De forma obsessiva, o Carnaval
tomou conta da televisão, dos jornais, das revistas, de blogues e sites
sem-número. Estadeia visibilidade no topo. Viro a moeda, agora miro a coroa.
Tomou conta da conversa das pessoas? De suas preocupações? Está de vera em
ascensão rumo ao auge?
Corta. No turbilhão de
notícias, saraivadas sucessivas, desventrando o caos em que se encontra o
Brasil, há anos venho seguindo fenômeno alvissareiro: o Brasil amadurece. Lenta
e continuadamente. Por que digo o Brasil? Por ser fenômeno generalizado.
Em vários pontos, emergem
gradualmente, tendendo a serem majoritárias, opiniões que supõem reflexão,
amplitude de vistas, sopesamento sereno de vários fatores, condições
inafastáveis para caminhar na direção certa. Exemplos. Meses atrás li
observação do jornalista Otávio Frias Filho (1957–2018), impressionou-me: “Eu
fui bem socialista, digamos, entre 76 e 78 ou 79. Mas sempre com visão crítica.
Daí eu recebi um convite da parte da ‘Economist’ pra visitar a Grã-Bretanha.
Era programa muito bom, você ficava um mês conhecendo instituições e
parlamentos, além da Redação da revista. Era a época Thatcher, e eu fiquei
impressionado: quanto mais velha a pessoa que eu entrevistava, mais de esquerda
ela era. Quanto mais jovem, mais de direita. Eu disse a mim mesmo: ‘Tem alguma
coisa errada aqui, não é normal o que está acontecendo’”.
Nada tinha de errado, era
normal o que acontecia, a Inglaterra estava amadurecendo, deixava de lado
fantasias deformantes, refletia com menos amarras. Em suma, passava por avanço
social sério; o socialismo, retrocesso evidente, parecia velheira nefasta a
setores cada vez maiores, em especial na juventude. O Brasil, na época,
infelizmente ainda estava numa juventude transviada, verde para posição mais
lúcida. Gostava de acreditar em devaneios românticos, observava pouco,
fantasiava sonhador sobre a ordem temporal. Melhorou bastante, com tropeços
andou no rumo certo, amadureceu. E hoje teses de direita são defendidas de
forma crescente por jovens.
No caso, na Inglaterra, antes
blasonava dominante a opinião de que o Estado estava chamado a resolver os
problemas, a sociedade vinha em segundo lugar. Era convicção sem dúvida
deletéria. Naquele momento, a convicção antiga murchava nos espíritos. O Estado
voltava a seu papel suplementar em relação à sociedade. Os jovens não queriam
se ligar ao que presenciavam definhando.
Otávio Frias Filho se espantou
com o que enxergou no mundo desenvolvido, oposto ao que sentia no Brasil de
então, chapinhando no subdesenvolvimento. Contou ainda o jornalista: “Eu
já estava na faculdade, sob influência enorme daquele movimento estudantil bem
esquerdizado da época, na São Francisco”. Na ocasião, o mundo intelectual
brasileiro que se publicava era maciçamente de esquerda. A juventude inglesa
estava noutra, caminhava para a direita. Hoje, é menor entre nós o domínio
intelectual da esquerda nos ambientes da intelligentsia, isto é,
burguesia culta, jornalistas, docência universitária. Apagou-se em parte o
deslumbramento esquerdista.
No Brasil de então, apenas
para lembrar um fato, o assunto privatização começava a fazer seu caminho.
Surgiram enormes resistências e não apenas na esquerda clássica que deblatera
até hoje contra o processo. Houve, ao longo dos anos, marcha gradual para
chegar à convicção saudável de que a solução dos problemas nacionais descansa
sobretudo na sociedade e não no Estado, a saber, nas pessoas, nas famílias, nas
empresas, nas escolas, na vida religiosa. Hoje, proporcionalmente, mais gente,
em especial na juventude, apoia a política de privatizações (se bem-feita,
claro) que no já longínquo 1979. Amadurecimento.
Outro ponto de amadurecimento,
emagreceu nosso ufanismo infantil com o futuro do Brasil. A bem dizer sumiram
ditirambos como os do simpático conde Afonso Celso em “Por que me ufano de meu
país”: “Não há no mundo país mais belo do que o Brasil. Quantos o
visitam atestam e proclamam essa incomparável beleza.” Caíram também
no descrédito as bobagens de que somos os melhores em quase tudo, inigualáveis
no futebol, reis do jeitinho, criativos como ninguém e vai por aí afora. O
óbvio ganha espaços, antes ocupados por fantasia lisonjeante. Está mais
difundida a opinião severa (e objetiva) de que um futuro de grandeza supõe como
hábito de décadas, para começo de conversa, cultivo sério da inteligência, o
esforço, a disciplina, vida ativa, regrada e austera. Aqui também houve
amadurecimento. Roberto Campos, jocosamente (ou tristemente), com frequência
trazia à baila, martelava Gilberto Amado sempre, ele daria pulos de alegria
quando encontrasse um brasileiro capaz de ligar causa e efeito. Campos
constatava, continuamos incapazes de ligar causa e efeito. Constato o oposto:
começamos em vários setores a ligar causa e efeito, prenúncio de rumo certo.
Agora volto ao tema do artigo:
o carnaval está no auge da popularidade? De um auge, sim, melhorando, de um
fundo de poço: 2019 representou explosão de espírito libertário, de paganismo
debochado e desbragado, lembrou os cultos a Baal da antiguidade pagã.
Em 2019 ficou claro também —
primeira vez, pelo que atino — um distanciamento crítico da maioria da
população em relação ao carnaval, desagradada de ver montanhas de dinheiro
público torrado na proteção e promoção da devassidão. Causa e efeito ligados.
Pesquisa do instituto Paraná
desenterrou realidade em geral oculta. Feita a pergunta: “Algumas
prefeituras do Brasil decidiram reduzir a verba do carnaval para investir em
áreas como saúde, educação, infraestrutura, entre outras. O sr (a) concorda ou
discorda dessa iniciativa?” No Brasil inteiro, 85,8% concordam.
Discordam 8,6%. No Sul, mais escolarizado e de maior padrão de vida, 90,2%
concordam. Segundo quesito: “Em sua opinião, o carnaval deve ser: (72,6%)
totalmente patrocinado pela iniciativa privada; (21,2%) metade patrocinado pelo
poder público e a outra metade pela iniciativa privada; (2,4%) totalmente
patrocinado pelo poder público. No Sul, 82,5% querem o Poder Púbico fora do
Carnaval, 12,9% meio a meio, 1,2% acham que o Poder Público deve patrociná-lo
totalmente. Terceira pergunta: “O carnaval é a principal festa popular
do Brasil?”, 53,5% responderam Não; 41,7% responderam Sim. Existe aqui
clara opinião de reserva, até mesmo de oposição. Somando e subtraindo, os
brasileiros, em sua grande maioria, prefeririam o dinheiro público aplicado em
escolas, postos de saúde, creches, segurança ao invés de vê-lo torrado
irresponsavelmente nos três dias de carnaval; é sinal de maturidade e seriedade
de espírito. De longe, brilha a purpurina da popularidade. De perto, apresenta
manchas. No caso, bom começo, desperta esperanças.
Título, Imagem e Texto: Péricles Capanema, ABIM, 13-3-2019
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