Alexandre Garcia
Um juiz que tem em mãos
processos envolvendo tanta gente poderosa e que aceita ser o alvo das perguntas
e câmeras de um programa como Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, tem que
ser uma pessoa extremamente confiante em sua própria sensatez. O risco é
enorme. Qualquer pré-julgamento, qualquer opinião fora dos autos, pode ser
argumento para ser contestado pelas defesas - que por tantas vezes já pediram
seu afastamento de processos de corrupção. Pois por hora e meia o juiz Sérgio
Moro correu esse risco, submetendo-se a perguntas de cinco jornalistas e aos
olhares implacáveis das câmeras que acompanharam seus gestos, feições e olhos
de todos os ângulos. E não tropeçou nenhuma vez; nenhum vacilo, nenhuma
irritação, nenhum arroubo de estrelismo diante das luzes daquele plenário que o
cercava.
Em pergunta alguma perdeu a
naturalidade. Mostrou que é um juiz equilibrado, calmo, racional, sem paixões e
preconceitos. Com profundo conhecimento do mundo que o cerca, respondeu, no
entanto com humildade, com simplicidade, passando a imagem de sinceridade nas
posições. Em nenhum momento foi além dos limites da lei e de seus deveres como
julgador. Depois do que se viu e ouviu na semana passada no Supremo Tribunal,
Moro foi um jato de esperança a robustecer a aposta na Justiça, no país que vai
perdendo referências civilizatórias. Quando o programa terminou, ficou a
impressão de que o Brasil teve muita sorte quando a operação que começou num
lava-jato de Brasília, envolvendo pessoas com domicílio no Paraná, tenha ficado
na Vara Federal do juiz Sérgio Moro.
Quando tinha em mãos o caso do
escândalo do Banestado (Banco do Estado do Paraná), com evasão em dezenas de
bilhões em divisas, o juiz Sérgio Moro foi criticado por excessos e levado, por
isso, ao Conselho Superior de Justiça, que arquivou o caso. Com humildade,
inscreveu-se em cursos da Polícia Federal para aprender mais sobre lavagem de
dinheiro e evasão de divisas. Sentou-se nos bancos escolares da PF e acabou considerado
pelos policiais como um exemplo de juiz que se aproxima da origem da Justiça -
o inquérito policial - para aprender. O juiz mostrava então que a toga serve
com mais justiça quanto mais conhecimento tiver do crime. Por isso suas
sentenças têm sido irrepreensíveis. Ao se expor no programa da TV Cultura, em
nenhum momento foi acuado por perguntas de jornalistas que certamente se
prepararam para o interrogatório.
Moro virou celebridade, mas
não sai de si nem levita. Continua sendo um juiz de primeira instância e não um
artista. Ainda que se deva repetir que juiz só fala nos autos, a situação por
que passa o país precisa de manifestações públicas dele, porque se tornou um
símbolo da lei e da justiça - no país da
impunidade, da desordem civil, das leis circunstanciais, em que o princípio de
que todos são iguais perante a lei se tornou uma farsa em que fingimos
acreditar. Um país que fala em democracia todos os dias é porque tem apenas um
arremedo dela. Estados Unidos e Alemanha não ficam falando em democracia -
porque é o fato básico, corriqueiro. Sem ordem, sem justiça que desestimule os
corruptos e criminosos em geral, jamais chegaremos a ser uma democracia. Sérgio
Moro é uma esperança, um modelo, de que sem histrionismo, sem populismo e com
simplicidade, revela um modelo para recuperarmos o caminho perdido.
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