Rui Ramos
Numa coisa, o PCP está certo: o PCP ou a
Autoeuropa, um deles tem de morrer. Se o governo também percebe isso, que está
a fazer ao lado dos comunistas?
A Autoeuropa, antes de ser uma
fábrica, é o resto de um sonho. Na segunda metade dos anos 80, depois do
ajustamento de 1983 e da cerimónia de adesão à CEE nos Jerónimos, em 1985,
esperou-se em Portugal retomar a história dos anos 60: a industrialização do
país, por via da deslocalização das indústrias do norte da Europa. Na década de
60, tinham sido os têxteis e o vestuário. Agora, depois da década perdida com a
revolução, seria a indústria automóvel alemã e francesa. Não chegou, porém, a
acontecer. Em 1989, a derrocada das ditaduras comunistas reabriu a Europa
central às empresas alemãs. Nesse ano do “fim da história”, a classe política
em Lisboa, muito à pressa, mas sempre com as hesitações de quem não lia livros
desde 1967, ainda tentou limpar a economia dos revolucionarismos de 1975.
Demasiado tarde. Portugal na CEE não ia ser o país da indústria, mas dos
centros comerciais e das urbanizações financiadas pelo crédito barato da moeda
única. Das esperanças de um momento, restou a fábrica da Volkswagen em Palmela,
a Autoeuropa.
Já nos disseram muitas vezes o
que representa: mais de 3000 portugueses empregados, muitos negócios para
outras empresas, 10% das exportações, um ponto percentual do PIB. Porque é que
então o Partido Comunista decidiu fechá-la? Para começar, porque a Autoeuropa,
resultado da integração europeia, violenta a ideia comunista de autarcia
económica. Depois, porque a Autoeuropa significa “flexibilidade” e “negociação”
nas relações de trabalho, isto é, a negação da intransigência e do confronto em
que acredita o PCP. A Autoeuropa, como notam com manifesto desprazer os comunistas, insiste em que
tem “colaboradores”, em vez de “trabalhadores”. Ora, o “colaborador” apresenta,
para o PCP, este grande defeito: sente, enquanto tal, interesse em fazer
prosperar a empresa, quando, como “trabalhador”, deveria ter como único objetivo
a destruição do “regime capitalista” e a ruína da “sociedade burguesa”.
A história é conhecida. Durante duas décadas, os comunistas
não conseguiram entrar na Autoeuropa, onde os “colaboradores” conseguiram
sempre chegar a acordos como a administração. Infelizmente, como se tem visto,
nada disso dependia de uma “cultura de empresa”, mas apenas do bom senso de um
homem, António Chora, o presidente da Comissão de Trabalhadores, durante algum
tempo deputado do BE. A oportunidade para os comunistas surgiu com a reforma de
Chora e com a necessidade de criar condições para a produção de um novo modelo.
O PCP pôde finalmente sujeitar a Autoeuropa ao conhecido regime da
inflexibilidade e do conflito sem saída, que em 2006 já liquidou a fábrica da Opel na Azambuja, então a segunda maior unidade
de montagem de automóveis do país.
O ministro Vieira da Silva aparece agora muito incomodado: “o
tempo corre contra” o futuro de uma empresa sob “grande pressão externa”. Há
rumores sobre “alternativas“, como no caso da Opel em 2006. Mas os
comunistas não se deixam comover. Arménio Carlos, muito despreocupado, garante: aconteça
o que acontecer, “eles não vão nada embora, vão cá ficar”, como se a Autoeuropa
fosse uma fábrica de tijolo em 1943.
Entre 2012 e 2015, os
sindicatos comunistas perderam 64 mil filiados, mais de 10% do total. Já este ano, o PCP
passou por uma catástrofe municipal, com menos 10 câmaras e a pior votação desde 1976. Mas o
comunismo português acredita que ainda se pode salvar, se conseguir recriar em
Portugal o mundo de 1943. O cálculo é simples: quando mais empobrecido e
ensimesmado, mais o país estará maduro para se render a um qualquer populismo
nacionalista, que o PCP, que pouco aprende com a história, acha que pode ser o
seu. Nisso talvez esteja errado, porque, se o país tiver de chegar a esse
ponto, haverá certamente outras versões mais tentadoras de populismo
nacionalista. Mas numa coisa, porém, o PCP está certo: o PCP ou a Autoeuropa,
um deles tem de morrer. Se o governo também percebe isso, que está a fazer ao
lado dos comunistas?
Título e Texto: Rui Ramos, Observador,
12-12-2017
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