domingo, 12 de agosto de 2018

Brasil marcha trôpego rumo às urnas

José Augusto Filho

Capturadas por uma elite exclusivista entrincheirada no poder há séculos e sem vontade de se autorreformar, as frágeis instituições do Brasil indicam que o país continuará a ser um gigante adormecido.

Ilustração: Amarildo
Está aberta a temporada de caça ao voto. Tal como acontece a cada dois anos no Brasil, sua excelência, o eleitor, converte-se no centro das atenções da classe política. Após as convenções realizadas no domingo, 5 de agosto, o cenário do pleito que vai escolher o novo presidente, governadores, deputados e senadores apresenta-se mais definido, muito embora a crise política que assola o país desde 2014 não dê mostras de arrefecimento. Ao contrário, a calculada pressão imposta pelo ex-presidente Lula da Silva, que mesmo preso numa cela na Polícia Federal de Curitiba parece ter capturado o debate eleitoral, pinta um quadro de insegurança jurídica e debilidade institucional.

Do mesmo modo, o instinto de autopreservação de antigas lideranças não permitiu que o cataclismo que balança a elite política brasileira, distinguida pela incompetência e corrupção de seus membros, fizesse surgir um conjunto renovado de práticas e princípios voltados para o bem comum. Ameaçado pela sequência de escândalos, o sistema tratou de isolar o avanço de possíveis alternativas. Sobrou para o eleitor um cardápio pouco diversificado e sem novidade. Apesar das treze candidaturas postas, número elevado e somente superado pelas vinte e duas da corrida presidencial de 1989, sem surpresas, a verdadeira disputa poderá ser resumida a não mais que três chapas.

Ameaçado pela sequência de escândalos, o sistema tratou de isolar o avanço de possíveis alternativas. Sobrou para o eleitor um cardápio pouco diversificado e sem novidade.

A liderar as sondagens de intenção de votos, o encarcerado Lula da Silva é um candidato cuja sorte será decidida pelos tribunais. A estratégia do ex-sindicalista consiste em postergar ao máximo a composição final da chapa do seu Partido dos Trabalhadores (PT), que hoje tem o ex-prefeito da cidade de São Paulo Fernando Haddad como vice. Enquanto a impugnação final de Lula da Silva não acontece em decorrência da Lei da Ficha Limpa, que impede condenados em segunda instância de se candidatarem, a determinação é sustentar a narrativa de que eleição sem o ex-presidente é ilegítima. O cálculo do petista é esticar esta corda ao máximo.

Durante o tempo em que Lula da Silva for o cabeça de chapa, seu substituto e ungido Fernando Haddad, derrotado em 2016 quando tentava se reeleger prefeito de São Paulo, permanece blindado das críticas dos adversários. E o mais importante, Lula da Silva se manterá firme na condição de perseguido e preso político, num reforço ao estatuto de vítima, que, entretanto, não passa de um político condenado por corrupção e branqueamento de capitais. A fratura criada pelo petista, responsável pela divisão da sociedade brasileira em dois polos antagônicos (os contra e os a favor de Lula da Silva), fragiliza ainda mais as instituições do país.

A fratura criada pelo petista, responsável pela divisão da sociedade brasileira em dois polos antagônicos (os contra e os a favor de Lula da Silva), fragiliza ainda mais as instituições do país.

Os constantes ataques frontais ao Judiciário, que insiste em manter presa, nas palavras do petista, “a alma mais honesta do país”, apesar das dezenas de recursos impetrados por uma numerosa e cara equipa de advogados, tem o propósito de obstaculizar a normalidade do processo eleitoral. A estratégia da defesa para soltar o seu cliente por vezes se sobrepõem à da campanha eleitoral. A candidatura de Lula da Silva é uma farsa e seu partido e aliados sabem disso. Mas imoralmente levam-na adiante, e mantêm o Brasil refém de um líder supremo, avesso à democracia, e de seus sequazes sem proposta alguma para resolver os enormes problemas econômicos e sociais que afligem o povo brasileiro.

Exclusivamente em nome de um projeto de poder, o PT e seus partidos satélites se unem para impedir que o país caminhe para superar a pior recessão de sua história. Crise legada pelo lulopetismo, que, desalojado da Presidência, tenta transferir para o atual governo a responsabilidade do desastre gestado nos anos em que esteve no poder. (Os treze milhões de desempregados são apenas o aperitivo do banquete dos aloprados). Contudo, se o prejuízo material é uma lembrança amarga da governação de Lula da Silva e seus “postes” (políticos inexpressivos eleitos pela sua unção messiânica, a exemplo de Dilma Rousseff e Fernando Haddad), a herança do exemplo moral não poderia ser pior.

Lula da Silva não abre mão de ser a síntese da liderança daquilo que chamam de campo progressista ou de esquerda. De dentro do cárcere, comandou a máquina política do PT para desidratar candidatos que poderiam aglutinar a representação daquelas forças políticas.

Uma perfeita encarnação de “Macunaíma, O Herói Sem Nenhum Caráter”, personagem e qualificação que dão nome à obra modernista do escritor brasileiro Mário de Andrade, Lula da Silva não abre mão de ser a síntese da liderança daquilo que chamam de campo progressista ou de esquerda. De dentro do cárcere, comandou a máquina política do PT para desidratar candidatos que poderiam aglutinar a representação daquelas forças políticas. Assim, o ex-governador do Ceará Ciro Gomes, que tinha chances reais de ir ao segundo turno, foi isolado. Sem apoios nem estrutura de campanha, terá papel secundário na primeira volta.

Mais fácil ainda, à comunista Manuela D’Ávila bastou um “estalo de dedos” para que o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), sempre fiel e submisso às ambições do chefe maior, desistisse de sua candidatura e passasse a sonhar com a promessa de ser vice-presidente numa chapa encabeçada por Lula da Silva ou Haddad. Enquanto os tribunais não decidem o futuro da chapa petista, os aliados fazem ouvidos moucos e seguem pacientemente à espera das ordens que vêm de uma cela em Curitiba.

Ao centro e à direita
Outra candidatura que tem todos os instrumentos políticos tradicionais para crescer é a de Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo e do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), de Fernando Henrique Cardoso. Alckmin conseguiu costurar uma enorme aliança envolvendo os partidos do chamado “centrão”, cujos deputados dão sustentação ao governo de Michel Temer e operam na lógica do “toma lá, dá cá”. Se de um lado o presidenciável pode ver colado à sua imagem o fisiologismo de políticos condenados pela Justiça e que fizeram parte da base de apoio dos governos petistas, de outro ganha capilaridade de campanha. O “centrão” tem os pés fincados em todo país, além de conceder a Alckmin o privilégio de ostentar mais da metade do tempo da propaganda obrigatória no rádio e na televisão.

Em um país de dimensões continentais, ter estrutura de campanha em cada cidade e poder dividir palanque com lideranças locais é garantia de se fazer representar em lugares onde o candidato não tem presença física. Outro ponto a favor de Alckmin está assente na escolha do candidato a vice, neste caso uma mulher. Além de ser um atrativo para o público feminino, a senadora gaúcha Ana Amélia, conhecida por confrontar fortemente as vicissitudes de petistas e aliados, pertence a um importante estado onde o socialdemocrata é fraco, o Rio Grande do Sul. Sobre o alargamento do tempo de propaganda, vale ressaltar que mais da metade da população brasileira usa a televisão como principal meio de informação.

O generoso espaço na mídia será importante também para Alckmin proteger o seu imenso telhado de vidro. O socialdemocrata certamente será instado a explicar as pesadas denúncias que recaem sobre si e o PSDB, partido que governa o estado de São Paulo há cerca de 20 anos.

Em outra dimensão, o generoso espaço na mídia será importante também para Alckmin proteger o seu imenso telhado de vidro. O socialdemocrata certamente será instado a explicar para o eleitor as pesadas denúncias que recaem sobre si e o PSDB, partido que governa o estado de São Paulo há cerca de 20 anos. Acusações de corrupção, como o Trensalão, a Máfia da Merenda Escolar, além de aparecer na lista do Petrolão (Alckmin recebeu o nome de “Santo”), certamente serão utilizados pelos adversários para tentar desconstruir sua candidatura. Não menos grave, Alckmin, assim como o PSDB, fizeram vistas grossas com todos os desvios de conduta do senador Aécio Neves, candidato derrotado em 2014 por Dilma Rousseff e gravado ameaçando matar o próprio primo encarregado de receber dinheiro sujo em seu nome, caso ele delatasse o esquema de corrupção. Alckmin vai precisar ser muito convincente.

Uma terceira via a tentar quebrar a bipolaridade entre PT e PSDB, que persiste desde 1994, tem no deputado Jair Messias Bolsonaro um player que pode se aproveitar do desgaste ao qual a classe política foi submetida nos últimos anos. Muito embora não seja um outsider, o capitão reformado do Exército está no seu sétimo mandato na Câmara dos Deputados, e encarna o desejo de mudança, a ruptura com a velha política. Com um discurso conservador, que resgata os valores da família e religião, em sondagens sem o nome de Lula da Silva, o insólito parlamentar lidera a preferência do eleitor. Bolsonaro arrebanhou um cidadão médio, de perfil tradicional, que sempre existiu no Brasil, mas que estava carente de representação e se contentava em votar na socialdemocracia de Cardoso.

Uma chapa na qual prepondera o perfil militar dos integrantes (Bolsonaro e Mourão) tem seu alcance eleitoral reduzido num país culturalmente diversificado e desconfiado devido ao longo regime de exceção vivido em passado recente.

Contudo, o crescimento da candidatura do capitão pode esbarrar na própria natureza do perfil da sua chapa, que tem como candidato a vice-presidente o general da reserva Hamilton Mourão. Uma chapa na qual prepondera o perfil militar dos integrantes tem seu alcance eleitoral reduzido num país culturalmente diversificado e desconfiado devido ao longo regime de exceção vivido em passado recente. Outro ponto desfavorável de Bolsonaro reside na precária estrutura de campanha. Filiado ao nanico Partido Social Liberal (PSL), não dispõe nem de tempo de propaganda nem de fundos de financiamento de campanha. Isolada e sem dinheiro, é pouco provável que a campanha de Bolsonaro, ancorada essencialmente na internet, tenha força para competir com as máquinas políticas tradicionais do PT e do PSDB.

Mais do mesmo
Por manter um sistema que privilegia as grandes estruturas partidárias, refratário à renovação e a substituição de antigos caciques por lideranças capazes de arejar a atmosfera política do Brasil, não será surpresa a repetição da bipolaridade PT versus PSDB. Juntas, as duas siglas exibem a fama nem um pouco invejável de ter seus principais dirigentes envolvidos em escândalos de corrupção. Da mesma forma, dividem a maior fatia do fundo partidário e do fundo eleitoral, repassados pelo Tesouro Nacional proporcionalmente ao número de representantes eleitos de cada agremiação. Hoje, o bolo resultado da soma das duas rubricas alcança os incríveis 2,7 mil milhões de reais, algo próximo a 620 milhões de euros, no câmbio atual. No Brasil, doação por parte de empresas foi proibida por lei a partir de 2016.

Não será surpresa a repetição da bipolaridade PT versus PSDB. Juntas, as duas siglas exibem a fama nem um pouco invejável de ter seus principais dirigentes envolvidos em escândalos de corrupção.

Garantida a reserva de mercado, cabe às grandes legendas, protegidas por um arranjo institucional, acionarem as alavancas de campanha. Este cenário permite aos candidatos do PT e do PSDB serem facilmente lembrados pelo eleitor, sobretudo numa disputa mais curta como a eleição deste ano, cujo tempo de campanha foi reduzido em 1/3 em comparação aos pleitos anteriores. Muitas vezes confuso devido à profusão das 35 siglas disponíveis, comodamente, o cidadão opta por votar em candidatos nos quais já tem o mínimo de conhecimento. A impermeabilidade estrutural é um obstáculo quase intransponível aos novatos no jogo eleitoral. Assim, a disputa tende a caminhar de acordo com o ritmo ditado por Lula da Silva, que mesmo encarcerado quer fazer do pleito deste ano uma eleição plebiscitária sobre o “lulopetismo”.

A depender do ordenamento do sistema político, o petista pode lograr mais esta vitória. Ainda que seu nome não esteja na urna, o candidato indicado por ele será herdeiro do seu ativo político e terá Geraldo Alckmin do PSDB como adversário numa provável segunda volta. É evidente que o cenário eleitoral de momento pode ser alterado. A menos de dois meses da votação, sondagens apontam uma percentagem expressiva de indecisos. Em alguns estados, o número de eleitores que ainda não têm candidato chega a 40%. Entretanto, sem muita margem para surpresas, o jogo eleitoral tende a favorecer aqueles que têm mais capital político.

Enquanto os votos não caem na urna, cabe uma reflexão sobre as instituições brasileiras. De acordo com a pesquisa de Acemoglu e Robinson, didaticamente exposta no livro “Porque Falham as Nações”, o segredo da riqueza e da pobreza dos países reside na natureza das suas instituições, e estas são determinadas pela política. Capturadas por uma elite exclusivista entrincheirada no poder há séculos e que mostra pouca ou nenhuma vontade de se autorreformar, as frágeis instituições do Brasil são um indicativo de que o país deve continuar um gigante adormecido por muitos anos. Pesadelos não estão descartados, principalmente enquanto políticos desvairados, a exemplo de Dilma Rousseff, ocuparem a cadeira da Presidência.
Título e Texto: José Augusto Filho, Observador, 12-8-2018
Jornalista e doutorando em Ciência Política e Relações Internacionais no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa. Pesquisa os desafios do multilateralismo liberal no presente contexto de transformação da ordem mundial.

Um comentário:

  1. O nosso doutor olha, mas vê muito pouco.
    Centra-se quase exclusivamente num partido e esquece o desastre que ele trouxe ao Brasil.
    Hoje a comunicação passa pela internet. Bolsonaro é muito mais do que uma mudança. Ele sintetiza as esperanças de modelos governativos corruptos, pró-comunistas, pró-socialistas, pró-narcotráfico e pró-crime, de que a maioria dos brasileiros, está cansada.

    A propaganda em torno de Lula é mais do mesmo. Uma propaganda alimentada por dinheiros sujos e apoiada por cubanos e similares.

    Lula é a síntese de um modelo governativo que levou o Brasil à estagnação e que, ainda que copiando soluções de uma Europa falida, tinha os dias contados.

    Todos julgam muito acertado dar dinheiro a rodos e publicitar que se tiraram milhões da miséria (alguns até dizem que se tornaram classe média), mas os custos crescentes, os impactos econômicos e a falta de capital para investimento, transformam trabalhadores em subsídio-dependentes, certos para o voto, mas com perspectivas muito reduzidas para o futuro.

    Fernando Fernandes

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