sábado, 13 de outubro de 2018

Futuros radiosos

João Pereira Coutinho

Lendo e ouvindo o que se disse por aí, Bolsonaro nasceu do vazio, como as ervas daninhas. Fatalmente, não nasceu: ele é o produto perfeito da corrupção do PT (e do PSDB); da violência extrema em que vive a sociedade brasileira; da maior recessão que o país já atravessou


“COMO FOI POSSÍVEL?” Desde 2016, quando Donald Trump chegou a Washington e os ingleses deixaram Bruxelas, esta é a pergunta das 7h da manhã. É a a altura em que o português trabalhador e ensonado liga a televisão enquanto mastiga a sua torrada. Quando surgem as primeiras notícias, lá vem a evidência de que um meteorito caiu no quintal sem aviso. “Como foi possível?”

Na passada segunda-feira, foi a mesma coisa: Jair Bolsonaro? Então o jornalismo nativo e o comentariado encartado não tinham apresentado o homem como um caso perdido? A única diferença entre os escribas pátrios estava na quantidade de insultos que eram capazes de disparar sobre o candidato, provavelmente para mostrarem aos amigos (do Facebook) a medalha de bom comportamento democrático. Essa, no fundo, é a moda do tempo: os inteligentes ganham likes, os extremistas ganham votos.


Ponto prévio: não nego os vícios de Jair Bolsonaro, que me parecem óbvios para qualquer pessoa civilizada. Mas do jornalismo atento e profissional eu espero outra coisa. Uma explicação, ou várias, para um fenômeno que os europeus já conhecem bem: a destruição do sistema partidário por um rebelde messiânico.

Lendo ou ouvindo o que se disse por aí, Bolsonaro nasceu do vazio, como as ervas daninhas. Fatalmente, não nasceu: ele é o produto perfeito da corrupção do PT (e do PSDB); da violência extrema em que vive a sociedade brasileira; da maior recessão que o país já atravessou; dos sonhos desfeitos de uma classe média que voltou ao charco com o governo Dilma; e também de um voto de protesto contra um difuso estado de coisas – saúde miserável, , educação ao mesmo nível, sistema político-partidário capturado por oligarquias diversas, etc. Alguém pensava que esta mistura de roubalheira, banditismo e desesperança não iria produzir um espécime como Bolsonaro?

Com quarenta e nove milhões de votos, a calculadora favorece o capitão para a segunda volta. Basta que o voto anti-PT (tradução: uma parte dos cinco milhões de Geraldo Alckmin, a quase totalidade dos dois milhões e seiscentos mil votos de João Amoêdo e mais um milhão e trezentos mil do Cabo Daciolo, o Tiririca desta eleição) se faça sentir a 28 de outubro.

Fernando Haddad, com trinta e um milhões de votos, precisaria de uma transferência maciça de votos de Ciro Gomes, Marina Silva e do próprio Alckmin para manter vivo o sonho de Lula. Haddad talvez possa contar com os dois primeiros. O terceiro é uma hipótese remota.

Claro que, numa segunda volta, a matemática não basta. Bolsonaro, que foi poupado à exposição pública depois do atentado, será obrigado a sair da toca. A fragilidade visível do homem é um ponto a favor do adversário. Mas o Brasil, dia 28, pode mesmo amanhecer com o Palácio do Planalto ocupado pelo capitão.

Isso não será surpresa para os brasileiros, mas pode ser surpresa para os portugueses na hora fatídica das 7 da manhã. Sobretudo se a vaidade das comadres, que em Portugal passa por jornalismo, substituir a informação.
Título e Texto: João Pereira Coutinho, SÁBADO, nº 754, de 11 a 17 de outubro de 2018

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