sábado, 13 de abril de 2019

[Daqui e Dali] A infantilidade do povo

Humberto Pinho da Silva

Admirava-se Demóstenes que a multidão delirasse ao escutar marinheiros ignorantes que subiam à tribuna e não ouvisse, com o mesmo entusiasmo, seus discursos, que eram literariamente perfeitos.

Busto de Demóstenes, no Museu do Louvre

Ao lamentar-se a ator, seu amigo, este disse-lhe para recitar poemas de Eurípedes ou Sófocles.

Demóstenes recitou alguns poemas. Em seguida, Sátiro, declamou, e nem pareciam os mesmos...

Desde então, Demóstenes convenceu-se que para ser ouvido, com entusiasmo, não bastava construir bem as frases, era necessário falar com convicção e ardor.

Isolou-se num subterrâneo, para que não fosse ouvido, e metendo seixos na boca (era um pouco gago) lia e discursava para as paredes.

E nunca mais deixou de cuidar da forma como se exprimia, acompanhando os discursos com gestos e diferentes intuições.

Certa vez, estando a tratar de assuntos de Estado aos atenienses, verificou que pouca atenção prestavam.

Aproveitou o momento para demonstrar que o povo não passa de criança-adulta, principalmente quando está em multidão.

E, interrompendo a importante dissertação, disse-lhes:
“Lembrei-me agora de caso e vou contar-vos, antes que o esqueça”.
Todos os olhos se cravaram no orador.

“Um homem alugou um burro para ir a Atenas. O dono do burro acompanhava-o a pé. O calor era diabólico. Não havia sombras. Tudo fervia. Então, o homem desmonta e senta-se na beira da estrada, à sombra do burro. O dono do burrico, que sufocava de tanto calor, protestou, dizendo: “Aluguei o burro, e não a sombra!”. Retorquia o outro, argumentando: “Alugando o jerico, aluga, também, a sombra dele!”



Demóstenes suspendeu com elegância a capa e desceu do púlpito.
A multidão reclamou, excitada:
“Queremos ouvir o resto da história!”
Mas o orador, voltando-se para aquele mar de gente curiosa, rematou:
”Para vós é mais importante a história de um burro do que os negócios de Atenas!”

Esta perícope lembra-me o povo do nosso tempo: escuta com mais atenção o corrupto, o ambicioso, do que o virtuoso, cuidador do bem da Nação.

O povo não passa de criancinha, de memória curta; de cata-vento, que vira, consoante sopra a última brisa.

Sempre foi assim e assim será… porque não há nada mais volúvel do que o ser humano.
Título e Texto: Humberto Pinho da Silva

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