Luciano Trigo
Dona Regina,
Não sei como chegou até a
senhora a notícia da performance no Museu de Arte de Moderna de São Paulo, na
qual uma menina de 5 anos foi estimulada pela mãe a interagir fisicamente com
um homem adulto nu – para deleite de uma plateia de adultos vestidos. Também
não faço ideia de como a senhora foi parar na plateia de um programa televisivo
cuja intenção não parecia ser expor diferentes pontos de vista sobre o
episódio, mas sim reforçar um pensamento único e um julgamento sumário – o de
desqualificar qualquer crítica à performance como “censura”.
O que eu sei é que a senhora
entendeu algo que passou despercebido ao discurso hegemônico dos intelectuais e
artistas que se manifestaram sobre o caso: o problema da performance não estava
na nudez; o problema da performance não estava nas fronteiras da definição do
que é arte; o problema da performance não estava no uso de recursos públicos.
Com uma só palavra a senhora desmontou a fala daqueles que, de maneira sincera
ou falsa, insistiam nesses pontos: a palavra foi “criança”.
Talvez a senhora não se dê
conta da importância da sua manifestação. Com seu jeito simples, o que a
senhora fez foi revelar o abismo crescente que se cava entre os brasileiros
comuns e a classe que pretende falar em seu nome. Esses brasileiros não se
chocam com a nudez nem estão interessados na arte das elites pensantes e
falantes, até porque têm mais o que fazer. Mas, para esses brasileiros, a
infância é uma fronteira que não pode ser ultrapassada. O que a senhora fez foi
vocalizar o desconforto do Brasil real diante desse limite que foi
desrespeitado.
A reação dos apresentadores
foi reveladora desse abismo. Diante de uma idosa que poderia ser a mãe ou avó
querida de qualquer espectador, as expressões e olhares foram de: perplexidade,
ódio, desprezo, deboche. E a senhora respondeu com um olhar de bondade, sereno
e doce. Ao “Não vou nem comentar” emitido com ar de desdém e superioridade
moral, a senhora respondeu com a paciência de quem não se incomoda em explicar
o óbvio: o choque não vinha da nudez do adulto, vinha da exposição da criança.
E o fato de a menina estar acompanhada da mãe não era um atenuante da situação:
era um agravante.
Diferentemente dos
intelectuais do Facebook, a senhora sabe que o que aconteceu no MAM não tem
nada a ver com o Davi de Michelangelo; que o que aconteceu no MAM não tem nada
a ver com o que acontece em praias de nudismo, onde aliás as regras são
bastante rígidas; que o que aconteceu no MAM não tem nada a ver com os hábitos
e costumes da Dinamarca; que o que aconteceu no MAM não tem nada a ver com uma
criança tomar banho nua com os pais – adultos cujo vínculo afetivo e
convivência cotidiana fazem do contato físico e da intimidade uma experiência
positiva e saudável para o seu desenvolvimento emocional e psicológico – como
aliás afirma uma nota na Associação Médica Brasileira que critica duramente a
performance, por suas “repercussões imprevisíveis” diante da vulnerabilidade
emocional da criança.
Não se se esses intelectuais
das redes sociais não entendem ou se fingem que não entendem nada disso. O mais
irônico, Dona Regina, é que eles parecem não se dar conta da campanha
involuntária que estão fazendo, ao jogarem no colo da direita a bandeira da
defesa da infância – como já jogaram, aliás, a bandeira do combate à corrupção.
Com progressistas agindo dessa maneira, os conservadores agradecem.
Parabéns, Dona Regina. Para
quem assistiu foi muito legal.
Título e Texto: Luciano Trigo, G1,
8-10-2017
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Minha resposta ao El País Brasil - que assim como a BBC Brasil, a AFP - é especializado em ribombar essas "vitais questões da humanidade":
ResponderExcluir"Artistas milionários, esquerdistas e jornalistas a serviço fingindo-se de vítimas! O POVO já se manifestou! Longa vida à Dona Regina!"
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Obrigado!