sábado, 13 de janeiro de 2018

Até que ponto deve ir a reação contra o politicamente correto?

Rodrigo Constantino


Vamos aos fatos: vivemos na era do asfixiante politicamente correto, da “marcha das minorias oprimidas”, da “revolução das vítimas”, em que os “fracos e oprimidos” nunca tiveram tanta força e poder. Diante disso, há um duplo padrão hipócrita insuportável no mundo, especialmente na bolha “progressista”, que aderiu com paixão a esse ambiente – o que digo? – que ajudou a criá-lo!

Como reação a essas bandeiras todas que têm como denominador comum o ódio ao legado da civilização ocidental, o ataque ao cristianismo, à família tradicional e ao homem branco heterossexual, alguns estão finalmente reagindo. A eleição de Trump é o principal marco dessa reação. Não tem nada a ver com “supremacistas brancos”, mas com pessoas normais que cansaram de apanhar caladas.

O estilo meio bufão do presidente, com seu principal instrumento de guerra – o Twitter – tem deixado a turma politicamente correta em pânico. Trump coloca os pingos nos is, não tem medo de destacar a América como sua prioridade (e queriam que fosse o Haiti? Oprah pode até lançar seu slogan de campanha: “Make Haiti Great Again”, mas acho que vai render poucos votos), de dizer certas verdades inconvenientes (ao contrário das mentiras convenientes de Al Gore, Obama e companhia). Mas até onde deve ir tal reação? Tudo que for politicamente incorreto passa a ser louvável?

A fala atribuída a Trump sobre alguns países pobres, como Haiti e El Salvador, de que seriam “países de merda”, levanta uma boa reflexão sobre tais limites. A Casa Branca nega ter usado essas palavras, apesar de reconhecer que Trump foi duro mesmo com tais países. E surge a questão: mesmo sendo verdade, deve um presidente dizer algo assim? E a liturgia do cargo, o decoro, o respeito aos demais povos?

Somos – o povo brasileiro principalmente – muito ligados na forma, e menos no conteúdo. É isso que explica, em parte, os discursos sensacionalistas e populistas da esquerda, a fala feminista hipócrita de uma Oprah comovendo milhões que preferem ignorar sua relação de longa data com um predador sexual como Harvey Weinstein. Mas será que, por conta disso, a forma não tem mais relevância alguma?

Penso que tem, e que não podemos aplaudir tudo aquilo que for politicamente incorreto por ser politicamente incorreto, ou por ser verdade. Aristóteles sabia que o homem é um animal político, social, e que só um Deus ou um bruto pode abrir mão disso. Qualquer um que já foi perguntado pela esposa se o novo cabelo ficou bonito entende que dizer sempre a verdade, custe o que custar, não é boa política, tampouco postura de quem realmente se preocupa com o próximo.

Ou seja, há certas verdades que não precisam ou não devem ser ditas, especialmente por quem ocupa certos cargos. Mas o avanço do politicamente correto chegou a um grau tão absurdo que produz esse tipo de reação. Por mais compreensível que seja, porém, considero-a inadequada, contraproducente. O tiro sai pela culatra. Exige-se dos conservadores de boa estirpe uma postura diferente, superior, em vez de nivelar tudo por baixo.

“Olho por olho e a humanidade acabará cega”, disse Gandhi. Mas se isso é verdade, também é verdade essa outra: “olho por nada e uma parte da humanidade acabará cega”. A parte que não reagiu. Talvez – e mantenho o benefício da dúvida – figuras como Trump sejam um remédio amargo, mas necessário, para encerrar de vez essa “marcha das minorias oprimidas”, que passou de qualquer limite aceitável. É o duplo padrão que não dá mais para engolir. Ben Shapiro, que tem postura firme, porém elegante, saiu em defesa de Trump:

Sim, os países mencionados são terríveis. E, repito, o duplo padrão é que mata. Senão, vejamos: vários líderes podem destilar antiamericanismo à vontade, chamar os Estados Unidos de Grande Satã, desrespeitar o presidente legitimamente eleito da nação mais potente do mundo, e fica por isso mesmo? Ninguém pode reagir? Não se pode usar a mesma moeda para falar dos outros? É preciso apanhar calado? Israel, então, nem se fala! É demonizado na própria ONU e não parece ter o direito de sequer se defender.

Trump é ridicularizado por todos da mídia o tempo todo, mas se falar em “países de merda”, referindo-se a países realmente fracassados, será cruelmente julgado pela mesma mídia. É irritante essa seletividade, eu sei, mas é parte do jogo. E não acho que a melhor resposta seja descer ao nível dos adversários, provocar para expor a farsa. O perigo de olharmos tempo demais para o abismo é ele olhar de volta para nós. O risco de conviver tempo demais com o monstro, adotando seus métodos para derrotá-lo, é nós mesmos virarmos outro monstro.

Estou cansado do politicamente correto, da “revolução das vítimas”, do duplo padrão, da seletividade hipócrita. Estou muito cansado – podem acreditar, ou nem precisam, pois basta verificar quantos textos escrevo sobre isso. Mas não posso achar legal um presidente se referir a outros países dessa forma, por mais verdadeira que seja a afirmação. É simplesmente errado. Não condiz com a liturgia do cargo, tampouco com o próprio “sonho americano”, como lembrou uma congressista republicana de origem haitiana.

Dito isso, não resta dúvidas de que boa parte da população, tão cansada quanto eu, mas com menos tolerância ao contraditório, vai achar legal o presidente dizer isso, ou vai aplaudir se seu candidato rebater uma jornalista de um veículo de esquerda da forma que Bolsonaro fez com a Folha sobre o uso do apartamento. Pode até ser engraçado, mas é tosco, vulgar, e repudiar tal forma agressiva não faz de ninguém um covarde adepto do politicamente correto, mas apenas alguém com bom senso.

O filósofo de direita pode ter razão, mas com frequência a perde quando sai xingando todo mundo por aí. Se o objetivo for só chamar a atenção para as táticas seletivas dos oponentes, tudo bem. Mas se a meta for persuadir mais gente e ajudar a construir um mundo melhor, mais educado e civilizado, o tiro pode sair pela culatra. É preciso ter conteúdo e também uma postura digna. Existem formas e formas de falar a verdade, ou de deixá-la subentendida. A elegância costumava ser um valor conservador. Eis aí algo que vale a pena ser resgatado…

PS: William Buckley era o ícone desse conservadorismo refinado na América, e até ele perdeu a calma e a compostura no famoso debate com Gore Vidal, quando este o chamou de “fascista”. Buckley ameaçou bater no adversário, a quem chamou de “bicha”. Não era de sua natureza, não era seu estilo, e ele certamente se culpou pela perda de controle. O que era um vício, uma fraqueza, ainda que algo humano, demasiado humano, não pode passar a ser visto como uma virtude. Se isso acontecer, é sinal de que a esquerda venceu a guerra cultural, e que já não temos tanto assim a preservar da civilização ocidental, do conceito britânico de gentleman, da velha elegância conservadora.
Título, Imagem e Texto: Rodrigo Constantino, Gazeta do Povo, 13-1-2018

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