Valdemar Habitzreuter
Se a angústia é nossa
companheira de vida é porque não sabemos no fundo quem somos. E descobri-lo
talvez nos proporcione mais lucidez para nossa existência, mais alegria, mais
temperança nas nossas ações, mais compreensão da vida.
Não é tarefa fácil. Colocar-se
a questão: quem sou eu? implica uma investigação profunda que usualmente não
estamos inclinados a fazer. Mas seria propício fazê-lo e verificaríamos, então,
que viver é muito mais do que apenas deixar o tempo se encarregar a que
tenhamos uma mera passagem pela existência. Seria a questão, portanto, de dar
sentido à vida que levamos.
Tornamo-nos naquilo que
queremos ser. Os pensamentos são nossos orientadores, nossos estratagemas de
como vivenciar a vida e qual meta atingir como seres humanos. O ser se diz de
múltiplas maneiras, como já dizia Aristóteles. De algo diz-se ser pequeno ou
grande, ser isso e não aquilo...
Nossa natureza é constituída
de um eu que, por assim dizer, se desdobra em dois: em pequeno e grande. Nosso
eu pequeno se diz ser um eu superficial (ego) que tem a ver com a inteligência.
É o nosso eu desperto e esperto para se virar no mundo. É ele que nos capacita
a fabricar os artefatos e utensílios que nos proporcionam facilidades no viver
quotidiano para suprir nossas necessidades: garantir o alimento para o sustento
do corpo, abrigos contra as intempéries, toda espécie de artifícios de proteção
e assim prolongar a vida.
A inteligência é a arma mais
preciosa que um ser vivo em evolução pôde conquistar. Este ser atual é o ser
homo sapiens ou intelligens. É possuidor de um arsenal de poder incalculável.
Esse poder tanto pode ser canalizado para construir como para destruir.
Presenciamos isso ao longo da História da humanidade: construção e destruição.
Na era pós-moderna, que,
supostamente, estamos presenciando, o homem já não se contenta tão somente com
sua inteligência/mente, que julga vagarosa e limitada em armazenar os múltiplos
e complexos dados de suas experiências e invenções, e se dedica, agora, ao
fabrico da inteligência artificial como extensão de sua mente. Fabrica
artefatos que recebem todos os dados e processos calculistas que acontecem no
cérebro humano. Por ora, os sentimentos humanos não são transferíveis –
máquinas ainda não têm sentimentos.
Esses artefatos robotizados
tornam-se mais ágeis e eficientes do que a própria inteligência humana pelo
fato de reunir tudo que o homem pensa e já pensou e poder num piscar de tempo
torna-lo presente a serviço de seu criador: o homem. A tecnologia robótica está
aí a comprovar isso. Somos regidos por ela no dia a dia e já se faz
imprescindível.
Portanto, viva a inteligência!
Mas ela continua sendo nosso pequeno eu, superficial. Não é nossa faculdade
mais nobre. Porque ela não compreende ou apreende a vida em seu interior. Ela
se ocupa das coisas da vida e não propriamente da vida em si. Ela fica de fora.
Observa a vida à distância. No máximo que ela faz é rodeá-la e observá-la de
vários ângulos. Temos, assim, as ciências naturais que tratam dos vários
aspectos da realidade da vida: a física, a química, a biologia, a psicologia, a
cosmologia... Úteis, é claro, para o
progresso e bem-estar material do ser humano.
Mas, a nobreza e realeza
pertence mesmo ao eu profundo, o grande Eu... Que status tem ele? É aí que está
o busílis da questão. Dificilmente ele se manifesta. Só se manifesta quando a
inteligência o procura. Mas esta tem receio de procurá-lo por medo de ser
admoestada de sua tendência superficial de encarar a vida.
Mal sabemos o quanto perdemos
por deixar-nos dominar exclusivamente pela inteligência e deixar dormitar no
fundo de nosso ser o eu da vida, o eu que é a própria vida. Todas as nossas
mazelas existenciais poderiam ser minimizadas se o eu superficial – a
inteligência – cedesse algum espaço ao eu profundo que poderia muito bem dar
sua contribuição para passarmos pela existência com dignidade e fazer jus a
nossa condição humana. Teríamos assim um eu verdadeiro - a conjugação do eu
superficial e profundo – a nos guiar e perfazer uma existência feliz, porque
com sentido.
Despertar o eu profundo, eis a
questão! Bem difícil esta tarefa! Embora esse eu necessite da inteligência,
apresenta-se diferentemente dela: apreende a vida de uma forma intuitiva e não
calculadora, ou mensuradora, da qual a inteligência se serve no trato com a
vida. Sim, a inteligência tudo calcula para tirar vantagens em suas empreitadas
e não apreende a vida em si, ocupada que está em relacionar-se com o mundo
físico.
A intuição do eu profundo,
embora não despreze as pesquisas científicas da inteligência, quer algo mais:
ir além das pretensões tecnológicas da inteligência e estabelecer-se na alegria
de viver, que só poderá efetuar-se tendo uma visão interior da vida, intuí-la,
isto é, penetrá-la com o espírito, e do seu interior auscultar o que nos tem a
dizer e, assim, deixar emergir nosso eu profundo a nos dar o equilíbrio na lide
com o mundo da inteligência.
Enquanto pela inteligência
temos o conhecimento científico com suas consequências tecnológicas a nos
proporcionar o status materialista do bem-estar, a apreensão intuitiva é um
conhecimento que nos mergulha por inteiro na vida para experimentá-la em todo
seu esplendor - na dimensão do ser absoluto.
A inteligência tecnicista, em
sua ânsia de usufruir a vida, pula de galho em galho atrás de desejos pela
conquista de prazeres, mas vive em eterna angústia por não encontrar neles uma
saciedade duradoura, pois desaparecem em seguida e, novamente, sente-se jogada
no vazio deprimente.
A intuição do eu profundo,
pelo contrário, não se deixa enganar pela atração do mundo. Os prazeres
passageiros pouco lhe interessam, ela se atém à vida onde a alegria de existir
é a tônica, intuindo o que convém à paz da alma. Compreende que as sensações
prazerosas às quais a inteligência sofregamente se entrega, não levam à
verdadeira alegria, à vida plena.
Alegria e prazer são conceitos
diferentes. A alegria se constrói ao apreender a vida em sua essência,
vivenciando-a em espírito, e é duradoura. O prazer é uma sensação passageira
que o mundo oferece à inteligência, mas que a toda hora tem de ser reinventado
de outras formas, porque não a locupleta.
Daí a importância de saber por
onde procurar a alegria da vida, isto é, deixar aflorar nosso eu profundo...
Como fazê-lo? Que tal deixar-se tocar por uma boa leitura que nos toque
profundamente e nos deixe uma alegria duradoura? Que tal assistir a um filme
que nos banhe de lágrimas espirituais? Que tal uma música divina? Que tal
iniciar-se em estudos filosóficos que despertem questionamentos pelo sentido da
vida? Que tal dedicar-se ao estudo das ciências do espírito? Que tal obter a
resposta da pergunta: QUEM SOU EU?
Título e Texto: Valdemar Habitzreuter, 5-12-2017
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Este texto nos remete à um pensamento de Freud que diz: "A ciência não é uma ilusão. Mas seria uma ilusão acreditar que poderemos encontrar noutro lugar o que ela não nos pode dar. e ainda: A nossa civilização é em grande parte responsável pelas nossas desgraças. Seríamos muito mais felizes se a abandonássemos e retornássemos às condições primitivas.
ResponderExcluirMINHA RESPOSTA É EPICURISTA, quase sempre.
ResponderExcluir- EU SOU o resto não importa.
fui...