É muito difícil acreditar que Lula
ignorasse a corrupção promovida pelo PT logo em 2005, pelo que, do ponto de
vista da reconstrução de uma democracia viável no Brasil, o seu tempo e do PT
já passou.
Era previsível que o
encarniçamento político em torno da figura do antigo presidente Lula
descambasse como descambou. O processo judicial contra Lula e a sua prisão
final, apesar de ainda poderem ser postos em causa pelos sucessivos recursos
aos tribunais, são manifestamente débeis e, sobretudo, totalmente
contraproducentes. Algo similar se tem passado aliás em Espanha com a
judicialização do independentismo catalão: figuras patéticas como o antigo
presidente da Generalitat– Carles Puigdemont, um mero pião da táctica
esquerdistóide da CUP contra a União Europeia – não teriam subsistido se não
fossem os descabidos encarceramentos das lideranças independentistas.
Agora, será a vez de Lula e os
seus apoiantes beneficiarem da insensatez política que constitui a condenação
do antigo presidente a doze anos de prisão por um crime trivial e mal provado;
e sobretudo pela sua prisão, que faz de Lula o mártir que ele nunca foi. Esta
personalização dos atores políticos, assim como a criação de figuras
pretensamente carismáticas, que tanto podem conseguir tudo como tudo deitar a
perder, são erros desastrosos que têm toda a probabilidade de se voltar contra
o normal funcionamento democrático, como aliás sucede em Itália há mais de 20
anos devido à intervenção, à primeira vista bem-vinda, dos juízes do processo
«Mãos Limpas», igualmente contra a corrupção política!
Resta pois saber de que forma
o «sacrifício» de Lula determinará o comportamento das forças partidárias
brasileiras na próxima eleição presidencial. Visto de cá, o que efetivamente
parece estar a suceder é o rápido declínio do antigo PT, sobretudo nas regiões
mais desenvolvidas e capacitadas do Brasil, perante um sistema partidário cada
vez mais pulverizado pelas sucessivas crises económicas e sociais anteriores e
posteriores à demissão da sucessora investida por Lula, a presidente Dilma
Rousseff, como aliás se viu nas eleições municipais de 2016 em que o PT já
sofreu uma pesada derrota.
A atual ingovernabilidade do
sistema político-partidário brasileiro começa pelo funcionamento do próprio
presidencialismo, obrigado como o presidente está a governar em «coalisão» com
uma multidão de senadores e deputados distribuídos por um sem número de
partidos tão oportunistas e corruptos uns como os outros, devido a uma
legislação eleitoral insustentável num país com a dimensão, os problemas de
desenvolvimento e a desigualdade social do Brasil. O próprio crescimento
económico tão badalado durante as décadas de dominação partidária do PT até à
crise social de 2013, alterou profundamente as relações entre as classes
sociais e os grupos geracionais, bem como entre as regiões do país, mudanças
estas que ficaram, no entanto sem expressão político-partidária de tipo algum.
Não serão as eleições
presidenciais de outubro deste ano que irão clarificar a situação
política. Conforme já indiquei, uma eventual vitória eleitoral de Lula ou de uma improvável
«união das esquerdas», como sugere o cientista político brasileiro Renato Lessa, não
só não resolveria o problema da ingovernabilidade do país como o agravaria.
São hoje demasiados os ódios
acumulados desde a destituição da presidente Dilma, que nunca passou de uma
«sombra» de Lula e dos dirigentes do PT, entretanto desarticulados pelo «Lava Jacto»,
mas que não se resignam à perda do poder. Acresce que, se a condenação de Lula
é com efeito frágil e a sua prisão contraproducente, é muito difícil acreditar
que ele ignorasse a corrupção do sistema político-partidário promovida pelo PT
logo em 2005 com o chamado «mensalão». Do ponto de vista da reconstrução de uma
democracia viável no Brasil, o tempo de Lula e do PT já passou. Entretanto,
chegou-se ao ponto inquietante de os militares começarem a intervir na vida
política!
Para superar o impasse em que
o país se encontra, a próxima eleição presidencial teria ser capaz de produzir
uma «chapa» – presidente e vice-presidente – capaz de arrancar ao Senado e à
Câmara de Deputados atuais uma reforma política profunda, como aliás se falou
após a eleição de Dilma em 2014, que abrangesse os poderes presidenciais e das
duas câmaras, bem como dos próprios estados membros da Federação e os seus
governadores. Além disso, seria indispensável rever o sistema eleitoral de
forma a reduzir o número de partidos admitidos à representação, assim como os
custos do sistema partidário, que fazem dele uma mera profissão sem a
correspondente vocação, como Max Weber denunciou há um século.
Sem isso, a presidência que em
breve vier a ser eleita não terá qualquer hipótese de impor um módico de
governabilidade, como aquele que mediou entre a eleição de Fernando Henrique
Cardoso em 1995 e o termo do primeiro mandato de Lula em 2006, quando o Brasil
já estava dominado pela corrupção. Dito isto, do leque de candidatos que se
perfilam nos «media» para a eleição de outubro próximo, não parece haver quem
tenha os requisitos necessários para promover uma reforma da envergadura
necessária!
Título e Texto: Manuel Villaverde Cabral, Observador,
11-4-2018
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