João Marques de Almeida
É muito fácil atacar o Mário Machado. E
muito mais difícil deixar de partilhar camarotes com os protetores dos “Mários
Machados” que pululam nos Diabos Vermelhos, na Juve Leo e nos Super Dragões.
As esquerdas em Portugal andam
desesperadamente à procura de fascistas. Nos últimos anos, descobriram vários:
Trump, obviamente; Orban; Salvini; mais recentemente, Bolsonaro; há uns anos,
Passos Coelho e Portas e até Merkel (muitos deles já se esqueceram do último
nome, o que mostra o pouco respeito que têm pelas suas opiniões). A Europa, e
as Américas estão assim cheias de fascistas no poder. O ponto mais estranho é que
os “fascistas” de hoje são muito diferentes dos fascistas de ontem, Mussolini e
Hitler. Não invadem os países vizinhos, não enchem as prisões de presos
políticos, nem sequer os enviam para campos de concentração, e não provocam
crises humanitárias com dezenas de milhares de refugiados. Uma das “fascistas”,
Merkel, até recebeu um milhão de refugiados na Alemanha. Outro “fascista”,
Trump, recusa enviar tropas americanas para países estrangeiros. Pelo
contrário, quer fazer regressar essas tropas para os Estados Unidos.
Há, no entanto, quem use a
força militar contra os seus vizinhos, como a Rússia. Mas as nossas esquerdas
(salvo honrosas excepções como por exemplo Francisco Assis) nada dizem sobre os
atropelos militares de Putin. Erdogan, Putin e o governo chinês enchem as
prisões com presos políticos, mas as nossas esquerdas guardam as suas
indignações para os tweets de Trump e de Bolsonaro. Nicolas Maduro provoca um
desastre humanitário, inundando os países vizinhos de refugiados venezuelanos,
mas as nossas esquerdas preferem atacar Orban e Salvini. Pelo menos, os
húngaros e os italianos, ao contrário dos venezuelanos, ainda conseguem viver
nos seus países. Além disso, nunca ouvimos estes novos “fascistas” a proferir
qualquer elogio a Hitler. Mas o nosso governo é apoiado por partidos e
políticos que nunca esconderam a sua admiração por ditadores sanguinários como
Estaline e Mao. Não deixa de ser engraçado e comovente ouvir os filhos e os
netos (e as filhas e as netas) dos regimes comunistas soviético e chinês a
exprimirem preocupações com a saúde política das democracias.
Quando achamos que já ouvimos
de tudo das nossas esquerdas, elas conseguem ainda ir mais longe no ranking dos
disparates. Agora ficaram chocadas com o tempo de antena de um tipo chamado Mário
Machado, um nacionalista e racista primário, a elogiar Salazar. Foi patético e
acabaram a dar uma importância ao senhor Machado, com a qual ele nunca terá
sonhado. Fui ver a gravação do programa, o qual nunca teria feito sem as
reações a que assisti. Se alguém acha que aquele tipo consegue conquistar um
voto com aquele discurso, ou não conhece ou não tem qualquer respeito pelos
portugueses.
Vamos, contudo, aceitar que
figuras racistas e nacionalistas radicais, como Mário Machado, são um problema
que deve ser combatido. Se os políticos querem ir um pouco além das reações
histéricas a que assistimos, deixo aqui uma proposta. As claques organizadas
dos clubes de futebol, sobretudo o Benfica, o Porto e o Sporting, são as
escolas mais eficazes do discurso racista e xenófobo. Estão cheias de “Mários
Machados”. Todas as claques são protegidas e apoiadas pelos presidentes dos
grandes clubes portugueses. Presidentes com quem os políticos portugueses, que
se indignam com o “fascismo”, gostam de partilhar camarotes nos estádios de
futebol. Eis a proposta: os líderes políticos não devem aceitar qualquer
convite para jogos de futebol de clubes com claques que albergam grupos de
“neo-nazis”. Obviamente, nunca aceitarão a minha proposta. É muito mais fácil
atacar o Mário Machado. E continuar a partilhar camarotes com os protetores dos
“Mários Machados” dos Diabos Vermelhos, da Juve Leo e dos Super Dragões.
Mas há um problema mais sério
e mais profundo que explica o histerismo antifascista das esquerdas. Já não têm
mais nada para oferecer aos portugueses a não ser tentar assusta-los com o
“regresso do fascismo.” As esquerdas deixaram de ter um programa político. Não
há dinheiro para grandes investimentos públicos. E as suas clientelas políticas
e a base do seu poder político impedem os governos de esquerda de fazer
reformas. Sem capital para distribuir e sem reformas para mobilizar, as
esquerdas limitam-se a gerir o declínio, contando com os recursos da integração
europeia para tornar o empobrecimento menos doloroso, mesmo que seja à custa do
aumento do endividamento. Quem nada tem para oferecer para o futuro, conta com
o passado para se salvar. As esquerdas começaram a construir o nosso regime
contra o “fascismo de Salazar”. Agora precisam de novos “fascismos” para o salvar.
Sabem que nada mais lhes resta para oferecer aos portugueses.
Título e Texto: João Marques de Almeida, Observador,
6-1-2019
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