Sérgio Barreto Costa
Janeiro de 1702. Charles Louis
de Secondat, vulgarmente conhecido como Montesquieu, entra na adolescência e
recebe de presente um exemplar do Segundo Tratado do Governo de John Locke.
Descontente com um dos parágrafos em que se expunha a nova teoria liberal,
deixa-se tomar pela ira e convoca o filósofo inglês para um duelo: quem
conseguisse fazer xixi mais longe ficaria com o título de pontífice máximo do
liberalismo. Entretanto, desde esse momento fundador, várias foram as vezes em
que a popular competição das distâncias foi levada a cabo pelos defensores do
governo limitado e das virtudes da iniciativa e propriedade privadas. O
economista Jean-Baptiste Say, por exemplo, gabava-se de ter ultrapassado a
marca histórica do seu colega Adam Smith em 34 centímetros. E toda a gente se
lembra do dia em que Hayek e Milton Friedman, aproveitando um pequeno intervalo
na reunião da Sociedade Mont Pèlerin, se viraram para o Lago Léman,
desabotoaram as respectivas calças, e deram início às hostilidades.
Não foi por isso de estranhar
que, após a divulgação da declaração de princípios do novo partido de Santana
Lopes, onde eram reveladas as suas tendências liberais, tenha imediatamente
surgido, da parte de outros grupos políticos, uma reação do tipo “eu sou mais
liberal do que tu” e o consequente desafio urológico-métrico. Estes concursos,
apesar de ligeiramente infantis, são sem qualquer dúvida preferíveis à picareta
que Estaline mandou cravar no couro cabeludo de Leon Trotsky, evento que
integra a epopeia concorrente intitulada “eu sou mais socialista do que tu”. É
também por estas pequenas diferenças que escolhi este lado do combate de
ideias, um lado que, até ver, não dá tantas dores de cabeça.
Há muitas pessoas que não
conseguem entender a obsessão pelos purismos ideológicos no espaço político que
defende a “sociedade aberta”. Dizem que o liberalismo, mais do que uma
ideologia, é um conjunto de tradições que podem e devem estar presentes em
partidos conservadores, democratas-cristãos, sociais-democratas e, até, nos que
pertencem ao campo do socialismo democrático. Para estes excêntricos, que
ignoram os prazeres das competições com líquidos, mais importante do que a
existência de partidos liberais é a existência de liberais nos partidos – e
quanto maior o número, melhor. Notoriamente, não percebem nada do assunto. E
bastava que analisassem a história recente do Reino Unido e o caso concreto de
Margaret Thatcher para entenderem. Sendo mulher, nunca reuniu as condições
anatómicas indispensáveis à boa prestação no confronto urinário, e esse facto,
catastrófico, condenou o seu país a uma década sem vestígios de liberalismo.
Título, Imagem e Texto: Sérgio Barreto Costa, Blasfémias, 6-9-2018
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