quarta-feira, 11 de abril de 2018

Ninguém pode fazer tanto mal ao Brasil como Lula

Rui Ramos

Por piores que sejam os atuais governantes, nenhum pode fazer tanto mal ao Brasil como Lula. Basta que consiga divorciar uma parte da população da legalidade e da democracia.

A condenação do ex-presidente Lula da Silva, no Brasil, mostrou como a justiça não precisa de muito para ser politizada: basta que as suas sentenças tenham efeitos políticos. E para que tenham efeitos políticos, são necessárias apenas duas coisas: que o condenado seja um político, e que a condenação comprometa a sua carreira. A partir daí, haverá sempre quem pelos efeitos julgue as motivações: se a sentença teve um efeito político, então também teve uma motivação política. É difícil escapar a isto, sobretudo quando o acusado, como no caso de Lula, não hesita em fazer política para se safar. Condenado, propôs-se novamente à eleição presidencial, para perturbar os tribunais. Ameaçado de ser preso, refugiou-se no meio de uma manifestação, para inibir a polícia.

Tem-se dito que Lula, como presidente, fez muito bem ao Brasil. Sim, mas porque pôde distribuir por uma parte da população os resultados dos esforços de estabilização e de modernização do seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso. Mas se usou o produto, não aumentou a produção, acabando por deixar o Brasil resvalar para a maior crise das últimas décadas. Os problemas legais de Lula são muito reveladores do que fez no poder. Lula e o PT chegaram ao governo no auge da “terceira via”. Em vez de destruir o capitalismo, como recomendavam os marxistas de 1973, fizeram um capitalismo deles, combinando o domínio do Estado com a cumplicidade das grandes empresas. Não por acaso, Lula e Dilma tiveram como conselheiro económico o lendário Delfim Netto, um dos orientadores da Ditadura Militar (e agora também em apuros na Lava Jato).

Mas Lula nem por isso renunciou à demagogia revolucionária. Num país em transformação (a taxa de urbanização, por exemplo, subiu de 45% para 85% desde 1960), não faltam carências e frustrações. A demagogia é sempre fácil, mas talvez no Brasil seja um pouco mais fácil. Por isso, o poder do PT foi Delfim Netto, mais o Movimento dos Sem Terra e todos os outros ativismos identitários de importação norte-americana. Sem os escritórios, resta-lhes agora as ruas. Esse é o perigo que Lula sabe que representa para a democracia no Brasil. Quando Dilma foi derrubada no congresso, falou-se de “golpe”, como se, em vez de uma votação parlamentar, a tropa tivesse saído dos quartéis. Agora, Lula fez tudo para inspirar comparações com a sua prisão em 1980, como se o Brasil, em vez da democracia que é há 30 anos, continuasse em Ditadura Militar. Perdida a partida, resta desacreditar o jogo, para ver se é possível voltar a baralhar. O que Lula e Dilma dão a entender aos seus seguidores é que a democracia e a legalidade são apenas uma máscara para relações de força. A lição é óbvia: no fundo, só a força conta. Não os votos, não as leis, mas a força. É uma mentalidade de guerra civil.

As democracias são mais fáceis de destruir do que de construir. Construir uma democracia exige atitudes e comportamentos pouco naturais, como o de respeitar os adversários, mesmo quando odiosos, ou confiar nos procedimentos, mesmo quando frustrantes. Destruir uma democracia dá muito menos trabalho: é questão de dar largas ao rancor e à paranoia. Já não estamos em 1989, quando os muros caíam e a terra parecia destinada às democracias de tipo liberal. A história, afinal, não acabou. As ditaduras são outra vez uma alternativa. Lula tem a influência para criar no Brasil o ambiente para uma experiência dessas. Basta que consiga divorciar uma parte da população da legalidade e da democracia. Por piores que sejam os atuais governantes, nenhum pode fazer tanto mal ao Brasil como Lula. Diz ele que já não é uma pessoa, mas uma ideia. Mas há ideias más.
Título e Texto: Rui Ramos, Observador, 10-4-2018

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