sexta-feira, 2 de março de 2018

[Aparecido rasga o verbo] Caderno de segredos


Aparecido Raimundo de Souza

SAUDADE: dor muito grande e intensa que alimenta sempre as raias da insensatez.

LEMBRANÇA: coisa complicada que deixa no coração um vazio imensurável.

ANGÚSTIA: sabermos que a nossa mãezinha querida, ainda ontem sorridente e alegre, não mais retornará ao convívio do seio familiar.

PREOCUPAÇÃO: pensarmos nos filhos que estão fora de casa e ainda não chegaram para nos dar um beijo de boa-noite antes de se deitarem.

INDECISÃO: não sabermos discernir o momento exato de entregarmos o coração a alguém com medo de sofrermos um bocadinho depois.

CERTEZA: saber que a morte é traiçoeira e um dia baterá às nossas portas, não usando a campainha para anunciar sua chegada.

INTUIÇÃO: acreditarmos que o dia seguinte será repleto de momentos de pura felicidade.

PRESSENTIMENTO: abortarmos uma viagem em cima da hora, antes de colocarmos os pés fora de casa; desfazermos as malas e tomarmos uma taça de champanha para comemorar a vitória de continuarmos com vida.

VERGONHA: não termos coragem suficiente de, ao olharmos no espelho, nos flagrarmos com os olhos cheios de lágrimas sendo derramadas por alguém que amávamos do fundo do coração.

ANSIEDADE: pensarmos no amanhã como se fosse hoje, e no hoje como se representasse o último dia de nossas vidas e tivéssemos, por causa disso, de realizar correndo, em minutos, alguns planos guardados durante muito tempo.

INTERESSE: verificarmos os boletins escolares de nossas crianças, embora sabendo, de antemão, que não virão recheados de notas boas como seria o ideal para acabar com as nossas insatisfações.

SENTIMENTO: olharmos para um mendigo na calçada e nos compadecermos do seu estado de miserabilidade. Não nos sentirmos pequenos, iguais ou piores que ele, e não nos compadecermos de nós mesmos por continuarmos a ser tão mesquinhos e hipócritas.

RAIVA: descobrirmos que uma criança morreu abandonada logo ali na esquina, com fome, com sede, e pior ainda, sem guarida, sem a mão amiga, quando alguma coisa poderia ter sido feita em seu benefício.

TRISTEZA: olharmos para dentro de nossa alma e não encontrarmos absolutamente nada, além de um vazio negro e sinistro profanando a aura do anjo de guarda ou o brilho mágico de nossa estrela maior.

FELICIDADE: estarmos em paz com todas as criaturas e abraçarmos nossos semelhantes no momento exato em que precisarem de uma palavra amiga e de conforto espiritual.

AMIZADE: mantermos um elo profundo com as pessoas e acreditarmos que nada, nem ninguém, poderá romper esse cordão, ainda que os reveses mais fortes da vida se sobreponham às nossas vontades.

CULPA: discernirmos, com sabedoria, o momento exato em que erramos e magoamos profundamente alguém; com humildade, pedirmos perdão a essa criatura e depois seguirmos adiante, de cabeça erguida, e não nos sentirmos menosprezados nem pequenos demais pela grandeza do gesto.

LUCIDEZ: ao defrontarmos com uma estrada longa e escura, sabermos exatamente onde estamos pisando, sem receio do que poderá vir logo adiante, ao virarmos a primeira curva do caminho.

RAZÃO: sentimento que às vezes causa um curto-circuito total deixando a gente com cara de otário e mais perdido do que cego em tiroteio.

VONTADE: querermos vencer todos os medos que nos aprisionam, saltando, um após outro, os obstáculos, sem precisarmos derrubar quem está vindo logo atrás.

PAIXÃO: doarmos o coração de maneira intensa, sem receio de entregar o espírito; voarmos alto até nos sentirmos perdidos em espaços jamais visitados; contudo, sabendo o momento exato de abrirmos os olhos e regressarmos à realidade.

AMOR: vivermos constantemente uma vida de ilusões sem deixar que os sonhos escapem por entre nossos dedos, ou simplesmente termine com final previsível; fazermos de cada dia uma espécie de porta secreta da alma, cuja chave de acesso à entrada principal somente nós sabemos onde está.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, do sítio “Shangri-la”, um lugar perdido no meio do nada. 2-3-2018

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Um comentário:

  1. E sobre a MORTE? Poderia ser assim? MORTE: Quando se esvai o último sopro de vida, quando para "sempre" os olhos se fecham, as mãos ficam sobrepostas sob o corpo gelado, coberto de flores para tentar "mesclar" a tristeza de quem fica. (tentei).

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