quinta-feira, 6 de setembro de 2018

De filho feio e brasileiro ninguém é pai

Gustavo Nogy

Vergonha na cara não é dos bens mais abundantes e distribuídos no Brasil.

Se em época de eleição tem político que aparece para inaugurar até a chegada da primavera, no desastre todo mundo some. Foi ele, foi o outro, foi aquele lá.

Nos Estados Unidos, os responsáveis teriam sido demitidos. No Japão, cheios de honra ferida, cometeriam suicídio. No Brasil, os culpados vão tomar Chicabon.

A destruição do Museu Nacional, entretanto, é que nem filho de puta: ninguém sabe ao certo quem é o pai, mas todo mundo participou um pouquinho. Brasileiro não faz nada de ruim sozinho, o demérito é sempre obra coletiva. Foram anos de abandono. Como num livro do Paulo Coelho, “nada é por acaso”.

Mas isso não nos impede de apontar responsáveis diretos e imediatos. Por exemplo, a administração da UFRJ, mantenedora do museu. À parte os 520 mil anuais destinado para a manutenção, a própria universidade tem orçamento muito maior; suficiente para que o prédio não tivesse o fim que teve.

Acontece que a UFRJ aparentemente tem ensaiado uma peça inspirada na distopia Fahrenheit 451, de Ray Bradbury. Há um “histórico de incêndios” nos prédios da instituição. Foram seis ocorrências nos últimos anos.

"Oskar Werner como Guy Montag em ‘Fahrenheit 451’, adaptado por François Truffaut."
O que me parece bem apropriado. No romance de Bradbury, publicado no Brasil pela Globo Livros, Guy Montag é um funcionário público exemplar. Bombeiro dedicado a queimar os livros perigosos para a ordem social.

A única diferença é que ele tem uma crise existencial e se arrepende. Coisas da ficção.

Antes que eu me esqueça, a UFRJ tem em sua reitoria gente que escreve “todos, todas, todes”. Quase todos, todas, todes filiados ao PSOL, aquele partido que não gosta de burguesia, monarquia, cultura ocidental e gramática normativa, essas coisas de gente branca que oprime os outros.

Como num livro do Paulo Coelho, “nada é por acaso”. Mas o previsível acaso não acaba aí.

Não apontemos dedos somente para a reitoria da UFRJ. Apontemos dedos também para os governos anteriores, petistas principalmente, porque afinal de contas a herança (maldita? Que ironia) é deles. Não foram eles que financiaram a Copa do Mundo? Foram. Não foram eles que financiaram os Jogos Olímpicos? Foram.

Pois foram eles que financiaram o espetáculo pirotécnico da Quinta da Boa Vista. Nero teria ficado orgulhoso.

Além do dinheiro pouco ou desviado, há outros problemas. Por exemplo, a burocracia delirante e a política em torno.

Havia dinheiro e esperança para o museu. De acordo com o Brazil Jornal, de Geraldo Samor, há vinte anos o empresário Israel Klabin conseguiu 80 milhões de dólares do Banco Mundial para um vasto projeto de recuperação e modernização do Museu Nacional.

A condição: um plano de governança. Que fosse criada uma Organização Social (OS), fundação privada sem fins lucrativos, para cuidar do dinheiro. Condição essa negada pela UFRJ, que não admitiu ceder o controle do museu. Deu no que deu.

Para além da mesquinharia política de costume, esse tipo de coisa me faz lembrar de um ensaio de Theodore Dalrymple sobre Havana.

O escritor inglês diz que a degradação da capital e sua lenta destruição parece ter sido feita de propósito. Fidel Castro precisava que a lembrança de um passado bom e mais bonito se apagasse da memória dos cubanos, para que o comunismo fosse a única referência possível.

Só isso explica certas coisas.

Enquanto o incêndio ainda destruía o Museu Nacional, o inacreditável prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, declarava o seguinte:

“Trágico incidente que destruiu um palácio marcante da nossa história. É um dever nacional reconstruí-lo das cinzas, recompor cada detalhe eternizado em pinturas e fotos e ainda que não seja o original continuará a ser para sempre a lembrança da família imperial que nos deu a independência, o império, a primeira constituição e a unidade nacional.”

Essa é a percepção de nossa elite política e econômica (e, convenhamos, de quase todo o povo): basta reconstruir tudo, recompor cada detalhe, trocar a madeira por aglomerado, o linho por microfibra, o museu por cidade cenográfica. Como se a perda fosse de um prédio qualquer, de um amontoado de cacarecos, de uma pilha de objetos indistintos.

Compra-se tudo na China.

Apelar à reconstrução do acervo insubstituível de um museu é a prova de que ninguém sabe nem vagamente do que se trata, nem quer saber. Por isso que essa tragédia é apartidária: todos participam um pouquinho do descaso. Todos são um pouquinho pais do filho da puta.

O Brasil é kitsch.
Título, Imagem e Texto: Gustavo Nogy, Gazeta do Povo, 4-9-2018
Colaboração: Adriano Nunes da Costa

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2 comentários:

  1. De 84 a 87 cursei mestrado na COPPEAD/UFRJ. O reitor era militante do PCB e constatei que de lá para cá todos reitores e respectivos pro reitores ostentavam e ostentam, ainda hoje, o carimbo de partidos nanicos de esquerda. Aliás, adjetivar de esquerda os partidos nanicos é pleonasmo pois eles padecem da doença infantil chamada socialismo do século XXI, que está desgraçando a Venezuela.

    O atual reitor da UFRJ é radical do PSol. Há cerca de um ano viralizou pelas redes sociais o discurso de um de seus porta vozes concitando os militantes a “justiçar” (eufemismo de assassinar) os simpatizantes do fascismo brasileiro (a expressão é dele).

    Somente Bolsonaro será capaz de extirpar definitivamente do cenário institucional brasileiro essa deletéria esquerda festiva. Por isso, odeiam-no como o diabo da cruz, mas terão que decidir sobre o dilema colocado pelo então presidente Medici, que promoveu o Milagre Econômico Brasileiro (crescimento de 7,5 % do PIB durante seu governo): Brasil, ame-o ou deixe-o!
    Batalha

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  2. Veja o relato de alguém que conviveu com o socialismo desde a ditadura militar:
    http://carlosliliane64.wixsite.com/magiaeseriados/um-relato-pessoal

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