Helena Matos
A Vogue diz que na próxima estação as
sobrancelhas serão finíssimas. Nós antecipamos as tendências da política: vai
usar-se o fascismo obrigatório e o básico dos básicos continuará a ser o
"Bloco quer"
O Bloco quer. A 12 de Agosto
tivemos o Bloco quer criar tribunais exclusivos para julgar violência doméstica. A 15 o BE saúda retirada de convite a Le Pen mas aponta falta posição do Governo e CML e
a 17 BE quer penalizar empresas com maior desigualdade salarial.
Digamos que é muito querer
para quem conta
com tão poucos votos! Contudo, basta
o BE querer para que logo todos nos sintamos obrigados a querer o mesmo. Caso incorramos
na heresia da discordância rapidamente percebemos que a vontade do Bloco será
realidade. Quer queiramos quer não.
A outra característica do
dogma “Bloco quer” é que nunca se pergunta: o que pretende o Bloco com tanto
querer? Apresentadas invariavelmente como virtuosas – quem é capaz de se dizer
contra o combate à desigualdade ou à violência doméstica? – as propostas do
Bloco não resolvem problema algum, mas, e para isso é que elas servem,
acrescentam esse conglomerado ideológico de regulamentos e multas aplicados por
comissões e comissariados que ninguém escrutina e cujos poderes não cessam de
crescer. Por exemplo, a quem serve a criação de tribunais exclusivos para
julgar violência doméstica? E para quê tribunais especiais para a
violência doméstica e não para a violência nos assaltos?…
Quanto à penalização das
empresas com maior desigualdade salarial que sucedeu à penalização das empresas
que recorrem a contratos a prazo que por sua vez sucedeu à luta contra
a segregação ocupacional que como sabemos substituiu a
luta contra a disparidade salarial entre géneros … digamos que é um
clássico da chamada doutrina Robles: a casta faz o que quer, vive como lhe
apetece e retira todas as vantagens proporcionadas pelo regime que diz
abominar. Esse seu estatuto privilegiado é mantido através da manutenção
de um estado de luta constante contra inimigos públicos periodicamente
revistos e atualizados: fascistas, capitalistas, machistas, racistas, patrões
exploradores, senhorios…
Reservado o direito de
admissão. Varoufakis em Lisboa? Claro que sim e com direito a lugar de honra no
desfile do 25 de Abril de 2018. Entrevistas de fundo e fotografias com glamour.
Sim, estamos a falar do mesmo Varoufakis que enquanto ministro das Finanças pirateou os dados dos contribuintes gregos e do seu próprio ministério. Também podíamos falar
de Jeremy Corbyn cujos parceiros de conferências em Portugal não se mostraram
até agora inquietos com o antissemitismo de Corbyn, um antissemitismo que o
levou a participar em atos tão questionáveis quanto uma homenagem aos
terroristas que durante os Jogos Olímpicos de Munique de 1972
assassinaram os atletas da delegação de Israel depois de os terem torturado
sadicamente (note-se que a participação nesta homenagem não foi um disparate da
juventude do senhor Corbyn mas sim um ato político de um político mais que
maduro).
Corbyn e Varoufakis são apenas
dois nomes na imensa lista de pessoas de pensamento e atos muito questionáveis
que vieram a Portugal defender os seus pontos de vista sem que alguém pusesse
em causa esse seu direito. Quem não pode vir a Lisboa é a Marine Le Pen, pois
caso o seu nome se mantivesse entre os oradores da Web Summit era mais que
certo a ocorrência de problemas.
Não sei se os organizadores da
Web Summit sabiam qual o tema que Marine Le Pen iria abordar. Creio, contudo,
que é da maior atualidade ouvir a líder da extrema-direita francesa falar sobre
a participação dos extremistas nos governos a reboque dos partidos do centro.
Entendamo-nos, Marine Le Pen só não chegou ao Eliseu porque em 2012 e 2017 os
gaullistas não aceitaram fazer uma geringonça de direita. Ou seja, se em 2012
Sarkozy ou em 2017 Fillon tivessem feito um pacto com Marine Le Pen nem
Hollande nem Macron teriam sido eleitos. Mas a direita francesa não quis
aliar-se à extrema-direita. Percebido? Interessante será também ouvir o que tem
Marine Le Pen a dizer sobre a emigração portuguesa em França. Aos mais
inebriados com o rótulo de anti-imigração que é colado a Marine Le Pen convirá
recordar que nas eleições regionais que tiveram lugar em França no ano de 2015
um quarto dos candidatos luso-descendentes concorreu pelo partido chefiado pela
mulher que agora foi desconvidada a vir a Lisboa.
(Note-se que o conceito de
anti-imigração é o sucedâneo do Natal que era quando um homem quisesse. Por
exemplo, declarar que há que investigar a atividade dos navios que como o
“Aquarius” se dedicam a recolher os migrantes largados pelas máfias do tráfico
na Líbia é ser-se anti-imigração, já o governo da Nova Zelândia proibir a venda
de casas a estrangeiros é uma medida de proteção dos cidadãos nacionais face à
especulação imobiliária).
Fascismo obrigatório. Neste
Outono não saia à rua sem ter à mão o seu fascista. Não sabe o que dizer numa
conversa? Diga “aquele fascista horroroso do…” Se não se lembrar de ninguém o
Trump serve sempre e vai ver que feita essa imprecação ao fascista de turno
torna-se logo numa pessoa informada. Mais a mais ninguém contraria os malucos
nem as pessoas que falam de fascismos e de fascistas pois de imediato se passa
a ser fascista e isso é que não pode acontecer de modo algum.
Na prática o “fascismo nunca
mais” tornou-se um “fascismo todos os dias”. Mesmo que ao contrário do que
acontece com os comunistas ninguém se diga fascista, ninguém se passeie com
camisolas com a cara do líder fascista da sua afeição e nenhuma organização fascista
tenha a capacidade de organizar algo equivalente à comunista Festa do Avante ou
ao acampamento de Verão do Bloco de Esquerda o perigo fascista está ao virar da
esquina. E tal como a revista “Vogue” antecipou na sua capa de agosto o retorno das sobrancelhas finíssimas eu antecipo que a cada dia que passa
mais fascistas andarão por aí pedindo o reforço da nossa vigilância, medidas
censórias, acusações, ódios fulanizados… Na verdade, o fascismo enquanto
fantasma tende a tornar-se obrigatório e omnipresente pois só assim os
marxistas nas suas diversas faces – comunistas, trotskistas, estalinistas e maoístas
– poderão continuar a não dizer que sociedade defendem, mas tão só a que
combatem.
(Sobre as sobrancelhas em
linha espero sinceramente que tudo não passe de um falso alarme!)
PS. Na linha do “Bloco
quer” também eu quero. O quê? Quero que à partida todos os crimes sejam
apresentados como tendo sido cometidos por padres católicos. Cansada que estou
de ler notícias sobre alegados ataques levados a cabo por alegados não identificados
que sofrem invariavelmente de transtornos psiquiátricos verifico com surpresa
que em matéria de crimes os únicos que não são alegados e estão seu perfeito
juízo são os padres. Acresce que se os padres forem os autores também não se
coloca o problema do discurso de ódio. Logo se fizermos de conta que os padres
católicos andam por essas ruas da Europa esfaqueando, incendiando carros e
agredindo já podemos falar do que está a acontecer na Suécia e se não for muito pedir dos
abusos sexuais de menores em Rotherham e Telford?
Título e Texto: Helena Matos, Observador,
19-8-2018
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