SE
EU TIVESSE DINHEIRO, faria uma viagem ao redor do mundo, do meu mundo
particular e, depois, voltaria correndo à realidade, não do meu mundo, mas do
planeta que gira descontroladamente do lado de fora de mim mesmo. Declamaria
versos de cordéis de um poeta cearense batizado Jesus Sindeaux, que, como buen hijo de su tierra, no duda em cantar
sus composiciones al que las quiera escuchar. Em seguida, roubaria uma das
mais de cem pedras gigantes do famoso Lajedo de Pai Mateus, plantado no Sertão
do Cariri, em Cabaceiras, a mais ou menos duzentos quilômetros de João Pessoa e
colocaria como se fosse um troféu na entrada do meu condomínio.
Se eu não
tivesse medo de entrar num avião, iria conhecer Chinatown, onde viveu minha
namorada Débora, desde os cinco anos, um bairro oriental fora da Ásia, com suas
ruelas apinhadas de vendedores, letreiros, que misturam inglês com mandarim e
restaurantes típicos de cada canto do país de origem. Abraçado a ela, entre
beijos e abraços, rumaríamos para o Columbus Park, bem cedinho, logo assim que
acordássemos para nos encantarmos com uma música suave, casi de meditación, que acompanã a los practicantes de tai chi chuan.
Se fosse
solteiro, nos meus pés não faltariam mulheres bonitas do tipo da Sabrina
Petráglia ou da Isis Valverde. Se eu fosse casado, seria fiel às minhas esposas
e infiel a uma das amantes. Claro que levaria a todas (uma de cada vez) para um
passeio de chalana pelo Corixo São Domingos. De repente, se me desse na veneta,
jogaria uma delas (ou todas, quem sabe?!) entre meio as águas cheias de
piranhas desse suntuoso paraíso. Depois
me esconderia na fronteira da Argentina com o Chile, entre as Torres Gêmeas do
Parque Nacional del Paine e por lá ficaria entocado até que me desse na veneta
de voltar.
Se eu não
fosse viciado em cigarros, guardaria dinheiro para comprar uns maços
clandestinos no Paraguai e vender para otários fora do Paraguai. Se fosse bom
de bola, ou se soubesse chutar com precisão, acertaria a cabeça do Belgo, o
filho de um vizinho meu, que já me quebrou o vidro do para-brisa do meu carro
no estacionamento na garagem por duas vezes consecutivas. Acaso desse problema
com os pais, fugiria feito cachorro assustado para o Jalapão, em Tocantins e
por lá me acalmaria até à próxima colheita do capim dourado.
Se soubesse
dirigir, compraria uma bicicleta elétrica igual as que rodam por toda Tel Aviv
e levaria a Glorinha, do seu Moacir, para dar uma volta no quarteirão. Se
soubesse brigar, dava uma tremenda porrada na cara do português da padaria e
outra na fuça do Pedrão da quitanda. No português da padaria, porque fabrica
uns pães duros que não deveria vender, mas dar para a mãe dele. No Pedrão
porque gosta de bancar o esperto e vender nabos estragados nas feiras de
domingo, como se fossem fresquinhos. Fresquinho, todos nós sabemos, é o filho
do Berredo que, às escondidas, senta no pepino do filho do Moacir da Mercearia
e morde a cenoura do Julinho, enteado do seu Calisto, da barbearia.
Se pudesse
voar, voaria no pescoço da Cléo, uma vizinha gostosa pra chuchu, que anda
pelada em seu apê, fazendo umas poses sensuais diante de um espelho em formato
de coração. Outro dia, de sacanagem, ela telefonou para a polícia, alegando que
me flagrara dando ‘uns amassos’ numa boneca inflável que eu trouxera de um
camelô da ‘Vinte e cinco de março’, enquanto espiava para o interior da
residência dela, por detrás dos olhos atentos das cortinas. De contrapeso, se eu não fosse medroso, teria
escapado de passar uma noite inteirinha na delegacia. Atalhava pelo alpendre do
meu apartamento que fica situado no décimo andar e varava no contíguo do meu
amigo Sinfrônio e deixava os babacas da lei batendo com seus focinhos e insígnias
da Civil no corredor a minha espera.
Se eu fosse dono de... meu Pai Eterno,
se eu fosse dono de mim... passaria os cinco dedos em meu coração e juntaria
meus trapinhos velhos com as calcinhas fogosas da Tieta (não a ‘do agreste’, de
Jorge Amado, ou a ‘cansada de guerra’, do mesmo autor). Sairia da vista de
todos, com meu banquinho de pai de santo fajuto e promoveria no cemitério de
São João Batista, perto daqui de onde moro, um festival de músicas sertanejas
para defuntos famosos recém-chegados. Gritaria ‘eu te amo’ para a Jéssica, uma
jovem que faleceu semana passada, vítima de uma bala perdida (que ela achou não
se sabe como) na favela da Rocinha. O meu problema, porém, é que as calcinhas
da Jéssica foram doadas para o Centro de Captação de Recursos Retiro dos
Artistas, em Jacarepaguá. Até onde sei, essas lingeries com as quais ela
desfilava mostrando, ‘entre aspas’, seus dotes magnânimos, estão com os pneus
arreados pelas cuecas incansáveis do Toni Ramos.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, jornalista. De Assis, Estado de São
Paulo. 3-8-2018
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São tantos "se"já virou moda,quem nunca ficou na dúvida se vai ou fica,ou se eu pudesse,ou se eu tivesse enfim sempre haverá essa expectativa, sempre haverá um motivo para tantos "se" ate que chega um momento que tudo fica cruel e você desiste do se.Parabens ótimo texto
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