João Marques de Almeida
Nos próximos quatro anos a tentação em
Berlim será gerir a Europa de modo a impedir o aumento do eleitorado do AfD.
Reformas ambiciosas ficarão para o futuro. O AfD exige menos Europa e menos
despesas.
Se Angela Merkel fosse como
António Costa, tentaria fazer uma coligação à direita, incluindo a direita
radical e populista, o AfD. As eleições alemãs deram uma maioria de cerca de
55% aos partidos de direita. Se Merkel pensasse como Costa, tentaria construir
uma geringonça alemã. Não é a esquerda portuguesa que nos diz que a geringonça
é um exemplo para a Europa? Ou será um modelo apenas para as esquerdas? As
direitas estão impedidas de geringonçar? Se Merkel agisse politicamente como
Costa e colocasse uma geringonça alemã no poder, a novidade seria má para um
país como Portugal. A tolerância de um governo alemão desse tipo para dívidas
elevadas e programas monetários do BCE seria nula. Mas, para bem dos
portugueses, da Europa e do próprio Costa, Merkel não é como o nosso PM.
Este exercício de especulação
política mostra a fragilidade do argumento dos partidos da geringonça de que a
diferença entre esquerda e direita é mais importante do que as diferenças entre
partidos democráticos e liberais e forças políticas populistas, antidemocráticas
e antieuropeias, as quais existem nas esquerdas (PCP, BE, Podemos, etc.) e nas
direitas (AfD, Frente Nacional, UKIP, etc.). O resultado das eleições alemães
mostra que os críticos da geringonça têm razão. Na política europeia, há
diferenças mais relevantes do que a simples distinção entre a direita e a
esquerda. Por isso, Merkel não fará uma coligação com o AfD.
Na sua primeira declaração
após conhecer os resultados eleitorais, Merkel foi mesmo mais longe. Identificou
o AfD como o principal adversário a combater nos próximos quatro anos. Merkel,
a CDU e a CSU sabem que o AfD tirou a maioria absoluta ao centro direita
alemão. Aconteceu precisamente o que mais temiam: a emergência de uma força
política populista e nacionalista a roubar votos à CDU, ao CSU e ao FDP. Sem o
AfD, os democratas-cristãos e os liberais teriam tido uma maioria confortável.
O crescimento do AfD constitui também um aviso para a Europa e para as
políticas europeias de Berlim.
O resultado das eleições
alemãs foi uma derrota para Macron. A sua ambição para o futuro da zona Euro,
sobretudo no lado da despesa comum europeia, não resistirá ao crescimento do
AfD. Para ser forte na Europa, Macron precisava de uma Merkel forte. Uma Merkel
mais enfraquecida fará de Macron um líder mais fraco. Para os próximos quatro
anos, a tentação em Berlim será gerir a Europa de modo a impedir o aumento do
eleitorado do AfD. Reformas ambiciosas na Europa ficarão para o futuro. Com o
SPD fora do governo e com uma oposição forte à sua direita, Merkel terá o
mandato mais difícil de todos. O SPD vai pedir mais Europa e mais políticas
sociais. O AfD vai exigir menos Europa e menos despesas.
Com o SPD de regresso à
oposição, a formação de uma coligação será um exercício difícil para Merkel. A
CDU perdeu cerca de 9% de votos em relação à última eleição e sofreu o pior
resultado desde que Merkel assumiu a liderança do partido (afinal a grande coligação
não foi má apenas para o SPD). Os democratas-cristãos precisam dos Liberais e
dos Verdes para formarem um governo maioritário. E será essa a primeira opção
de Merkel. As negociações serão, contudo, complicadas. Não será nada fácil para
os Verdes irem para um governo de direita, sobretudo com o SPD e o De Linke na
oposição. A CSU, com eleições na Baviera no próximo ano, será um negociador
exigente e difícil. A Europa fará parte das negociações para o governo de
coligação. A CSU e os Liberais já disseram que um orçamento na zona Euro para
pagar as despesas da França e da Itália está fora de questão.
Se Merkel não conseguir formar
um governo maioritário, poderá ficar à frente de um governo minoritário, com os
Liberais. Aqui a dúvida seria se teria o apoio parlamentar dos Verdes ou não.
Um governo minoritário poderá levar a eleições antecipadas e à abertura da
discussão sobre a sucessão de Merkel à frente da CDU. A Alemanha assistiu ontem
ao pior resultado combinado dos dois principais partidos, a CDU/CSU e o SPD,
desde a Guerra. Os alemães assistiram igualmente à entrada da extrema direita
nacionalista e antieuropeia no Parlamento, pela primeira vez na história da
Alemanha Federal. Assistiram ainda ao início do fim para Merkel. Não há razões
para celebrar.
Título e Texto: João Marques de Almeida, Observador,
25-9-2017
Relacionados:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-