Helena Matos
Isto começa a ser ridículo. A cada eleição
num país europeu é isto: vai ou não subir a extrema-direita? Em seguida dá-se
como adquirido que subiu. Por fim culpa-se a demagogia.
Pronto, lá veio o resultado
que confirma a subida da extrema-direita na Alemanha. A cada eleição num país
europeu é isto: vai ou não subir a extrema-direita? Em seguida dá-se como
adquirido que a extrema-direita pode subir. E por fim que subiu. Naturalmente
por causa das questões da imigração e dos refugiados que a dita extrema-direita
(é unânime) trata com demagogia. Vão desculpar, mas isto começa a ser ridículo.
Subestimar a realidade nunca
deu bom resultado. Por exemplo, quantas vezes terão lido os eleitores alemães
notícias semelhantes a estas: Por que fogem os refugiados de Portugal? Cerca de 20% dos refugiados acolhidos acabaram por sair, a maioria para a Alemanha. Estava-se em 2016. A 11 de fevereiro de 2017
sabia-se que tinham desaparecido mais de 200 dos refugiados que Portugal
acolhera ao abrigo do acordo da União Europeia. Em abril este número passou
para 400…
Contas feitas, 40 % dos
refugiados que tinham vindo para Portugal optara por deixar o nosso país.
Muitos terão pago a traficantes para os levarem para outros países. A maior
parte daqueles que tomam esta opção são homens sós mas já desapareceram
famílias inteiras: “Portugal é uma ponte para a Europa que eles querem”
declarava ao Expresso o responsável de uma associação que se
ocupa da integração dos refugiados ao abrigo do Plano Municipal de Acolhimento
da Câmara de Lisboa, cidade que se encheu de cartazes a acolher refugiados mas donde pelo menos metade dos ditos refugiados partiram, sem grande demora.
E que Europa querem esses
refugiados/migrantes? A Europa chamada Alemanha, aquela Alemanha que agora foi
a votos e lê notícias como estas. Mas querem-no pelo maravilhoso clima daquele
país? Estupenda gastronomia?… Ou mais prosaicamente porque têm família
instalada nesse país, porque dispõem aí do apoio das suas comunidades e porque
podem também contar com os apoios de um estado social que consideram mais
generoso e rápido do que, por exemplo, o português.
Goste-se ou não (e nestes
assuntos o que conta é a realidade e nunca aquilo de que cada um de nós gosta)
a possibilidade de usufruir dos direitos do estado social na Europa tornou-se
para muitos dos naturais de África e do Médio Oriente uma utopia bem mais realizável
que a de conseguir uma vida digna nos seus países de origem: os seus
governantes e oligarcas vêm às compras e ao médico a Lisboa, Londres, Berlim,
Paris, Milão e Barcelona. Eles porque são pobres procuram trabalho e os
serviços públicos que não têm.
E assim chegámos a esta ironia
da História: a extrema-direita que levou boa parte do século XX a tomar posição
contra as independências das nações de que agora provêm muitos daqueles a que
chamamos refugiados e migrantes centra o seu discurso nas consequências
negativas desse afluxo de gente. A esquerda e a extrema-esquerda que tanto
defenderam essas independências manifestam agora um desinteresse quase total
por esses países e gentes e centram toda a sua atenção no acolhimento que os
outrora descolonizados têm ou deverão ter no mesmíssimo continente de que eles
os quiseram libertar.
O que na Europa estamos a
viver em matéria de imigração é em certo sentido a continuação das páginas
douradas que dedicámos às libertações dos anos 60 e 70. Diziam os slogans das
canções ditas revolucionárias “África é para os africanos” e consequentemente
em Portugal os revolucionários fretavam aviões para devolver os cabo-verdianos
ao seu território africano. Na prática, as descolonizações e as independências
produziram novos países e o enriquecimento das respectivas oligarquias. Mas a
democracia e o bom governo continuaram adiados. A escassa proteção social e
sanitária que existia antes das independências em alguns casos piorou
drasticamente. Por tudo isso muitos partem. Quem não partiria caso estivesse no
seu lugar?
Outra coisa bem diversa dessa
aspiração a uma vida melhor é a transfiguração das utopias das libertações e
das descolonizações no dogma que é possível e obrigatório entregar uma vida
chave na mão a todos aqueles que demandam a Europa. Com o socialismo a ser
trocado pelo estatismo, os migrantes/refugiados substituíram os operários como
motor da mudança: não se espera deles que façam a revolução, mas sim que façam
crescer o aparelho de Estado através da pressão que colocam nos programas de
apoios, na mediação cultural, na habitação social, nas ONG’s…
Não perceber que os povos
europeus, e dentro destes os sectores mais vulneráveis, veem tudo isto como um fator
de insegurança é um erro que vários políticos têm pago caro. Agora foi a vez de
Angela Merkel. A chanceler merecia um melhor resultado. Estou convicta que o
teria conseguido, quiçá obteria até a maioria absoluta, caso tivesse tratado o
dossier dos refugiados/migrantes com o bom senso e a prudência que não só a caracterizaram
noutros assuntos como caracterizam também a sua família política. Seria simples
se o mundo se dividisse como a dado momento Angela Merkel parece ter acreditado
entre acolhedores solidários e egoístas medrosos. (Tal como teria sido
maravilhoso que no passado tudo tivesse resumido a uma oposição entre
colonização má e descolonização boa).
Mas a vida é bem mais
complexa. E convém que os líderes nunca esqueçam que na vida do povo o que se
decide para seu bem não raras vezes acaba em tragédia. Ou num beco com poucas
saídas. Como agora aconteceu na Alemanha.
P.S.: Em
Espanha, é possível a Catalunha ser independente e o Barça continuar a jogar na
Liga espanhola? E o que ganha a Liga espanhola em excluir o Barcelona?… O
futebol ilustra na perfeição as contradições do processo independentista da
Catalunha e da reação de Madrid.
Para Portugal o
desmembramento da Espanha não é uma boa notícia: não só será difícil evitar
sermos arrastados para o torvelinho de tensões que sacode e sacudirá o estado
espanhol e os estados em que ele se pode desmembrar como deixaremos de ser um
dos dois únicos estados da Península Ibérica.
Ou seja, perderemos
importância e ganhamos problemas. Como é óbvio não sendo do nosso interesse a
secessão da Espanha (e pessoalmente eu ter a convicção que para Lisboa, Madrid
é um interlocutor mais fiável que Barcelona), cabe-nos respeitar as decisões
que forem livremente tomadas pelos diferentes povos daquele país, coisa que por
agora está adiada.
Note-se que não acredito
que o governo da Catalunha tenha pretendido realizar já um referendo
definitivo. Pretendeu sim mostrar que em Espanha não é possível realizar esse
referendo – e esse objetivo foi conseguido – e desse modo pressionar e
condicionar Madrid numa futura negociação que terá inevitavelmente de
acontecer.
Portugal não é parte no que
está em discussão em Espanha, mas é e será sempre afetado por aquilo que ali
acontecer. Convém não nos esquecermos disso.
Título e Texto: Helena Matos,
Observador, 24-9-2017
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