Alberto Gonçalves
Grosso modo, é Portugal, que se afunda a
uma velocidade com que Tuvalu e a Terra e a Time não sonham. E o melhor é que
não precisamos de aquecimento global. O descaramento local é suficiente.
Na semana em que um português,
António Guterres, enfeita a capa da Time, é interessante notar a escassez da
presença nacional na fachada da revista. Em cerca de 5000 edições, contas por
alto, o nosso querido país apareceu em apenas cinco ocasiões nesse lugar de
supremo prestígio da imprensa tradicional. Para cúmulo, nenhuma das ocasiões
foi exatamente prestigiante.
Nos primeiros vinte e tal anos
da Time, merecemos o desprezo absoluto em matéria de frontispício. Em 1946,
estreámo-nos com Salazar, já então descrito como o “decano dos ditadores”.
Outros vinte e tal anos de indiferença e, em 1974, a propósito do “golpe em
Portugal” (cito), surgiu Spínola, o herói que ajudou a lançar-nos no PREC. Em
1975, a propósito do PREC, ou a “ameaça vermelha” (volto a citar), a Time revelou
aos leitores o belo triunvirato Otelo Saraiva de Carvalho-Costa Gomes-Vasco
Gonçalves. Passaram-se mais vinte e tal anos sem temáticas caseiras e, enfim,
subiu à capa da Time em 2003 um assunto prometedor: a explosão (salvo seja) da
prostituição em Bragança. Infelizmente, o assunto não cumpriu. Afinal,
tratava-se de incompetência da jornalista – espanhola, se não me engano – que
redigiu o artigo, e que confundiu os queixumes de meia dúzia de meretrizes
locais contra meia dúzia de meretrizes importadas com um alegado “bairro
europeu da luz vermelha”. Até agora, pois, havia um tirano, um germanófilo sem
grande tino, três estarolas próximos do estalinismo ou da demência e hordas de
rameiras inventadas. Agora, junta-se-lhes Guterres.
É natural que uma pessoa
comece logo a imaginar. Guterres, o líder. Guterres, o visionário. Guterres, o
inspirador. É também evidente que essa pessoa está equivocada e deve ser
esclarecida de que falamos mesmo do eng. Guterres, o ex-futuro do socialismo
moderno, o fugitivo do pântano, o emplastro dos refugiados e o secretário-geral
da extraordinária ONU. Fatal e adequadamente, o fotógrafo da Time enfiou o eng.
Guterres num charco por altura dos joelhos. Não terá sido necessário o
fotógrafo requisitar a expressão que a criatura ostenta há décadas: uma coisa
entre o desconsolado e o conformado, atitude encontrada com assiduidade nos
sujeitos que chegam ao restaurante cinco minutos após o fecho deste. E que
quando o apanham aberto demoram hora e meia a escolher o prato. No caso da capa,
o contexto é o “aquecimento global”. Sob o título “O Nosso Planeta a
Afundar-se”, pretende-se sugerir que o nível das águas está a subir e, não
tarda, levará tudo à frente. Pelo ar derrotado do eng. Guterres, um degelo que
o leve parece inevitável, e um favor pessoal que lhe fazem.
Um favor que ele e a Time nos
fariam era não alinhar em trapaças. A fotografia do eng. Guterres em
encharcados preparos foi tirada no arquipélago de Tuvalu, dito “um dos países
mais vulneráveis do mundo” por causa do “aumento dos níveis do mar”. No
Twitter, o ambientalista Bjørn Lomborg, que não sendo um fanático das “mudanças
climáticas” não é de certeza um descrente absoluto, veio explicar que, logo por
azar, e apesar do factual aumento dos níveis do mar, o território total de
Tuvalu aumentou quase 3% nos últimos 40 anos e é garantidamente habitável ao
longo do próximo século. Além de esteticamente desagradável, a capa da Time é
pelos vistos uma fraude.
Não é surpreendente, nem
demasiado grave, que fraudes assim definam a Time e boa parte do jornalismo
contemporâneo, menos interessado em publicar as histórias do que as lendas, as
fantasias, os delírios, as patranhas e as puras mentiras que excitam gente que
não consume jornalismo nenhum. Não é surpreendente, nem demasiado grave, que
fraudes assim definam a ONU, de resto há muito definida por dezenas de
pormenores igualmente repulsivos. Não é surpreendente, nem demasiado grave, que
fraudes assim definam o eng. Guterres, que internamente ganhou fama de indeciso
apesar de ter decidido promover à ribalta inúmeros protagonistas da corrupção
que hoje saltita por cá. Por fim, não é surpreendente que fraudes assim definam
um país onde, com todas as proezas acumuladas durante uma carreira de
embaraços, o eng. Guterres continua a beneficiar de uma espécie de prestígio.
Mas é grave.
E é grave não especialmente
por causa do pobre eng. Guterres, no fundo (sem trocadilhos) uma figura menor.
É grave porque a reverência embasbacada a sucessivas figuras menores, providas
de petulância natural e impunidade adquirida, não é só um elemento determinante
da sociedade portuguesa: grosso modo, é Portugal, que se afunda a uma
velocidade com que Tuvalu e a Terra e a Time não sonham. E o melhor é que não
precisamos de aquecimento global. O descaramento local é suficiente.
Eu gostaria de entender como é que a imprensa se posiciona toda ao lado do Irão, uma teocracia sanguinária que mata gays e mulheres por adultério, cujos imãs estupram crianças, contra um presidente que foi eleito e é respeitado pela maioria dos americanos e a nível internacional.
ResponderExcluirEu não entendo esse ódio programado e disseminado pelos vários canais... dir-se-ia que há dinheiro sujo árabe a financiar o jornalismo mundial!
Regina Cunha