Acabo de descobrir pela
imprensa que sou ultraconservadora. Extrema-direita conservadora
fundamentalista com visões radicais contra minorias e direitos conquistados com
muita luta contra o patriarcado. Meu crime: questionar a exibição de imagens
pornográficas para crianças. Minha culpa, minha máxima culpa.
Quem é você, sua jogadora de
vôlei, para dar palpite sobre arte? Bola fora! Gente ultraconservadora como
você deve ser apedrejada na rua em nome da tolerância! Ultraconservador nem
gente é. Um outro mundo, sem esse pessoal preconceituoso, é possível. Depois do
apedrejamento, é só abraçar uma árvore e seguir espalhando o amor.
Entendo os companheiros
engajados e lacradores da imprensa e do ativismo bem patrocinado, especialmente
quando o assunto envolve bancos tão generosos ao investir em, digamos, arte. Sim,
já entendi que arte é o que disserem que é arte, mesmo que, aos meus olhos
ultraconservadores, reacionários e caretas, pareça apenas pornografia barata.
Li por aí que há gays
indignados com a associação tácita feita pelos defensores do banco, remunerados
ou não, entre homossexualismo e a polêmica sobre as imagens explícitas
mostradas numa exposição direcionada para crianças. Seriam homossexuais
ultraconservadores e homofóbicos? Gay que não pensa como autorizado pela
cartilha progressista é muita autonomia e liberdade, onde vamos parar?
Os especialistas consultados
nas reportagens dizem que liberal é aquele que libera geral e pronto. É
proibido proibir e infância é uma mera construção social, é você quem decide
qual é a sua idade. A ideologia de data de nascimento chegou para ficar e
precisamos lutar contra o preconceito. Se uma criança de quatro anos se
identifica como um adulto de trinta e quiser ver pornografia, quem é você, seu
ultraconservador, para se meter?
Em tempos de pós-verdade, os
torquemadas das redações julgaram, num rito sumário e sem direito de defesa,
que retrógrados medievais como eu não precisam ter liberdade de expressão e nem
podem participar do debate público. A mesma liberdade que defendem para a
exposição negam a mim, mas quem disse que direitos iguais incluem
ultraconservadores?
Fomos chamados de censores
quando apoiamos um boicote. Fomos criticados por sermos contra nudez nas artes
quando combatíamos a exibição de conteúdo impróprio sem classificação
indicativa. Vale tudo pelo lacre e os fatos não podem atrapalhar a narrativa.
Como sou um caso perdido,
talvez minha saída seja fundar um movimento ultraconservador e assumir meu lado
de defensora das trevas de vez. Meu radicalismo de direita deve ser influência
da Califórnia, onde moro há alguns anos, um enclave de fundamentalistas
religiosos que queimam hereges nas ruas. Neste domingo, quando os californianos
ultraconservadores do Red Hot Chili Peppers tocarem no Rock in Rio, lembrem de
mim e rezem pela minha alma.
Jacobinos, pioneiros na defesa
da tolerância, diziam que o homem só seria livre quando o último rei fosse
enforcado com as tripas do último padre. Cabeças rolaram, outros jacobinos
vieram, mas os ultraconservadores extremistas e radicais continuam por aí
dizendo que crianças não devem, sob qualquer pretexto, serem expostas a imagens
de sexo explícito. Novas guilhotinas já foram encomendadas.
O assassinato de reputações
continua, assim como a motivação dos ultraconservadores de impedir o futuro
progressista em que as crianças saiam das garras dos pais e possam ser educadas
pelo Estado sem interferência da família. O socialismo agora começa com a
socialização dos nossos filhos.
O pacote progressista inclui a
renúncia fiscal para que curadores, sem trocadilhos por favor, decidam a idade
com que seus filhos devam ser iniciados nestas, digamos, artes. E se você
reclamar, já sabe: ultraconservador!
Título e Texto: Ana Paula Henke, Estado de S. Paulo, 18-9-2017
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