A simples leitura diária das
notícias tem nos mostrado a vasta variedade das manchetes no mundo político.
Encontramos de tudo, da última do malvadão-sem coração Trump ao inquilino mais
honesto da carceragem da Polícia Federal, passando pelo preso do momento da
Lava Jato ao dirigente esportivo pego com a mão na premiação. Embora algumas
notícias, esportivas e políticas, sejam mais relevantes que outras, há algumas
que por mais que não estejam na discussão do momento, são extremamente
preocupantes e merecem uma atenção redobrada.
Tem lá sua ironia uma
ex-esportista que agora estuda Ciência Política e escreve sobre política ser
contra a politização do esporte, mas acreditem: separar esporte e política é
tão importante quanto separar Estado e igreja ou governo e economia. A seleção
argentina de futebol, que cancelou um amistoso contra Israel em Jerusalém
depois de protestos de palestinos, ofereceu ao mundo na semana passada mais uma
triste e preocupante lembrança de como essa é uma mistura que nunca termina
bem.
Faço uma distinção óbvia entre
o direito de qualquer esportista de se manifestar politicamente, o que todos
têm direito de fazer (e sou a primeira a apoiar), e a invasão de agendas
político-partidárias em competições esportivas, dividindo um espaço reservado
para a união de atletas, torcedores, culturas, povos e nações. Tenho certeza de
que o saudoso Barão de Coubertin, pai dos Jogos Olímpicos da era moderna,
revira no túmulo toda vez que o espírito olímpico é sequestrado por políticos
oportunistas, dirigentes esportivos e atletas desmiolados, induzidos ou mal
informados, que usam competições esportivas, território pacificador, como arma
puramente política.
Em 2016, dois dias antes da
abertura dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, numa cerimônia que contou com a
presença de oficiais brasileiros e israelenses, o Comitê Olímpico Internacional
lembrou com honras os onze israelenses assassinados por terroristas palestinos
na Olimpíada de 1972, em Munique. Foi também na Olimpíada do Rio que o judoca
egípcio Islam El Shehaby, após ser derrotado pelo israelense Or Sasson, negou o
cumprimento ao adversário numa abjeta demonstração de intolerância. Sasson acabou
conquistando o bronze na categoria e Shehaby foi desligado dos jogos, mas o
fantasma do preconceito não foi exorcizado junto com ele. É preciso fazer mais.
A Olimpíada mais manchada pela
política e pelo racismo foi, sem dúvida, a de 1936. Tudo foi preparado pela
Alemanha nazista como uma oportunidade para mostrar ao mundo a “superioridade
ariana”, mas quem entrou para a história foi evidentemente o negro americano
Jesse Owens e suas incríveis quatro medalhas de ouro no atletismo. O espírito
maligno de 1936, infelizmente, não foi enviado em definitivo para o
esquecimento junto com os promotores daquele evento.
A recente recusa da seleção
argentina de futebol de disputar um amistoso com o time israelense,
independente de qual lado se está em relação aos conflitos no Oriente Médio, é
uma afronta ao esporte internacional e seu espírito, e merece todo repúdio.
Disputar uma partida de futebol não é necessariamente concordar com a política
externa de Israel, mas a recusa de entrar em campo é uma ofensa ao povo da
única democracia da região e um aceno para a mais pura intolerância.
Imperdoável.
A atitude dos jogadores e
dirigentes argentinos é ainda mais simbólica quando se lembra das relações
históricas da Argentina peronista com o nazismo e como o país foi um dos
destinos preferenciais de fugitivos da Alemanha no pós-guerra. O mais famoso
dos réus de Nuremberg e um dos principais arquitetos do Holocausto, Adolf
Eichmann, foi capturado em Buenos Aires onde vivia tranquilamente com a
família. Não foi um fato isolado.
Em 1992, um atentado suicida
contra a embaixada de Israel em Buenos Aires deixou 30 mortos e 242 feridos. A
tragédia foi reivindicada pela Organização da Jihad Islâmica, grupo terrorista
ligado ao Irã e ao Hezbollah. Dois anos depois, o maior atentado já ocorrido em
solo argentino: um carro-bomba colocado na frente da associação israelita AMIA,
novamente em Buenos Aires, matou 85 pessoas e feriu outras 300.
Os dois atentados antissemitas
estão entre os episódios mais controversos da Argentina. Depois de duas décadas
de denúncias de encobertamento das investigações, o promotor Alberto Nisman,
notório por comandar as investigações do atentado contra a AMIA e denunciar as
ligações do governo iraniano com os autores, além do acobertamento dos terroristas
pelo governo Kirchner, foi encontrado morto em sua casa em 2015 com um tiro na
cabeça.
Nisman foi morto poucas horas
antes de comparecer ao Congresso argentino para dar detalhes sobre a acusação
de que Cristina Kirchner protegia os terroristas. O assassinato de Nisman é
visto como um dos maiores escândalos argentinos e promete assombrar a justiça
do país pelos próximos anos. Novamente, os antissemitas e seus alegados
protetores conseguiram escapar da justiça, ao menos até o momento. É possível
que Eichmann também tivesse escapado se não fossem os caçadores de nazistas do
pós-guerra.
Na Copa da França em 1998, o
mundo ficou sem respirar diante do confronto entre dois inimigos políticos que,
por ironia do destino, foram sorteados para dividir a mesma chave F da
competição, EUA e Irã. O medo da hostilidade entre torcidas ou uma saia justa
diplomática em campo era tão grande, que o presidente da Federação Americana
chamou, na época, a partida de “a mãe de todos os jogos” e declarou que
esperava que as seleções mostrassem ao mundo o verdadeiro espírito esportivo. O
presidente da Federação Iraniana, por sua vez, oportunamente pediu que todos os
jogadores iranianos entrassem em campo segurando rosas brancas.
A seleção iraniana venceu o
duelo por 2 x 1 e o medo de que as animosidades políticas entrassem em campo
deu lugar a uma partida comovente e com direito a uma foto histórica entre os
jogadores de ambos os times abraçados. O esporte no seu melhor papel, como
protagonista, e sendo usado como tem que ser, uma bandeira branca de trégua e
esperança.
A paz e a tolerância,
mostradas na Copa de 98 entre EUA e Irã, perderam com o cancelamento do
amistoso em Jerusalém. Desconheço a posição de Maurício Macri, atual presidente
argentino e ex-presidente do Boca Juniors, sobre o episódio, mas estou torcendo
para que ele entre em campo e desfaça mais essa mancha na triste história que
envolve a Argentina com o antissemitismo. Seria um golaço. O espírito esportivo
e a paz agradecem.
Título e Texto: Ana Paula Henkel, O Estado de S. Paulo, 12-6-2018
Na Olimpíada de 1936 os americanos de Jesse Owens foram derrotados e envergonhados porque os "arianos nazistas" ganharam 89 medalhas e os inferiores panacas ianques ganharam só 56 medalhas!Então não significa que na Olimpíada de 2016 no Rio onde o brasileiro Isaquias Queroz que ganhou TRÊS Medalhas aí esmagou os outros "inferiores"!!! Blá, blá, blá de mentiras holocau$tica$!!!
ResponderExcluirPor mais provas que tenha uma olimpíada, as 4 provas do atletismo masculino sempre foram as medalhas cobiçadas:
ResponderExcluir0,3 segundos nos 100 metros rasos; 8 metros e 5 centímetros no salto em distância; 20,7 segundos nos 200 metros rasos; e 39,8 segundos na corrida de revezamento 4x100 metros. Foi com esses números que o atleta Jesse Owens triunfou sob os bigodes de Adolf Hitler durante as Olimpíadas de 1936, em Berlim. O negro dos Estados Unidos subiu ao ponto mais alto do pódio nas provas de 100 metros rasos, salto em distância, 200 metros rasos e corrida de revezamento 4x100 metros, provando para o ditador que a tal supremacia física e intelectual ariana só existia em sua cabeça doentia. Não bastassem as medalhas douradas, ainda estabeleceu recordes mundiais nos 200 metros e no salto em distância.
Essa a grande humilhação de 1936.