Rui A.
Estive, hoje, na apresentação
da edição comemorativa do 25º aniversário do notável livro Cataláxia,
da autoria do meu querido amigo Pedro Arroja [foto], que reúne crónicas que ele foi
publicando nessa época, quando era um liberal convicto.
Esse livro influenciou-me na
altura, apesar de eu ser já, por esses tempos, um firme liberal, graças à
leitura da edição francesa, da PUF, do Law, Legislation an Liberty,
de Hayek, que considero ser a obra que melhor expõe a teoria social
ordinalista, não racionalista, que, em minha opinião, deve suportar qualquer
abordagem liberal clássica, e por ter travado conhecimento com Orlando
Vitorino, que levei, com mais alguns amigos, à defunta Universidade Livre, para
o ouvirmos falar sobre uma doutrina que era, então, absolutamente desconhecida
em Portugal.
O Cataláxia mantém
uma impressionante frescura e atualidade, arriscando-me a dizer que nenhum
liberal português o poderá ser sem a sua leitura integral. Por conseguinte, às
meninas e aos meninos que por aí andam a fazer partidos liberais proponho-lhes
a imediata leitura desta obra, antes de se porem a escrever manifestos,
programas políticos ou o que quer que seja que lhes saia das cabecinhas. Eu
mesmo irei relê-lo e fiz questão de levar comigo o meu filho Rui, que está com
16 anos, para que ele leia também o livro.
Ora, se o livro se mantém atual,
sensato e verdadeiro, o que se passou com o seu autor para praticamente ter
enjeitado o que de essencial ali escreveu? Foi apenas o facto de ter abandonado
um ateísmo e, principalmente, um anticlericalismo militante, que marcou alguns
dos seus textos de então? Nada disso, até porque o essencial do pensamento
liberal é perfeitamente transversal a quaisquer convicções religiosas ou mesmo
à ausência de qualquer uma delas. Foi ter passado a acreditar nas virtudes do
intervencionismo estatal, contra o primado da iniciativa privada? Também não me
parece.
O motivo principal da
rejeição arrojiana do liberalismo, que brilhantemente defendeu
durante anos, foi outro: a adopção de Portugal como paradigma existencial,
recusando, consequentemente, uma doutrina que o Pedro considerava de
importação. Na verdade, quando o autor do Cataláxia escreveu
os textos que compilou nessa obra, tinha acabado de regressar de uma longa
estada de oito anos num país económica e politicamente civilizado – o Canadá –
para um país que, sendo o seu, se encontrava num momento horroroso, que ele
naturalmente rejeitou. O liberalismo que, nessa altura, o Pedro defendeu foi,
por isso, a consequência inevitável de uma comparação. Só que, há medida que o
Pedro se foi integrando nesse país que é o seu, ele foi entendendo que, apesar
das muitas desgraças que nos atingiam, Portugal é um país extraordinário, onde
se pode ser feliz sem pedir muito. A partir daí o Pedro Arroja procurou uma
doutrina de liberdade que fosse eminentemente nacional e virou costas a um
pensamento liberal que ele considera, com razão, estrangeirado, como ele mesmo
era por essa altura.
O problema é que, por muito
que tenha procurado, não encontrou, na História e no pensamento político e
filosófico nacional, nada que verdadeiramente mereça muito mais do que simples
menções de pé de página de referências a doutrinas e a autores estrangeiros.
Existe um pensamento social e político verdadeiramente português? A resposta,
para mim que também pairo por essas águas, é claramente negativa. Herculano não
foi mais do que um seguidor de Tocqueville na sua crítica ao centralismo
francês, e o seu liberalismo admirava o modelo de vida da Inglaterra. Os homens
de 1820, por sua vez, seguiram, quase todos sem excepção, a cartilha francesa
do racionalismo cartesiano e do Abade de Sieyès. Fernando Pessoa foi um
pensador espasmódico, que tanto abraçou o liberalismo saxónico, como o
construtivismo republicano e o delírio esotérico sebastianista. No século XX,
não se produziu praticamente uma única linha de pensamento político português
original. E, naquele em que nos encontramos, as coisas são ainda piores.
O que ficou então, ao fim de
vinte e cinco anos? A inexistência de uma filosofia portuguesa que seja
merecedora do país notável que somos, apesar da fragilidade social em que
continuamos a viver. Desse ponto de vista, no Cataláxia, do Pedro
Arroja, continuamos a encontrar, ainda que vindas de fora, um conjunto de
ideias que nunca soubemos produzir e que nos podem ser, ainda hoje, de grande
utilidade. À falta de melhor, regressemos, então, a elas.
Título e Texto: Rui
A., Blasfémias,
5-5-2018
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