Rodrigo Constantino
O astro da violenta trilogia
Bourne é um pacifista politicamente correto, motivo pelo qual entrou no rol dos
famosos dissecados em meu Esquerda Caviar. Matt Damon [foto] é um ator engajado
em “causas nobres”. Mas para tudo há limite, e ele parece ter encontrado o seu
na histeria feminista que enxerga “abuso sexual” em todo lugar agora.
Talvez seja o fato de ele ser
camarada de predadores de verdade, já que há vários entre os
democratas poderosos, a começar por Bill Clinton e o produtor de Hollywood
Harvey Weinstein. Mas se o que motiva as recentes falas de Damon é a amizade
com quem realmente abusou de mulheres, o que ele disse não é
motivo para tanto alarde. Não obstante, Damon não foi capaz de evitar a fúria
dos “justiceiros sociais”.
A ponto de ter merecido uma
defesa na The Spectator, em artigo publicado por Brandan O’Neill. O autor leu as várias
entrevistas de Damon em que não chega a criticar o movimento #MeToo, mas
simplesmente chamar a atenção para alguns pontos importantes. Entre eles, o
fato de que nem tudo aquilo considerado “avanço sexual” é igualmente ruim (uma
cantada, por exemplo, deveria ser colocada no mesmo saco de um estupro?); e a
lembrança de que nem todos os homens do planeta são bestas terríveis e
incuráveis.
Por dizer o óbvio ululante,
mesmo depois de elogiar o movimento e o fato de que mulheres estão podendo sair
da toca e, “empoderadas”, contar suas histórias, o astro de Hollywood foi
duramente criticado, e uma manchete de jornal ao menos questionou se ele
estaria bem de cabeça. Não dá mais para apontar para o grau de paranoia e
histeria do mundo sem ser imediatamente alvo da paranoia e da histeria desses
“guerreiros da justiça social”.
Num mundo em que tudo virou
“abuso sexual”, desde o assobio na rua até um convite para jantar, não há mais
espaço para o razoável, para frisar que até mesmo um condenável e abjeto
tapinha no bumbum com algum comentário jocoso não deve ser colocado no mesmo
patamar de um estupro a uma criança. E é por conta dessas confusões
conceituais, que usam e abusam das mesmas palavras para definir coisas bem
diferentes, que se diz por aí que uma em cada cinco mulheres já foi “estuprada”
nas universidades. Sério?
Chamar, como fazem
anarcocapitalistas, a Suíça de um modelo de escravidão, pois há estado e qualquer estado
é sinônimo de escravidão (“onde está a minha assinatura?”, perguntaria Spooner
de forma um tanto infantil), é pura insensibilidade para com quem realmente foi
escravo ou ainda é, nos regimes comunistas remanescentes. Se a mesma palavra
serve para definir a vida dos suíços e dos norte-coreanos, então essa palavra
não quer dizer mais nada de relevante!
Da mesma forma que se tudo for
arte, nada será arte, se tudo for escravidão ou estupro, nada mais os são. Matt
Damon apenas lançou luz sobre tais questões, tentando criar ao menos uma
gradação de “abusos”, para que não coloquem no mesmo patamar situações
completamente distintas. Mas não adiantou: bastou levantar perguntas incômodas
para que ele mesmo fosse tratado praticamente como um estuprador terrível.
“Tudo machuca”, disse uma das
“ofendidas” justificando a crítica ao ator. Mas tudo machuca da mesma
forma? Sim, um peteleco na orelha machuca, assim como um tiro de escopeta
no pé. Mas machucam na mesma proporção? Podemos colocá-los como o
mesmo fenômeno, chamando ambos de “machucado”? Isso não seria gerar confusão
deliberada ou supervalorizar quem levou o peteleco e menosprezar aquele que
teve seu pé dilacerado pela escopeta? O’Neill comenta:
Parece que a moda da vitimização é agora tão
forte que a “ferida” de incidentes menores deve ser combinada com a dor de
estupro, talvez para fazer esses incidentes menores parecerem pior do que
são e assim aumentar a moral de quem apoia o #MeToo em relação a quem
está reclamando dele. Eu acho que isso faz um grave desserviço para as
pessoas que sofreram estupro. Fica parecendo quase como uma tentativa de
se apropriar de seu sofrimento para ganhos pessoais; eu acho que isso é
terrível.
Matt Damon, dessa vez, não
disse nada demais, nada polêmico, controvertido. Ao contrário: ele disse uma
verdade evidente, uma obviedade. Levar um tapinha no bumbum não é o mesmo que
sofrer um estupro. Mas dizer a verdade se tornou um negócio arriscado no mundo
moderno. A cultura do ódio não liga para essas coisas ultrapassadas como
verdade ou liberdade de expressão. Se não está exatamente de acordo com a
cartilha do politicamente correto, então já para a fogueira!
Título e Texto: Rodrigo Constantino, Gazeta do Povo, 20-12-2017
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