Rui Ramos
Por piores que sejam os atuais governantes,
nenhum pode fazer tanto mal ao Brasil como Lula. Basta que consiga divorciar
uma parte da população da legalidade e da democracia.
A condenação do ex-presidente
Lula da Silva, no Brasil, mostrou como a justiça não precisa de muito para ser
politizada: basta que as suas sentenças tenham efeitos políticos. E para que
tenham efeitos políticos, são necessárias apenas duas coisas: que o condenado
seja um político, e que a condenação comprometa a sua carreira. A partir daí,
haverá sempre quem pelos efeitos julgue as motivações: se a sentença teve um
efeito político, então também teve uma motivação política. É difícil escapar a
isto, sobretudo quando o acusado, como no caso de Lula, não hesita em fazer
política para se safar. Condenado, propôs-se novamente à eleição presidencial,
para perturbar os tribunais. Ameaçado de ser preso, refugiou-se no meio de uma
manifestação, para inibir a polícia.
Tem-se dito que Lula, como
presidente, fez muito bem ao Brasil. Sim, mas porque pôde distribuir por uma
parte da população os resultados dos esforços de estabilização e de
modernização do seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso. Mas se usou o produto, não
aumentou a produção, acabando por deixar o Brasil resvalar para a maior crise
das últimas décadas. Os problemas legais de Lula são muito reveladores do que
fez no poder. Lula e o PT chegaram ao governo no auge da “terceira via”. Em vez
de destruir o capitalismo, como recomendavam os marxistas de 1973, fizeram
um capitalismo deles, combinando o domínio do Estado com a cumplicidade das
grandes empresas. Não por acaso, Lula e Dilma tiveram como conselheiro
económico o lendário Delfim Netto, um dos orientadores da Ditadura Militar
(e agora também em apuros na Lava Jato).
Mas Lula nem por isso
renunciou à demagogia revolucionária. Num país em transformação (a taxa de urbanização, por exemplo, subiu de 45% para 85% desde 1960), não faltam carências e frustrações. A
demagogia é sempre fácil, mas talvez no Brasil seja um pouco mais fácil. Por
isso, o poder do PT foi Delfim Netto, mais o Movimento dos Sem Terra e todos os
outros ativismos identitários de importação norte-americana. Sem os
escritórios, resta-lhes agora as ruas. Esse é o perigo que Lula sabe que
representa para a democracia no Brasil. Quando Dilma foi derrubada no
congresso, falou-se de “golpe”, como se, em vez de uma votação parlamentar, a
tropa tivesse saído dos quartéis. Agora, Lula fez tudo para inspirar
comparações com a sua prisão em 1980, como se o Brasil, em vez da democracia
que é há 30 anos, continuasse em Ditadura Militar. Perdida a partida, resta
desacreditar o jogo, para ver se é possível voltar a baralhar. O que Lula e
Dilma dão a entender aos seus seguidores é que a democracia e a legalidade são
apenas uma máscara para relações de força. A lição é óbvia: no fundo, só a
força conta. Não os votos, não as leis, mas a força. É uma mentalidade de
guerra civil.
As democracias são mais fáceis
de destruir do que de construir. Construir uma democracia exige atitudes e
comportamentos pouco naturais, como o de respeitar os adversários, mesmo quando
odiosos, ou confiar nos procedimentos, mesmo quando frustrantes. Destruir uma
democracia dá muito menos trabalho: é questão de dar largas ao rancor e à
paranoia. Já não estamos em 1989, quando os muros caíam e a terra parecia
destinada às democracias de tipo liberal. A história, afinal, não acabou. As
ditaduras são outra vez uma alternativa. Lula tem a influência para
criar no Brasil o ambiente para uma experiência dessas. Basta que consiga
divorciar uma parte da população da legalidade e da democracia. Por piores que
sejam os atuais governantes, nenhum pode fazer tanto mal ao Brasil como Lula.
Diz ele que já não é uma pessoa, mas uma ideia. Mas há ideias más.
Título e Texto: Rui Ramos, Observador,
10-4-2018
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