sábado, 24 de fevereiro de 2018

Isto começou mal e vai acabar mal

Rui Ramos

O destino de Rui Rio não é ser oposição ao governo, mas ao próprio PSD. Foi sempre assim quando, no passado, o PSD foi posto na situação em que Rio o colocou, de subordinação ao PS.

Foto: Filipe Amorim/Global Imagens
Não deve uma política, como alguém disse, ser julgada pelos resultados? Talvez, mas neste caso já temos resultados suficientes. Em menos de uma semana, Rui Rio [foto] conseguiu que uma sua vice-presidente fosse vaiada no congresso, e que o seu candidato a líder do grupo parlamentar não fosse votado pela maioria dos deputados. Pelo meio, voltou a pôr Santana Lopes com dúvidas.

Não vale a pena distribuir culpas. É mais importante registar o significado de tudo isto: o destino de Rui Rio não é ser oposição ao governo, mas ao próprio PSD. E vai ser assim, porque foi sempre assim quando, no passado, o PSD foi posto na situação em que Rio o colocou, de subordinação ao PS. Não haverá paz.

As personalidades terão certamente alguma parte em tudo isto. Mas seria um erro começar por aí. O que está em causa é uma opção de fundo.  Ao aproximar-se do PCP e do BE, António Costa iria fatalmente provocar uma de duas coisas: ou fazia o PSD explorar a bipolarização, e clamar, como diz Assunção Cristas, que a partir de agora os portugueses têm de escolher entre dois blocos, e quem não quiser o PCP e o BE na área do poder tem de eleger 116 deputados do PSD e do CDS; ou então, o PSD seria tentado a entrar num jogo de equívocos com o PS.

O engano aqui seria presumir que, só por a direção do PSD ter optado pelo jogo com o PS, haverá mais tranquilidade (ou “normalidade”). Não: haverá menos. É verdade que PS, PSD e CDS têm em comum a integração europeia. Sem isto, este regime seria impossível. Mas esses grandes princípios não condenam os partidos à harmonia, na medida em que não significa que só possa haver um tipo de soluções institucionais ou opções de governação. Dir-me-ão: noutros países, os grandes partidos entendem-se para governar. Sim, na Alemanha — onde, depois de anos de coligação, a CDU e o SPD nunca estiveram tão divididos e valeram tão pouco. O mesmo, aliás, aconteceu ao PSD e ao PS em 1985, após o Bloco Central. Por isso, por mais interessados que estejam em extrair capital de uma “nova fase” de consenso, nem PSD nem PS estão à vontade para se comprometer, com medo de alienar dirigentes e eleitores.

O primeiro efeito do corrente jogo será, portanto, uma grande cacofonia. Do lado do PS, por cada porta-voz que saúde a disponibilidade do PSD para pactos, haverá outro porta-voz a dizer que não haverá pactos nenhuns. Do lado do PSD, por cada dirigente que queira transformar os debates com o primeiro-ministro em fraternais “sessões de trabalho”, haverá outro dirigente a clamar que um “governo de esquerda” lhe “repugna”. Aliás, curiosamente, nenhuma direção do PSD terá usado a palavra “esquerda” com tanto nojo como a atual. Nada disto é inédito. Ninguém como Sousa Franco, em 1978, ou Mota Pinto, entre 1983 e 1985, se mostrou tão impaciente e quezilento com o PS: é quem tem expectativas que mais se zanga.

Mas então, como fazer as “reformas”? Bem, para começar, as reformas são as reformas que só o PSD e o CDS querem fazer. Porque haveria António Costa de lhes facilitar a vida? O PS já explicou que só está interessado em “acordos” com os todos os partidos. Seria, portanto, preciso imaginar soluções de que estivessem igualmente convencidos CDS, PSD, PS, BE e PCP. Poderíamos, a esse respeito, assentar numa regra: fora de uma emergência, tudo em que partidos tão diferentes concordarem tenderão a ser, ou detalhes técnicos, ou manigâncias à custa dos contribuintes (como o financiamento partidário), à custa do equilíbrio dos poderes (como a  governamentalização do Ministério Público), ou à custa do Estado (como a feudalização agora conhecida por “descentralização”). Em suma, neste contexto, ninguém fará “reformas”, e as que se fizerem – será melhor que não sejam feitas.
Título e Texto: Rui Ramos, Observador, 23-2-2018 

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