quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Que o Islão assuma responsabilidades

Nuno Rogeiro

Há um continuado equívoco, ambiguidade e mal-estar na relação entre Ocidente e Islão, no que toca o combate ao terrorismo. As raízes do problema precisam de ser conhecidas, sem medo nem preconceito. Ou será demasiado tarde, e o apocalipse baterá à porta


Se uma onda mundial de crimes graves, especialmente cruéis, planeados e organizados, vitimando sobretudo civis, e em especial mulheres e crianças, fosse praticada em nome do cristianismo, não deveriam a Santa Sé, as autoridades ortodoxas e as igrejas protestantes liderar a resistência, o combate e a denúncia?

Se a mesma vaga de morticínio fosse aconselhada, doutrinada e patrocinada por sacerdotes católicos, padres ortodoxos e pastores reformados, não seria obrigação dos cristãos de todo o mundo pedir desculpa, fazer penitência e incitar as comunidades crentes a denunciar as suas ovelhas negras?

Se esse terror desabasse em nome de Cristo, não teria de se formar, imediatamente, uma aliança teológica que desmontasse os pressupostos justificativos do crime, e, todos os dias e todas as horas, lembrasse o enorme estado de queda, perversão e danação dos torcionários?

Se o banho de sangue invocasse a justiça dos Evangelhos, o exemplo da Bíblia ou os Atos dos Apóstolos, que cristão dormiria sossegado?

Se o terrorismo “cristão” tivesse planos para dominar o mundo, vergar as mentes, humilhar as mulheres, forçar à conversão, poderiam os cristãos achar que não era nada com eles?

Sei que o reitor da mesquita de Lyon pediu aos muçulmanos um autoexame e uma reforma de mentalidades, a seguir ao assassínio de um humilde cura de província, em França. Sei que o meu amigo xeque Munir integrou a marcha contra o terrorismo, que tentou iluminar os islâmicos europeus.

Sei dos países árabes que se solidarizam com as perdas do Ocidente, e que integraram militarmente as campanhas contra o Daesch e Al-Qaeda. Sei dos estados islâmicos que disciplinaram, vigiaram e puniram os seus pregadores terroristas, e que pagaram, com a morte dos seus soldados e policiais, o desmantelamento da “pequena Jihad”.

Sei de várias Fatwa, ou documentos de doutrina, emanados contra terroristas por autoridades reconhecidas no Islão, sem que a condenação fosse manchada por “se”, “mas” ou “contudo”.

Sei dos esforços desesperados de países com a Jordânia ou Marrocos, na transmissão de informações sensíveis, nem sempre levadas a sério, ou até ao fim.

sei que, no seu íntimo, ou em público, a esmagadora maioria dos muçulmanos condena o terror. Sei que na sua esmagadora maioria, o terrorismo dito “islamita” vitima muçulmanos. Sei que muitos dos “pequenos jihadistas” não são ou não foram crentes, usando a fé apenas como justificação dos seus desvios. 

Sei tudo isso.

Mas também sei que o Islão, do seguidor mais humilde ao doutrinador mais ilustre, necessita de tomar a luta antiterrorista como sua. E de fazer mais, muito mais, e melhor, muito melhor, na prevenção, dissuasão e repressão destes atos, e na condenação absoluta e incondicional dos mesmos.

E sei, sobretudo, que o Islão tem de considerar o problema como seu, como um pecado íntimo, e de executar imediatamente o exame de consciência, para perceber porque é que se pode atrair séquito ao sangue, com a invocação dos seus princípios.

E sei que as comunidades muçulmanas precisam de se convencer de que a denúncia dos terroristas no seu seio não é vergonhosa, mas virtuosa, devendo ser elogiada e acarinhada. Cada denunciante é um herói, a celebrar como tal.

E sei que, apesar de a palavra “jihad”, no seu sentido “grande”, denominar a aventura do aperfeiçoamento pessoal, é a mesma usada pelos terroristas na acepção “pequena”, militarizada. As comunidades islâmicas precisam de perceber porque é que a palavra “jihadismo” passou a insulto: são os grupos como Daesh e Al-Qaeda que a utilizam como sua. Cabe assim ao Islão desmantelar esse uso, e os usuários.

Sei, por fim, que se tudo isso não for feito no seio do mundo muçulmano, crescerão no Ocidente os grupos que consideram o Islão não um irmão, um amigo e um aliado, mas um adversário mortal, infiltrado na normalidade a exterminar antes que seja tarde.
Título e Texto: Nuno Rogeiro, SÁBADO, nº 697, de 7 a 14 de setembro de 2018
Digitação: JP

3 comentários:

  1. Divido o artigo em duas partes. Na segunda, maior do que a primeira, o autor pede desculpa ao Islão de ter escrito a primeira parte.

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  2. A proposito do artigo , me manifesto sempre em defesa da religião (qualquer uma!) e contra radicalismo e fanatismo.
    Há que separar o joio do trigo. (Mateus 13:24-30)
    Há que se separar uma coisa da outra , mesmo quando parece que se confundem.
    paizote

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