Quando menina, na casa dos
cinco até os oito, mamãe me chamava de iluminada. Mamãe era inteiramente Zen.
Um pouco santa, um pouco humana, ou a junção das duas numa alma pura que só
fazia o bem. Ainda hoje é do mesmo jeito. Continua santa. Neste pé, cresci com
esta ideia meio que prócere na cachola, claro, tentando de todas as maneiras
não pirar o cabeção. Papai, coitado, por ser de mais idade, ia um pouco mais
longe.
Vinha do tempo em que
encíclica se constituía numa bicicleta usada pelos padres e coletivo, caras
amigas, imaginem que coisa, coletivo, aquele ônibus que trazia a gente da
escola. Observem que imaginoso. Na sua concepção, eu nascera para ser uma
“lanterninha”. Ainda que olhasse longamente para os olhos mortais da
Hipotenusa, não viraria um tijolo desses usados em construções de periferia.
Com esta história de
lanterninha, fiquei sendo a de meu velho até o dia em que, aos noventa e cinco,
partiu de mala e cuia para o andar superior. Nos meus sonhos, agora, quase aos
trinta, embora pareça ilógico ou irreal, acredito ter cores múltiplas. Meu
rosto é inteiramente acústico. Para meus leitores que não sabem o significado
desta palavra, acústico (ter um rosto acústico) é o mesmo que possuir uma
fisionomia um pouco acima do ânus.
Apesar deste nome feio,
carrego em meu coração traços diáfanos. Decididamente, apesar disto, sou uma
jovem que possui luz vinda da alma. Do recôndito dela, para ser mais precisa.
Cairia como luvas de pelicas aquela frase famosa do médium e curador João de
Deus, conhecido agora, pela justiça como Leonardo.
E por que Leonardo? Porque num
dia só, apregoam as suas ofendidas, Brasil e mundo afora, “João, numa única
tacada, deu mais de Vinci”. Antes que me esqueça da frase do cidadão. Ele
escreveu num jornalzinho de Abadiânia: “dígrafo a quem procuras para te livrar
dos males terrenos e eu te direi quem és”.
Falando de forma mais simples.
Tenho luz própria. Voo por aí afora, com asas imagináveis sem precisar me
preocupar com as coisas ao meu redor. Quando chego, não importa onde, tudo se
transforma e se provê de claridade. Dealvo como nuvens num céu de brigadeiro.
Tipo assim. Em todo tempo me mostro como se o universo inteiro se
resplandecesse num abrir e fechar de olhos e se prostrasse, incontinenti a meus
pés.
Alguns pensarão que sou louca.
Pior, louca varrida. Ou agravada a coisa de forma mais austera. Metida a besta,
pretenciosa. “O mundo não gira só ao redor dela. Só uma pessoa alienada, com a
área de criar caspas e cabelos nas nuvens, se julgaria a tal, pelo menos a
compasso de achar que o Cosmos se esparramaria a seus sapatos, belo e formoso,
como folhas caídas de uma árvore frondosa”. “Vá lamber sabão dirão, certamente,
os mais embrabecidos que eu faria melhor se fosse ‘chapar o pau da garrafa’”.
Todavia, insisto. Persisto
como fera enjaulada. Fera não, cruz credo! Sou e não só, me vejo como mil
lâmpadas corpo afora, enfeitando um carro de abre-alas no carnaval da minha
alucinação. Nele desfilam outras beldades abrilhantadas pelo engalanamento do
meu foco sublime de refulgência e limpidez. Somos, em verdade, ou melhor,
formamos um bando de vagalumes zanzando aqui, ali e acolá, ao deus dará.
Contudo, estas criaturas de
luzecus e lampirídeos, não se harmonizam entre si. Necessário se faz que eu,
rainha pirilampada me integre ao conjunto (numa espécie de amplexo grupal),
para que todas, irmanadas no mesmo toque, como num passe de mágica, explodam
seus regozijos em suaves e cândidas majestades.
Depois de toda esta xaropada,
deixei no ar entre as amigas secretárias da redação da revista para a qual
trabalho, uma pergunta um tanto quanto impertinente. Ei-la: se o galo não tem
pênis, como é que ele fecunda a galinha?! Uma jornalista novata e recém-chegada
de outra revista me disse o seguinte:
“Carina, desculpe dar
‘piruada’ na sua conversa. Entendo que o galo fecunda a galinha quando ele pula
em cima dela. Ele pica o pescoço da infeliz e aí ela, a coitadinha, tem uma
gravidez psicológica. Geralmente desta confusão, nasce um pinto neurótico”.
Devo concluir que continuo a
iluminada de mamãe. E a lanterninha eterna de papai. Que Deus o tenha! Sem
tirar, nem pôr. Sou indubitavelmente, uma pirífora. Pelo amor de Deus, galera.
Esta expressão nada tem a ver com “pule fora” grafada de maneira errada. Na
mesma sequência, não tenho culpa se comprei um Air Cross e Luan um Santana. É à
força de um cheiro irresponsável bailando no ar e perto das portas do seu
nariz, que lhe ensina a espirrar.
Título e Texto. Carina Bratt, de Fortaleza, no Ceará.
13-1-2019
Anteriores:
Ca, muito bom seu texto. Extremamente criativo. Está me surpreendendo a cada dia. Amei a resposta da jornalista com relação a sua pergunta sobre o galo. É isso ai.Brilhe. Minha estrela.
ResponderExcluir