Rui Ramos
Pensar que o país saiu do lixo porque
aumentou os funcionários em 2016, e que o ajustamento de 2011-2014 não teve
qualquer papel, é uma prova de obtusidade, antes de ser uma exibição de
facciosismo.
A Standard & Poor’s subiu
a notação da dívida portuguesa. António Costa já deu os parabéns a Passos
Coelho? Não é uma questão de justiça. É uma questão de inteligência. Porque
pensar que o país saiu do lixo da Standard & Poor’s porque aumentou os
funcionários públicos em 2016, e que o sucesso do ajustamento entre 2011 e 2014
não teve qualquer papel, é uma prova de obtusidade, antes de ser uma exibição
de facciosismo.
A ultrapassagem da crise de
2011 não se deveu só a Passos, mas deveu-se muito a Passos. O processo teve
várias momentos: o resgate da troika em 2011, que poupou o país à bancarrota
imediata; a declaração de Mario Draghi em 2012, que sossegou os investidores internacionais;
a firmeza de Passos Coelho em 2013, que garantiu que Portugal não cairia numa
cascata de governos, eleições e resgates, como a Grécia; a “saída limpa” de
2014, com a economia a crescer e o desemprego a diminuir; e finalmente, o ano
passado, as brutais cativações e cortes de investimento de Mário Centeno, que
sacrificou os serviços públicos e o papel do Estado de modo a satisfazer as
clientelas do poder sem ferir a credibilidade externa.
Os cortes de salários e os
agravamentos de impostos foram inaugurados por Sócrates em 2010, com o PEC 3,
após as larguezas eleitorais do ano anterior. Passos não foi o
primeiro-ministro que começou a austeridade. Foi, antes, o primeiro-ministro
que, em 2015, a começou a aligeirar, como aliás lembrou Subir Lal, do FMI, numa
entrevista recente. Em 2015, porém, Passos ainda foi prudente. Hoje, entre os
seus correligionários, há quem ache que deveria ter sido mais aventuroso.
Se Passos não começou a
austeridade, António Costa também não acabou com ela. Costa fez duas coisas.
Primeiro, arranjou-lhe outro nome: agora, chama-se “rigor” — segundo a receita
de Alexis Tsipras, que também acabou com a “troika” na Grécia passando a
chamar-lhe “as instituições”. Segundo, mudou a sua composição: menos dinheiro
para os serviços e mais para os funcionários (ou seja, menos dinheiro para
tratar dos doentes e mais dinheiro para pagar aos enfermeiros).
Nesta história, o pior do
governo de Costa nem está aí, mas no condicionamento da governação pelos
inimigos da integração europeia, que são também os inimigos de todas as
reformas capazes de habilitar os empresários e trabalhadores portugueses a
aproveitar os mercados internacionais. Foi por isso que, no princípio de 2016,
os investidores recearam, a economia desacelerou e o custo da dívida se
agravou. António Costa, entretanto, já mostrou que o PCP e o BE, afinal, estão
suficientemente empenhados em continuar na área do poder para se calarem sobre
o Euro e fingirem que não repararam nas cativações. Mas não demonstrou que não
tentem aumentar a sua quota de poder, como sugerem exigências e greves. Quanto
a reformas, o mais que o governo pode é tentar não reverter algumas.
Tudo isto justifica
preocupação porque, por baixo do véu da conjuntura internacional, o país está
longe de saudável. A dívida é mais cara do que a de Espanha, a poupança é a
mais baixa de sempre, o crédito está novamente focado na habitação, o
crescimento económico é inferior ao espanhol, o défice comercial aumenta. Não,
não é a bancarrota para a próxima semana. É apenas a medida da vulnerabilidade
de uma economia impedida de se valer das oportunidades para progredir ao nível
requerido pelas suas expectativas e compromissos. A boa conjuntura protege-nos.
Mas bastará que o tempo mude para nos arriscarmos a mais aflições. E que farão
então Costa e os seus aliados? Vão culpar outra vez Passos Coelho?
Título e Texto: Rui Ramos, Observador,
19-9-2017
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