Flavio Morgenstern
Feminismo é uma
luta de classes aplicada a gêneros. Cavalheirismo é um código de conduta de
homens para servir as mulheres.
Uma cidadã que o UOL dignou a
alçar à categoria de colunista, chamada Regina Navarro Lins, escreveu uma “coluna” menor do que um textão de Facebook para
defender (adivinhe! algo que exige muita coragem nestes dias!) o feminismo e
atacar algo do que chamam de “patriarcado”. No episódio de Regina Navarro Lins,
o caso foi dizer que “o cavalheirismo é péssimo para as mulheres”.
De acordo com Regina Navarro
Lins, gestos de cavalheirismo (como abrir a porta do carro, deixar a mulher
andar do lado de dentro da calçada* ou deixá-la entrar primeiro após abrir uma
porta) são instados desde a juventude e, em linguagem
histérica-feminista-padrão, “[c]omo é comum as pessoas repetirem o que ouviram
desde cedo sem refletir!” (aposto que o leitor já sabia que viria um ponto de
exclamação e a palavra “refletir”).
Apesar da auto-declaração de
propriedade absoluta da capacidade de reflexão, que Regina Navarro Lins crê que
fez com ineditismo na história da humanidade, quem menos parece ter refletido
sobre o cavalheirismo desde o cavalo de Tróia parece ser nossa heroína, que o
UOL faz questão de nos avisar que é psicanalista há 42 anos (alguém surpreso?),
palestrante (alguém surpreso?) e participante do programa “Amor & Sexo” da
Globo (sério, alguém surpreso?!).
É a velha tônica do
progressismo e da problematização: inventar um siriricutico novo com algo
inócuo (ou até vantajoso) para ser a primeira a reclamar de
“micro-agressões” (ah, que vida sem louça pra lavar a destes progressistas!),
denunciar com textão e esperar aplausos fáceis da lacrosfera, que então dirá:
“Oh, muito obrigado por dizer o que eu não problematizei primeiro, Regina
Navarro Lins, você é super legal.”
O maior biógrafo de Sigmund
Freud na América, Philip Rieff, em sua auto-biografia My Life Among the Deathworks,
definiu como “ordem sacra” o conjunto de símbolos e palavras de uma sociedade
que são de autoridade pública imediata. São obedecidos sem reflexão, bem antes
de se chegar ao nível de premissas. Você não “argumenta” sobre o sinal vermelho
significar “pare” e nem gasta seus neurônios pensando por que a letra A tem
este formato.
Na sociedade ocidental, que a
freudiana Regina Navarro Lins quer tanto criticar, o cavalheirismo é um código
de conduta masculino que entope os homens de restrições de
comportamento, além de obrigações para com as mulheres.
O Leitmotiv do cavalheirismo é a noção de que os homens, na
média, possuem mais força física do que as mulheres, mas devem servir às
mulheres com sua força.
Assim, enquanto nossa
psicanalista de UOL e Amor & Sexo acredita que o cavalheirismo traz imbuída
“de forma subliminar, a ideia de que a mulher é frágil e necessita do homem
para protegê-la, até nas coisas mais simples como abrir uma porta ou puxar uma
cadeira”, o cavalheirismo não se calca na mesquinha noção de necessidade e
economia de subsistência do feminismo, e sim em apenas obrigar o homem, e não a
mulher, a gestos que indiquem sua subserviência.
Qualquer cavalheiro sabe que
uma mulher tem a perícia necessária para abrir a porta do carro operando a sua
maçaneta: mas o gesto de abrir a porta para uma mulher indica não a abertura,
mas que o homem, além de abrir a porta, está disposto e possui a tendência de
comportamento a servi-la e tratá-la respeitosamente.
É curioso notar que a cura
para todas as feministas seriam algumas doses de cavalheirismo: homens que, ao
invés de se hipersexualizarem (como querem os psicanalistas) e viverem em
disputa (como querem os marxistas) de ordem sexual (como querem os
foucaultianos), tratassem mulheres como seres completos que também precisam ser
servidas.
Perguntar: “Tem algo que eu
possa fazer por você?”, talvez seguido de “meu amor”, é um gesto de
cavalheirismo. Não chamar a namorada de “linda”, por não querer seguir os padrões de beleza da sociedade patriarcal, é um gesto de feminismo.
Voltássemos às virtudes
cavalheirescas e aristocráticas, o feminismo ainda seria uma ideologia
ridicularizada pelas mulheres. Mas é este o foco do feminismo: o cavalheirismo
que resolve os problemas do mundo sozinho, sem esperar eleger alguém do PSOL
para mudar a sociedade.
Curioso notar como uma
psicanalista como Regina Navarro Lins, que tanto “reflete”, ao contrário
de nós, ignorantes, não refletiu em nada sobre o cavalheirismo além de se
deixar tomar pelo seu próprio recalque. Freud explica.
Pela trilionésima vez, vemos
que feminismo nada tem a ver com mulheres: tem a ver com política. Amor &
Sexo, foucaultianamente, é um programa sobre poder. Tem mais a ver com “Fora
Temer!”, eternamente sem vírgula, e “patriarcado”, do que com uma vida sexual
saudável.
O que salvaria qualquer
feminista de sofrer de feminismo agudo.
* Poucos gestos
são um exemplo maior da má-compreensão simbólica de progressistas do que o
homem andar pelo lado de fora da calçada. Progressistas e sua economia de
subsistência, acreditando que o mundo surgiu por auto-criação anteontem, creem
que é por que o homem não estaria “vendendo” a mulher para passantes. Na
verdade, calçadas são bem anteriores aos carros: surgiram para
as carruagens e charretes passarem. Como os chicotes costumavam estalar também
nas pessoas na calçada, era um ato de gentileza que mulheres, crianças e mais
velhos fossem convidados a caminhar “do lado de dentro”, perto ao muro. É o que
Gregório, criado dos Capuleto, grita na primeira cena de Romeu e Julieta: “The
weakest goes to the wall!”, fazendo com que muitos acreditassem que foi
Shakespeare quem “inventou” a idéia. Na verdade, como mostra Michael Macrone, a frase já
datava de cerca de 1550 e o conceito, de 1500.
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