domingo, 19 de maio de 2019

[As danações de Carina] Não inflói nem contribói

Carina Bratt

“O coisinha tão bonitinha do pai, o coisinha tão bonitinha do pai” – diz claramente uma composição bem composta e com compostura de Jorge Aragão, na voz maviosa de Beth Carvalho. Verdade ou não, sabemos que o amor é cego. Cego como uma porta antiga, dos tempos em que as chaves se faziam conhecidas por “tramelas”, e se pegava linguiça com cachorro. Em casos assim, quem manda é o coração. O coração da porta, sempre, nunca o da casa. 

Rapidamente como quem rouba, farei referência ao casal de oitentões, dona Aristótola Silfa e seu marido senhor Pedro Granulado de Oliveira Silfo. O encontro deles foi de fato, amor à primeira vista. Por sinal à vista vasta, multipliciada dilatada e, com certeza, em razão disso, esse enlace perdurará até que a morte os separe. Se é que a morte separa alguém de alguma coisa...


Não vem ao caso essa discussão. Tanto ele, o senhor Granulado, quanto ela, dona Aristótola, gritarão, a plenos pulmões, e aos palmões, um pomposo e flamejante “até que a morte nos separe”. Jamais comungarão essa aberração dos casais de hoje, o famigerado e inconcebível “até que um amante safado nos mande cada um para um lado”, chupar prego até virar bala de coco, sem levar em conta que os olhos são as janelas da alma e as bocas, as portas de entrada e também de escape.

De entrada e saída, ou escape, para (caso se desentenderem), compreenderem sem delongas estarem na trilha errada, e, em vista disso, deixarem adentrar aqueles jargões do tempo do ronca, gírias que ensinam sempre aos pombinhos que eles, a dupla, são como corda e caçamba. Enquanto um descansa, o outro carrega pedra. Acreditam piamente que ainda vão passar muitas pontes por debaixo dessas águas.

Casal que se ama se assemelha a unha e carne. A madeira de dar em doido. A pegar o boi pelos chifres. Equipara a tampa e panela. Nivela meia e sapato. Reúne chulé e frieira. Delineia hospital e doente, rascunha defunto e caixão, plagia campa e cemitério. Resumindo: O senhor Granulado Silfo é o queijo e ela, dona Aristótola Silfa, a goiabada. Goiabada sem queijo se aproposita a abraço sem beijo, a criança sem choro, a perfume sem cheiro, torneira sem água, grampeador sem grampinho, mesa sem cadeira, revolver sem bala, favela sem favelado.

Falta explicar o Silfa da dona Aristótola. Seu Silfa originou de um gênero de insetos coleópteros, entre eles, a conhecidíssima silfa-sepultadora e a silfa liga ou a silfa grudada. Exemplo típico de uma silfa afamada e prestigiosa de todos nós: a barata. A barata é uma Silfa disfarçada. Nos remete à Kafka sem o Franz. Em caminho oposto, o Silfo do senhor Granulado pertence a uma entidade da mitologia céltica e germânica da Idade Média. Silfa e Silfo, portanto, metamorfosearam a exasperação do caixeiro viajante Gregor Samsa. Frutificou deveras, com o passar dos janeiros.

Meu amigo japonês (eu tenho um amigo japonês), o Jorge Tosse No Muro está com uma cara cuspida e escarrada de quem comeu e não gostou. Deve ter comprado gato por lebre, ou tartaruga por cágado. Certamente responderá se perguntado, por algum curioso de plantão: “Desgraça pouca é bobagem”.

E prosseguirá não muito raivoso: “Deu zebra, mana! Estou com alguma urucubaca ‘das braba’. Onde fui amarrar minha égua?’”. Jorge Tosse No Muro tem razão. De sobra. Ele sabe que para olho furado não tem remédio que devolva a visão. Ainda que alguém se esperneie e estilhace a plenos pulmões: “vou lhe dar a luz”, a porcaria da enxergância não voltará a espiar ou a brilhar para coisa alguma. Que diferença faz um susto para quem está cagado de medo?!

Prevalece nesses casos, aquele velho ditado do senhorzinho deitado: “quando urubu está sem sorte, até o de baixo vomita no de cima”. Jorge Tosse No Escuro, com certeza, dará a volta pelo outro lado e chegará lá em riba. Se Maomé não pode ir a Meca, a Meca irá até ele. Meca sabe, de antemão, que Maomé está fazendo cera. Não importa. Meca não desiste. Uma boa jornada começa sempre com os primeiros passos.  

Apesar da saia justa, de ter visto a sua avó pela greta, de estar com a corda no pescoço a Tiradentes e agora, pulando como pipoca de panela de carrinho de parque de diversão, ou se flagrar em cama barulhenta, rangendo as juntas em meio a lençóis mal lavados, Jorge Tosse No Escuro não fará tempestade em copo d´água.

Quem esquenta a cabeça é palito de fósforo. Para ele, não importa se a mula é manca. Ele quer mais é rosetar como o cantor Jorge Veiga rosetava, na década de cinquenta, com a sua marchinha de carnaval nos bailes dos clubes da alta sociedade carioca.

Nem que chova canivete. Por falar em canivete, ele precisa abrir (Ele aqui, evidentemente o senhor guarda-chuva, não o meu amigo Jorge) carece, às carreiras, armar um jeito de não deixar que o pobre do Jorge Tosse No escuro receba nos costados uma tromba ou uma chusma de canivetadas sabe-se lá vinda de onde, como se fosse um morador de rua lá do caixa-prego, do prá aculá de Bagdá, onde o vento faz a curva.

Tudo o que eu disse até agora, não passa de uma carreira mal parida, ou mal ajambrada ou ainda mal formada. Na verdade, faço uso de uma porção de silepses construídas a torto e a direito. Mais a torto que a direito. Silepse, minhas amigas leitoras é aquela figura simpática pela qual as palavras seguem mais o nosso pensamento abestalhado do que as regras gramaticais existentes no mercado municipal da língua portuguesa.

Dessa forma, no instante em que menciono essa pessoinha, faço alusão ao “quando uma palavra é empregada (com ou sem carteira assinada) ao mesmo tempo no sentido próprio e figurado”. Nesse caso, a concordância das frases se faz, ou se dá, segundo o seu sentido e não obedecendo literalmente as regras sérias e complicadíssimas da síntese.

Espero que vocês tenham entendido. Percebo, todavia ter nadado, nadado e morrido na praia.  O mar não está pra peixe. E nesse oceano, deparei com muita areia para meu caminhãozinho.

Apesar dos pesares, sobretudo de me considerar um osso (ou uma ossa fica melhor), ossa dura de roer, meu calcanhar de Aquiles me disse ainda pouco, no pé do ouvido, para eu ir devagar, que o andor é de barro. Melhor enfiar a viola no saco e sair de mansinho, à moda Temer tentando escapulir dos agentes federais. Ficarei só na moita, atrás dela, escondidinha como a Dilma encafurnada debaixo de um pé de picão pensando nas patacoadas de Lula, o “ex” tudo e agora nada.

De olho, portanto, permanecerei. Com um aberto, outro fechado. Um grudado no padre, outro na missa. Vigiando o peixe e fugindo do gato. Até a próxima, minhas caras amigas leitoras. Volto domingo que vem. Entre tapas e beijos, cacetadas e rasteiras, quem não é visto, não é lembrado. No meu caso, lembrada. Piquei a mula. Fui.
Título e Texto: Carina Bratt, de Paraty, no Rio de Janeiro. 19-5-2019 

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