quarta-feira, 11 de abril de 2018

Sobre a corrupção — e a inquestionável superioridade moral da esquerda

Luís Rosa

A corrupção não é de esquerda nem de direita, não é católica nem protestante, não é branca nem preta e não é do norte nem do sul. A corrupção atinge todos os países, partidos e grupos sociais.


1. É certo e sabido que um dirigente político progressista, eleito por um partido que tenha o vermelho como cor predominante e um punho, uma foice e um martelo (ou até, vá lá, uma estrela) como símbolos, nunca teve qualquer contato com a corrupção ou qualquer outro crime econômico-financeiro. Deve estar igualmente cientificamente provado (de preferência, por uma faculdade da ex-RDA) que um político de esquerda, que apenas tenta tirar aos abutres dos empresários e restantes capitalistas gananciosos para dar aos pobres e remediados do país, nunca se mete em negociatas que possam prejudicar o interesse público. É óbvio, porque sim, que todos os políticos, sindicalistas, militantes ou até meros simpatizantes dos ensinamentos de Marx e afins têm imunidade quanto à corrupção. Essencialmente porque a esquerda apenas quer e luta pelo bem do mundo sem querer absolutamente nada em troca.

Esta é, em suma, a síntese da superioridade moral da esquerda que explica muitos dos comentários que ouvimos nos últimos dias de figuras com Catarina Martins [foto abaixo], Francisco Louçã ou de jornalistas que acreditam que a prisão de Lula da Silva pela alegada prática do crime de corrupção é um golpe e uma perseguição política — e não um ato de um sistema judiciário democrático que tem como missão escrutinar o poder executivo.

Foto: Manuel de Almeida/Lusa
2. Esta visão (infantil, há que dizê-lo) demonstra antes que a esquerda tem claramente um problema com a luta contra a corrupção. Não é só na extrema-esquerda do PCP e do Bloco Esquerda, mas também numa parte do PS, que existe uma visão sectarista, preconceituosa e seletiva de quais devem ser os alvos do combate à corrupção. Nestas mentes brilhantes, os partidos da direita são uma espécie aliados naturais da corrupção (por ADN, claro) por defenderem que o direito de propriedade, o comércio, o investimento privado e o lucro são essenciais ao progresso económico das populações.

Vamos ser claros: a corrupção não é de esquerda nem de direita, não é católica nem protestante, não é branca nem preta e não é do norte nem do sul. A corrupção atinge todos os países, partidos, grupos sociais ou raças. Como a prática da Justiça um pouco por todo o mundo tem provado.

A corrupção está essencialmente ligada ao poder — ao exercício desse poder durante demasiado tempo, aos abusos e aos desvios das funções públicas que estão atribuídas a determinada pessoa. Precisamente por isso, os alvos dos corruptores são, por regra, os titulares de cargos políticos ou públicos que detém ou o poder de decisão ou a capacidade de influenciar a decisão que interessa ao corruptor. Sejam eles vermelhos, cor de rosa, laranjas, azuis ou qualquer outra cor de quem tem o poder de decisão sobre a forma como os dinheiros públicos são gastos.

Por a corrupção ser uma atividade ilícita que leva à distorção das regras da concorrência, nenhuma economia capitalista digna desse nome pode pactuar com métodos que afetam a concorrência natural de um mercado aberto e colocam em causa uma justa distribuição de riqueza. A corrupção favorece os menos preparados (mas mais espertos) em detrimento dos melhores (e mais produtivos), premeia quem não segue as regras ao mesmo tempo que destrói qualquer ideia de meritocracia e fomenta uma concorrência desigual entre quem trabalha para oferecer o melhor produto ao melhor preço possível e quem tenta recorrer ao expediente fácil para enriquecer o mais rápido possível. A corrupção representa o oposto de uma sociedade justa e sã.

3. A operação Lava Jato é um dos melhores exemplos do que acabo de afirmar. Para quem não sabe (ou se esqueceu), é importante recordar que a investigação concentrou-se desde 2009 num cartel de construtoras que geria informalmente as obras que eram lançadas pela Petrobras no mercado de obras públicas. Através de subornos que variavam entre o 1% e os 5%, as principais construtoras brasileiras dividiam entre si os principais contratos com a Petrobras num ambiente de concorrência totalmente inexistente.

Parte dos subornos eram distribuídos pelo Partido dos Trabalhadores (PT), de Lula da Silva, e pelo PMDB, de Michel Temer (que também está referenciado na Operação Lava Jato) e terão rendido, no total, um total de 6,4 biliões de reais (cerca de 1,5 mil milhões de euros) que foram transmitidos a políticos daqueles dois partidos.

Enquanto elogiam de forma bastante comovente a perfeição do sistema judicial português (perfeito só na teoria), os defensores nacionais de Lula atacam ainda a ilegitimidade do sistema judicial brasileiro, por não defender os direitos, liberdades e garantias de defesa dos condenados e julgar de forma muito rápida os respetivos processos.

Lula da Silva está longe de ter sido o único condenado a pena de prisão efetiva. Em toda a Operação Lava Jato, foram condenadas mais de 123 pessoas, sendo que o total das penas de prisão suplantam os 1.861 anos de prisão. Entre os condenados, encontram-se um número significativo de políticos do PT e do PMBM.

O ex-presidente brasileiro, portanto, foi investigado, acusado, julgado e condenado como tantos outros políticos brasileiros na mesma circunstância que Lula da Silva. E de acordo com as regras da República do Brasil.

4. Dizem os críticos ideológicos que o sistema judicial brasileiro não oferece garantias de defesa nem é próprio de um Estado de Direito. Este raciocínio deve-se essencialmente a duas razões:

·        Lula foi preso após uma condenação da 2ª instância e antes de esgotar todos os recursos;
·        Não há provas diretas de que Lula da Silva tenha recebido o famoso triplex de Guarujá (litoral do Estado de São Paulo).

O primeiro ponto é facilmente rebatível. Como o Nuno Gonçalo Poças explicou aqui no Observador, a decisão de prender Lula da Silva após a condenação em 2ª instância está de acordo com a jurisprudência brasileira — além de ser igualmente possível em países como os Estados Unidos, Grã-Bretanha e Alemanha.

Isto é, a prisão respeita a norma brasileira e é à luz exclusiva das leis e da jurisprudência da República do Brasil que o caso deve ser apreciado. E não de acordo com as leis portuguesas.

5. Por último, o comportamento do ex-presidente brasileiro nos dias que antecederam a sua prisão demonstram como Lula e os seus apoiantes confundem a República do Brasil com os interesses do Partido dos Trabalhadores.

Fazer do PT um escudo que o protegesse da Justiça, barricar-se nas instalações de um sindicato com uma moldura humana que, na prática, impedia qualquer intervenção da Justiça e fazer ponto de honra em entregar-se às autoridades um dia depois do prazo para a sua detenção esgotar-se. Tudo isto só demonstra como Lula encara o Estado brasileiro como seu, numa versão tropical do “L’Etat c’est moi” de Luís XIV.

Não há bem nenhum que Lula da Silva tenha praticado no Brasil que perdoe ou apague o mal da corrupção que lhe é imputado pelo sistema judicial brasileiro — e que cresceu com nunca dentro do PT enquanto Lula foi Presidente.

Que o diga José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil e ex-braço-direito do presidente Lula, condenado por corrupção no caso Mensalão e na Operação Lava Jato a penas que totalizam mais de 40 anos de prisão.

Será que Francisco Louçã ou Catarina Martins também acham que a condenação de Dirceu é um caso de perseguição política?
Título e Texto: Luís Rosa, Observador, 9-4-2018

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