Generoso e abnegado leitor,
leia a diatribe deste senhor “professor de Direito da Universidade do Porto” e
chegará ao verdadeiro objetivo do autor, expresso no último parágrafo: atacar o
candidato presidencial, Jair Bolsonaro, apondo-lhe os insultos de praxe
seguindo a Lei de Godwin. Mas o pior está no ‘insulto’ que o candidato é
negacionista do Holocausto!! Escreve isto, sem comprovar, como se escrevesse “fui
à feira comprar tomates”... Repugnante!
Não tem qualquer competência o juiz Sérgio
Moro para tentar “revogar” o despacho de um juiz de um tribunal
hierarquicamente superior, no que é uma violação frontal do princípio da
independência da judicatura.
André Lamas Leite
No domingo escreveu-se uma das
mais tristes páginas da Justiça brasileira. A alucinante sucessão de despachos
judiciais impõe um breve resumo do sucedido: o juiz que estava de escala no
TRF-4 (Tribunal Regional Federal – 4.ª Região), Rogério Favreto, recebeu um
pedido de habeas corpus impetrado por três deputados do Partido dos
Trabalhadores (PT), mais tarde reafirmado por novos requerimentos. Entendendo
ser sua a competência para decidir, concedeu provimento a esta petição
extraordinária, de vetusta antiguidade, nascida no Direito inglês, e que visa
restituir à liberdade quem se encontre ilegalmente detido ou preso. Note-se que
se não trata de qualquer tomada de posição quanto à justeza ou não da
condenação de qualquer recluso, mas simplesmente uma medida que visa restituir
a legalidade em situações extremas em que está em causa a violação do direito
fundamental individual da liberdade de locomoção.
No rigor dos princípios, este
juiz tinha toda a competência para tomar a decisão, pois o habeas corpus tem,
em qualquer ordenamento jurídico, carácter de processo urgente. Donde, não é
verdade que o juiz de turno tivesse ou não a liberdade de decidir. Estava
vinculado à decisão. Outra coisa diferente é saber se havia motivo
juridicamente fundado para o fazer. A Constituição Federal do Brasil, de 1988,
garante, como em qualquer Estado de Direito, que o início de cumprimento de
qualquer pena só pode ocorrer após o respectivo trânsito, ou seja, quando o
decidido não mais seja impugnável por via de recurso ordinário. Ora, sabe-se
que Lula da Silva tem ainda pendente um recurso para um tribunal superior, pelo
que tenho por materialmente inconstitucional a anterior decisão do Supremo
Tribunal Federal (STF) que havia denegado idêntico pedido pouco tempo antes de
o ex-Presidente ter ingressado no estabelecimento prisional. A justificação
para que tal tenha ocorrido prende-se com um entendimento jurisprudencial no
sentido de que, tendo havido duas decisões confirmatórias de tribunais
superiores após uma decisão em 1.ª instância, o cumprimento da sanção penal
pode iniciar-se. Sabe-se ainda que a Ministra relatora dessa decisão, Cármen
Lúcia, não patrocina tal entendimento, mas achou por bem seguir a posição
maioritária no STF.
Donde, compulsado o art. 5.º,
inciso LXVIII, da Constituição, que garante o direito à liberdade, bem como o
inciso LVII, onde se lê que «ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória», dúvidas se me não oferecem que Lula
está em cumprimento inconstitucional e ilegal de pena de prisão, pelo que só
deveria ter recolhido ao estabelecimento em que se encontra após o esgotamento
de todas as vias recursórias. Assim, não tenho dúvidas que ao “juiz
plantonista” assiste toda a razão jurídica. Mas, no Brasil, como em outros
Estados, cada vez mais se não consegue deslindar onde acaba a política e começa
a Justiça, dado que este magistrado tem conhecidas ligações ao PT e não foi
ingénuo o momento exato, poucas horas depois de o mesmo iniciar o seu turno, a um
domingo, que o pedido de habeas corpus foi deduzido. Não tem qualquer
competência o juiz Sérgio Moro para tentar “revogar” o despacho de um juiz de
um tribunal hierarquicamente superior, no que é uma violação frontal do
princípio da independência da judicatura e que deve ser sancionado pelo
respectivo órgão disciplinar dos magistrados judiciais brasileiros. Se isto já
parece tirado de um filme de terror jurídico, mais ainda o é o apelo à
manifestação do Povo nas ruas, arvorando-se Moro num super-herói sem mandato,
extravasando por completo as suas competências.
O juiz titular do processo, no
TRF-4, João Pedro Gebram Neto, podia, como fez, revogar a decisão do juiz de
turno, o que, em bom rigor, só deveria acontecer quando terminasse o “plantão”
do colega. Todavia, compreende-se que, sob pena de existir uma libertação e uma
nova detenção, com ainda maior desprestígio para a Justiça brasileira, o mesmo
tenha revogado a decisão. Tudo isto se evitaria se se tivesse respeitado a
Constituição, a qual não admite outra leitura que não seja a de que Lula se
encontra numa espécie de “cumprimento antecipado de pena”, o que nos faz rasgar
todos os manuais de Direito Constitucional, Penal e Processual Penal. Em bom
rigor, por isso, entendo que a decisão do juiz de turno é juridicamente correta,
o que já não sucede com a decisão agora vigente do desembargador titular do
processo, que reafirmou a posição, quanto a mim errada do STF.
As ilações políticas são
inevitáveis e não adianta dizer que estamos a assistir ao normal funcionamento
do Direito. Os princípios basilares do rule
of law estão a ser vulnerados, seja Lula ou outro brasileiro qualquer, por
um indefensável entendimento do STF. Quando a Justiça se não dá ao respeito e
não salvaguarda o reduto das suas competências por via de argumentações
solidamente sustentadas no Direito – e apenas nele –, é natural existirem
extrapolações de politização dessa mesma Justiça.
Um país que não respeita a sua
Lei Fundamental descaracteriza-se e abre crises gravíssimas de desfechos
imprevisíveis. Uma última nota: não se me afigura possível, atento o disposto
na chamada “Lei da Ficha Limpa”, que Lula da Silva possa candidatar-se às
eleições presidenciais sem que exista, antes do termo da apresentação das
candidaturas, uma decisão final absolutória. Essa é a sua única hipótese,
juridicamente falando, de enfrentar o julgamento do voto popular. Tudo o mais
são efabulações e jogadas políticas de um Estado polarizado entre os “petistas”
e os “anti-petistas”. E Bolsonaro, um político
que, digamo-lo com todas as letras, patrocina ideais fascistas, é o único a
assistir de camarote e a bater palmas ante o atarantamento da Justiça
brasileira. Lula e Dilma terão muitos defeitos, mas um político de
extrema-direita, negacionista do
Holocausto, com tomadas de posição xenófobas, racistas, machistas e contra os
direitos das minorias, só pode conduzir o Brasil a algo parecido a uma
ditadura militar, ainda que disfarçada, de tão má memória desse e deste lados
do Atlântico.
Título e Texto: André Lamas Leite, Professor da Faculdade
de Direito da Universidade do Porto, Público,
9-7-2018
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