Valdemar Habitzreuter
Estar vivo significa
participar da aventura da vida; vida esta que é um constante devir, um
constante fluxo de acontecimentos, um élan criador do novo em que nada se
repete. Cavalgamos no lombo da vida e não sabemos com que paisagens ela vai nos
surpreender durante nossa existência. É bom estarmos seguros na sela e apreciar
tudo o que se nos descortina. Bons e maus bocados, certamente, nos aguardam.
Mas, sendo uma aventura, temos que superar os maus bocados com maestria para
que a aventura prossiga. Desistir de enfrentar os obstáculos significa
entregar-se, negar a vida, soçobrar...
Essa aventura não tem
propriamente um destino, um ponto de chegada predeterminado em que possamos nos
perguntar: para onde vamos? Não se realça o ‘para onde’, mas sim, o ‘vamos’. O
que é relevante é o cavalgar em si, o caminho que se percorre, prestar atenção
no passamento do tempo e as novidades que surgem ao sabor do élan da vida com
as quais temos de lidar.
A melhor estratégia para
participar dessa aventura é equipar-nos da boa vontade e sentir a liberdade no
rosto, livres de amarras culturais, sociais, religiosas que, muitas vezes, nos
impedem do desfrute da vida em si, se não forem bem avaliados. Devemos adotar a
estratégia do easy rider, isto é, sentir-nos leves que nos faculta levitar
sobre os buracos negros que querem nos engolir e nos privar da preciosidade da
vida.
A vida em si não planeja nada.
Ela anima, dá alma às plantas e animais, mas sem um propósito determinado para
eles. Se as plantas dão frutos e os animais procriam é tão somente para que
haja a continuação da vida e ponto. A vida se manifesta através dos seres
vivos. Sem eles não haveria vida. E o mais curioso é que dentre os seres vivos
da espécie animal, há um que a vida colocou em destaque: o ser humano com sua
inteligência.
Só o homem tem consciência da
vida porque foi aquinhoado, no transcurso evolutivo, com a inteligência. É
nesse patamar da consciência que o homem verifica que é perpassado por um élan
vital assim como todos os seres vivos. É a grande aventura da vida criadora da
qual o homem é um produto e participa conscientemente.
Mas, o problema que o homem
levanta nesta aventura da vida é que quer direcioná-la a que satisfaça seus
interesses. Sua inteligência adquirida, ou melhor dizendo, dada a ele como dom
da vida, questiona a indeterminação dos propósitos da vida e julga-se capaz de
determinar um destino seguro para ele. Isto é, a vida tem de lhe reservar um
porto seguro.
Assim temos que o homem, ao
invés de entregar-se alegremente à aventura da vida – viver e deixar rolar –, sente-se
inseguro e preocupado com o que lhe pode acontecer. Sabe que a vida lhe reserva
um fim – a morte – e isso o angustia e não o quer admitir, quer uma vida
eterna. Aventurar-se por aventurar-se com a vida não lhe satisfaz. Ele, como
ser inteligente, acha que merece mais do que uma simples aventura: quer a
imortalidade, uma sobrevida e um descanso, ou aposentadoria feliz após a morte.
Com a inteligência, pois,
nascem a angústia e o medo dos perigos da aventura da vida e é preciso inventar
alguma coisa para se safar deles, face à impotência e fragilidade que cercam o
homem, como ser vivo, com as doenças, dores e morte que pairam sobre ele. Neste
estado de angústia procura, pois, por socorro.
É então que imagina que possa
haver um Ser, ou Ente Todo Poderoso, que o proteja e lhe dê forças para superar
as mazelas da vida, e que o viver não seja apenas uma aventura, mas, junto com
ela, haja um Protetor Todo Poderoso em quem se apoiar e confiar nas súplicas
por socorro. E nada melhor, pois, de dedicar-lhe cultos e honrarias para que as
súplicas sejam atendidas.
Nascem, assim, as religiões
onde se cultua um Ser Todo Poderoso que se torna o Diretor da aventura da vida,
ditando prescrições, regulamentos e mandamentos que, doravante, deverão ser
observados para afugentar o medo dos perigos e a angústia da morte.
Desde sempre, a religião é um
fenômeno humano servindo de auxílio a que os tormentos da inteligência sejam
mitigados. As religiões entranharam-se no DNA da humanidade e fazem parte do
seu aculturamento, são verdadeiras muletas de apoio com as quais o ser humano
se sente mais aliviado em seu caminhar na vida.
Assim como a inteligência
inventou mil e um instrumentos para gozar da vida, em nível material, com mais
comodidade, assim também inventou, em nível psíquico, a religião e simulou a
ligação com um Ser abstrato mais forte do que ele e que possa protegê-lo. Sua
imaginação tomou como real essa figura paterna protetora e passou a crer na sua
existência, tornando-se, pois, um crente.
No início, pondera o homem,
perambulava ele como ignorante, abandonado e aflito por não ter imaginado tal
Força Protetora, e assim que a tomou como real estabeleceu uma religação (daí
religião) da qual nunca esteve propriamente separado não fosse sua ignorância.
Assim, acha o homem que a
aventura da vida se torna mais apreciável e segura ao lhe dar um sentido
através da crença num Todo Poderoso que o sustenta e o protege na viagem da
vida e, por fim, garantir ‘un finale felice’ no regaço da eternidade – no reino
do Todo Poderoso.
Pelo sim pelo não, as
religiões estão, grosso modo, mais propícias a fomentar e estabelecer a paz
entre os homens do que o seu contrário. O que acha o caro leitor?
Título e Texto: Valdemar Habitzreuter, 15-12-2017
Colunas anteriores:
Realmente Valdemar, é através da religião que encontramos o consolo para o nosso sofrimento e coragem para enfrentarmos as dificuldades da vida. Infeliz de quem não busca ter fé.
ResponderExcluirReligião não é tudo. Mais a fé sim. E uma leva a outra.
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