Luís Rosa
A corrupção não é de esquerda nem de
direita, não é católica nem protestante, não é branca nem preta e não é do
norte nem do sul. A corrupção atinge todos os países, partidos e grupos
sociais.
1. É certo e sabido que um dirigente político progressista, eleito por um partido que tenha o vermelho como cor predominante e um punho, uma foice e um martelo (ou até, vá lá, uma estrela) como símbolos, nunca teve qualquer contato com a corrupção ou qualquer outro crime econômico-financeiro. Deve estar igualmente cientificamente provado (de preferência, por uma faculdade da ex-RDA) que um político de esquerda, que apenas tenta tirar aos abutres dos empresários e restantes capitalistas gananciosos para dar aos pobres e remediados do país, nunca se mete em negociatas que possam prejudicar o interesse público. É óbvio, porque sim, que todos os políticos, sindicalistas, militantes ou até meros simpatizantes dos ensinamentos de Marx e afins têm imunidade quanto à corrupção. Essencialmente porque a esquerda apenas quer e luta pelo bem do mundo sem querer absolutamente nada em troca.
Esta é, em suma, a síntese da
superioridade moral da esquerda que explica muitos dos comentários que ouvimos
nos últimos dias de figuras com Catarina Martins [foto abaixo], Francisco Louçã ou de
jornalistas que acreditam que a prisão de Lula da Silva pela alegada prática do
crime de corrupção é um golpe e uma perseguição política — e não um ato de um
sistema judiciário democrático que tem como missão escrutinar o poder
executivo.
Foto: Manuel de Almeida/Lusa |
Vamos ser claros: a corrupção
não é de esquerda nem de direita, não é católica nem protestante, não é branca
nem preta e não é do norte nem do sul. A corrupção atinge todos os países,
partidos, grupos sociais ou raças. Como a prática da Justiça um pouco por todo
o mundo tem provado.
A corrupção está
essencialmente ligada ao poder — ao exercício desse poder durante demasiado
tempo, aos abusos e aos desvios das funções públicas que estão atribuídas a
determinada pessoa. Precisamente por isso, os alvos dos corruptores são, por
regra, os titulares de cargos políticos ou públicos que detém ou o poder de
decisão ou a capacidade de influenciar a decisão que interessa ao corruptor.
Sejam eles vermelhos, cor de rosa, laranjas, azuis ou qualquer outra cor de
quem tem o poder de decisão sobre a forma como os dinheiros públicos são
gastos.
Por a corrupção ser uma
atividade ilícita que leva à distorção das regras da concorrência, nenhuma
economia capitalista digna desse nome pode pactuar com métodos que afetam a
concorrência natural de um mercado aberto e colocam em causa uma justa
distribuição de riqueza. A corrupção favorece os menos preparados (mas mais
espertos) em detrimento dos melhores (e mais produtivos), premeia quem não
segue as regras ao mesmo tempo que destrói qualquer ideia de meritocracia e
fomenta uma concorrência desigual entre quem trabalha para oferecer o melhor
produto ao melhor preço possível e quem tenta recorrer ao expediente fácil para
enriquecer o mais rápido possível. A corrupção representa o oposto de uma
sociedade justa e sã.
3. A operação Lava Jato é um dos melhores exemplos do que acabo de
afirmar. Para quem não sabe (ou se esqueceu), é importante recordar que a
investigação concentrou-se desde 2009 num cartel de construtoras que geria
informalmente as obras que eram lançadas pela Petrobras no mercado de obras
públicas. Através de subornos que variavam entre o 1% e os 5%, as principais
construtoras brasileiras dividiam entre si os principais contratos com a
Petrobras num ambiente de concorrência totalmente inexistente.
Parte dos subornos eram
distribuídos pelo Partido dos Trabalhadores (PT), de Lula da Silva, e pelo
PMDB, de Michel Temer (que também está referenciado na Operação Lava Jato) e
terão rendido, no total, um total de 6,4 biliões de reais (cerca
de 1,5 mil milhões de euros) que foram transmitidos a políticos daqueles dois
partidos.
Enquanto elogiam de forma
bastante comovente a perfeição do sistema judicial português (perfeito só na
teoria), os defensores nacionais de Lula atacam ainda a ilegitimidade do
sistema judicial brasileiro, por não defender os direitos, liberdades e
garantias de defesa dos condenados e julgar de forma muito rápida os respetivos
processos.
Lula da Silva está longe de
ter sido o único condenado a pena de prisão efetiva. Em toda a Operação Lava
Jato, foram condenadas mais de 123 pessoas, sendo que o total das penas de
prisão suplantam os 1.861 anos de prisão. Entre os condenados, encontram-se um
número significativo de políticos do PT e do PMBM.
O ex-presidente brasileiro,
portanto, foi investigado, acusado, julgado e condenado como tantos outros
políticos brasileiros na mesma circunstância que Lula da Silva. E de acordo com
as regras da República do Brasil.
4. Dizem os críticos ideológicos que o sistema judicial brasileiro
não oferece garantias de defesa nem é próprio de um Estado de Direito. Este
raciocínio deve-se essencialmente a duas razões:
·
Lula foi preso após uma condenação da 2ª
instância e antes de esgotar todos os recursos;
·
Não há provas diretas de que Lula da Silva tenha
recebido o famoso triplex de Guarujá (litoral do Estado de São Paulo).
O primeiro ponto é facilmente
rebatível. Como o Nuno Gonçalo Poças explicou aqui no
Observador, a decisão de prender Lula da Silva após a condenação em 2ª
instância está de acordo com a jurisprudência brasileira — além de ser
igualmente possível em países como os Estados Unidos, Grã-Bretanha e Alemanha.
Isto é, a prisão respeita a
norma brasileira e é à luz exclusiva das leis e da jurisprudência da República
do Brasil que o caso deve ser apreciado. E não de acordo com as leis
portuguesas.
5. Por último, o comportamento do ex-presidente brasileiro nos dias
que antecederam a sua prisão demonstram como Lula e os seus apoiantes confundem
a República do Brasil com os interesses do Partido dos Trabalhadores.
Fazer do PT um escudo que o
protegesse da Justiça, barricar-se nas instalações de um sindicato com uma
moldura humana que, na prática, impedia qualquer intervenção da Justiça e fazer
ponto de honra em entregar-se às autoridades um dia depois do prazo para a sua
detenção esgotar-se. Tudo isto só demonstra como Lula encara o Estado
brasileiro como seu, numa versão tropical do “L’Etat c’est moi” de Luís XIV.
Não há bem nenhum que Lula da
Silva tenha praticado no Brasil que perdoe ou apague o mal da corrupção que lhe
é imputado pelo sistema judicial brasileiro — e que cresceu com nunca dentro do
PT enquanto Lula foi Presidente.
Que o diga José Dirceu,
ex-ministro da Casa Civil e ex-braço-direito do presidente Lula, condenado
por corrupção no caso Mensalão e na Operação Lava Jato a penas que
totalizam mais de 40 anos de prisão.
Será que Francisco Louçã ou
Catarina Martins também acham que a condenação de Dirceu é um caso de
perseguição política?
Título e Texto: Luís Rosa, Observador,
9-4-2018
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