa
nuclear, “redobrar esforços para incrementar seu poderio”. Nada de
inesperado.
Os Estados Unidos, a Coreia do
Sul e o Japão afirmaram estar preparados para fazer mais pressão, caso
Pyongyang se recuse a cessar o desenvolvimento de seu arsenal nuclear. Daqui a
um ano, dois, quando se constatar que a Coreia não mudou o rumo, a situação
estará pior do que hoje. Virão novas sanções? E assim, até quando?
Claro como água do pote, a
Coreia do Norte está caminhando para ser potência nuclear com capacidade de
transportar bombas em foguetes transcontinentais. E, como reação lógica, está
crescendo no mundo político e na opinião pública em geral do Japão e da Coreia
do Sul a exigência de que esses dois países se armem nuclearmente. No futuro —
ruminam —, do que poderá valer o guarda-chuva norte-americano, segurado por
líderes que bradam o “America first”?
Parece-me óbvio que os Estados
Unidos têm os meios para resolver a contento a questão. No entanto, preocupa,
pois cada adiamento aumenta em muito os custos da solução. Lembro outra frase
de Winston Churchill: “Você pode sempre confiar em que os
norte-americanos farão a coisa certa — depois de tentarem todo o resto”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-