José Manuel
Adoro a Kombi. Para mim é um carro perfeito, nem direção
hidráulica precisa, se prestando a tudo o que se puder imaginar, e troco
qualquer um veículo novo por ela. A primeira que tive, por volta de 1985, foi
uma 1972 americana que havia sido da embaixada e pertencia ao saudoso
comandante Marcelo Branco. Linda por fora e por dentro, já na época tinha a
porta de correr, quando aqui nem se sonhava com isso, ar-condicionado central, com
controle acima da cabeça do motorista, motor 1700 Porsche, e hoje estou
arrependido por ter me desfeito dela.
Em 1997 chegaram ao Brasil as primeiras e ainda mexicanas
chamadas de Carat, por serem extremamente luxuosas, todas de veludo por dentro,
e introduziram aqui nessa época a famosa porta de correr. Logo corri ao
revendedor e comprei uma, que logo batizamos de macakombi, e que está conosco até hoje. Agora ando atrás de uma
"corujinha" como eram chamadas as antigas, como a da Varig
por exemplo, por terem o vidro frontal bipartido.
Estão sendo exportadas para a Europa, EUA e Austrália e por
isso estão custando um absurdo chegando a 180.000 uma em bom estado e dos anos
70. Ainda não desisti, e se a encontrar vou reproduzir a da Varig.
Escrevi este pequeno relato para que entendam o que a Kombi
está fazendo aqui neste texto. Acompanho, por isso, no YouTube os mecânicos
"Mustie" de New Hampshire, EUA, que trabalham em Kombis, e o
brasileiro "Tonella" de São Paulo, especialista em fuscas e Kombis.
Certa vez, ao entrar no YouTube, me deparei com várias
pessoas que estão viajando o Brasil em Kombis motorhome, em especial um casal
de Santa Catarina, o Otaviano e a Vanessa, muito alegres e simpáticos, que já
percorreram o país pela costa e neste momento pensam em voltar de Manaus, pela
Transamazônica. Vale a pena conhecê-los e para vê-los é só acessar YouTube
Vivendo Mundo Afora. É gostoso e divertido acompanhá-los em suas
aventuras, porque isso sempre me fascinou muito. Já tive Trailer, rebocado por
um Jipe Toyota, fiz o Sul até à fronteira com o Uruguai e também morei nele com
a minha esposa por um ano e dois meses entre 84 e 86, em um Camping no Rio. Foi
uma excelente experiência. Mas, de certo modo, fiz algo parecido com o que
estão fazendo, e conheci todo o Brasil também, mas por cima, voando nas asas da
Varig.
Nos primeiros anos da década de sessenta, pegava o bonde nº
57 (Leme), em Copacabana para ir ao colégio no Largo do Machado, estudar e me
encontrar com o meu amigo Jonathas Filho, que virou tripulante como eu e agora
é um excelente escritor.
Quando atravessávamos o túnel novo saindo de Copacabana, um
amiguinho sempre dizia a mesma coisa. "Saímos do Brasil". Achava
imensa graça e nunca mais esqueci o que ele dizia.
Quando numa madrugada de dezembro de 1970 decolamos rumo a
São Luiz, não tinha a menor ideia de que aquela frase iria se materializar
pelos quatro anos em que voei pelo Brasil. Doze escalas, pistas de terra,
animais na pista, voos rasantes para afugentar o gado, índios vendendo todos os
tipos de animais silvestres, gente muito pobre que só se alimentava quando nós
passávamos, na ida e na volta, e pouso obrigatório antes do pôr do sol. Essa
foi a minha rotina por este país afora durante algum tempo e então compreendi
que o Brasil, onde vivia era uma ilusão. O Brasil real era aquilo.
O casal do YouTube que está fazendo isso de Kombi deve estar
tendo a mesma sensação que eu tive. Não faria isso naquela época no sentido
norte, muito menos hoje. Os mais de quinhentos vídeos que produziram em dois
anos de estrada mostram um belo país com praias paradisíacas, paisagens de
tirar o folego, mas uma pobreza imensa e um subdesenvolvimento ímpar. Pelo que
estou constatando, nada mudou em 47 anos. Não faria isso naquela época, porque não
consigo conviver com pobreza injustificável. Não, não sou rico, mas a pobreza
leva à miséria e a miséria leva ao crime.
Não compactuo com isso, sabendo que o dinheiro que me foi
tirado em impostos, toda uma vida foi parar em paraísos fiscais como Jersey,
Suíça ou Bahamas. Não faria isso hoje, porque o que era simples pobreza virou
criminalidade e é extremamente perigoso.
O que tenho visto nos filmes que produzem, é um país com
bolsões de ilusão como as capitais dos Estados ou algumas ilhas de progresso,
exatamente como era na década de 70. O resto é igual, ou seja, um abandono só,
graças a décadas de corrupção, décadas de enriquecimento ilícito, décadas de
vagabundos com gravatas Hermès e cabelos tingidos. Só isso.
Em 1974, voei mais alto, corri o mundo até 2002 e esqueci do
Brasil, voltando à minha bolha de felicidade.
Agora, quinze anos depois, e sem querer, me deparei
novamente, graças a este casal magnífico, com um Brasil em super 8 e xerox dos
anos 70.
Bom, escrevi sobre a Kombi e sobre o Brasil, mas e a Varig?
Bem, a nossa querida Varig desapareceu,
por obra e graça dos mesmos vagabundos que deixaram o Brasil miserável por mais
de quarenta e sete anos.
Título e Texto: José
Manuel - A macakombi está descansando na garagem. Ainda tenho
planos para ela. 14-11-2017
Colunas anteriores:
A caixa de lanche da Varig era disputada pela gurizada quando o Avro pousava neste interiorzão brasileiro... Um relato gostoso de se ler... Vai tratando bem a tua amante Kombi, traz boas recordações da saudosa Varig...
ResponderExcluirAbraço
Habitz
JM, muito legal ter e curtir um bem que tenha valor sentimental!
ResponderExcluirQuanto ao no Brasil, é assim mesmo como descreves, os longínquos Aeroportos de pequenas Capitais e Cidades, na época, que desbravamos e desenvolvemos, muitas vezes “batendo lata” mas a pedido do Governo a Varig o fazia. Hoje as Aéreas que receberam tudo, feito e refeito, de mão beijada, ainda assim com qualidade discutível!
Vamos em frente!
Abs,
Heitor Volkart