Carina Bratt
Foi aqui (melhor posto), foi
lá, no sítio-chácara do vovô Silvério, em Curitiba, a margem da nascente do Rio
Belém, que se espadanava leito abaixo em direção à cidade, que aprendi o
significado de viver de verdade. De me sentir viva enquanto a vida fluía dentro
de meu corpo com uma intensidade inconcebivelmente ferrenha e duradoura. Também
se agigantou desse ponto quase no meio do nada (e que infelizmente em dias
atuais não existe mais), a fidelidade de alimentar a chama acesa daquele alento
que nos aquecia o fôlego, e que, por conta disso, nos seguiu honrando e
mantendo em constante movimento, o dia após dia, como uma espécie de recriação
de toda nossa estrutura se multiplicando como uma benção, minuto a minuto.
Dessa mesma consagração se originou uma redescoberta cotidiana dos nossos
sonhos mais prementes. Ambições acorrentadas num eterno passo a passo, trajeto
a trajeto, rota a rota em direção a um existir dubiamente incerto.
Ou isso em evidência
constante, ou acabamos soterradas na inconstância fragilizada da nossa própria
desgraça interior, ainda que tenhamos a sensação de estarmos vivas e com a o
coração batendo a mil por hora. Eu fiz e faço desse catar de coisinhas aqui e
acolá, desde a minha infância até os dias de agora, meu patamar, meu
porto-ponto de apoio para seguir em frente e direcionar a minha vida para os
horizontes que eu desenhei incansavelmente desde o conhecimento da fértil
imaginação. Com esse pensar decretado e sentenciado, copiei e pus em prática
pequenos mimos que utilizo na minha vida adulta e acredito levarei guardado
comigo até o fim de meus dias. De meu avô Silvério, trouxe a honestidade ímpar.
A sua retidão de caráter me revigora. De vovó Priscila guardei a brandura, a
simplicidade e o amor pela família.
Do seu carinho e de sua
paciência pelo próximo me vesti inteira e me cobri de uma acuidade perspicaz e
incomum pelas coisas por mais insignificantes que possam parecer aos olhos dos
que só veem com o minguado, ou com o débil franzino dos oprimidos e, nessas
mazelas, se encostam com desculpas esfarrapadas. Com a nossa cozinheira Marilza
(uma espécie de Bombril com mil e uma utilidades, além de secretária do lar),
descobri o apego incondicional pelo trabalho sério, a levar a termo as
obrigações, a cuidar da casa, do marido, dos filhos, e não deixar o relaxamento
montar nos costados seja em que circunstância aparecer à frente. Com a minha
melhor amiga, a Chiquinha, descobri os encantos de ter a mente aberta às
paixões incandescentes. Ao saber se livrar dos jovens chatos e pegajosos que só
pensam “naquilo”, ou em tirar sarro e, pior, se aproveitarem da inocência que
guardamos a sete chaves numa caixinha junto com a rosa branca da pureza
virginal.
Essa candidez só deve ser
entregue ao amor verdadeiro quando ele surgir de verdade. Com os empregados de
vovô Silvério, em como cuidar do gado, das galinhas e da alimentação de todos
esses seres indefesos, bem ainda, a cultivação da terra para que prosperasse na
continuidade de seguir dando bons frutos. Com as esposas deles, a manter a
linha de conduta dentro de uma realidade brutal (ser mulher de peão não é
tarefa fácil), porém sem esmorecer, apesar de, a cada dia, carecer dar cabo de
um leão no tapa, à unha, e se manter viva e feliz, saltitante e brejeira, sem
reclamar da vida ingrata sem as luzes coloridas de um horizonte que talvez
nunca desponte. Com a quinta e tudo o que nela existia, a olhar e a curtir um
espaço longe do burburinho e chegar à conclusão de que o melhor lugar do mundo
para se morar, para se viver, para se formar uma família é no meio o mato, o
mais distante possível da civilização.
Não existe nada mais
harmonioso que capturar nas noites cálidas, o bálsamo para nos vivificar a
alma. Do silêncio das estrelas, retirar o brilho para enfrentar enfeitando os
dias escuros notadamente quando o sol não se fizer radiante. Ouvir em som
baixinho, uma música envolvente como a de tia Walquíria ao piano é uma
exposição permanente de regozijos. Agrados e festejos que sempre nos renovará
as forças enfraquecidas. Sentar na cadeira de balanço de vovô (ainda que em devaneios)
é viajar numa história de páginas escritas que o tempo não destruirá. Em meus
dias de agora, moça feita, aos vinte e nove anos, me pego a escandir um ontem
adormecido. Também de tom deleitável e fagueiro, renovar a disciplina do
cansaço, escutando as horas se retocando na afonicacidade de um cuco que não
voará e pouco sairá de seu cantinho.
Enfim, relógio, cuco, tia
Walquíria, Chiquinha, vovô Silvério, vovó Priscila, Marilza... personagens,
sonhos, sonhos, lembranças, quimeras. O que é ou o que foi tudo isso? Não
importa! Para mim, a Carina de ontem, a
Carina de hoje e de amanhã, seguirá igual, como se a vida não tivesse passado.
Em resumo: não podemos, jamais, nos distrair ou nos tornarmos superficiais e
levianos, em decorrência das regras que nos são impostas goelas abaixo pelas
distrações e distorções do mundo globalizado, sejam esses preceitos firmados
pelas inconveniências de um planeta ocioso, trocista e indolente, seja,
igualmente, pelos acordos enfadonhos, cansativos, entediantes, enjoados e
rabugentos, cujos objetivos principais não outros, senão os de nos levar, de
mala e cuia, para fora do paraíso particular existente dentro de cada um em
particular. Talvez seja essa preciosidade e eu acredito piamente em tal
possibilidade. Não a descarto jamais. Quem sabe, seja essa aqui (ou por outra,
foi essa fase-período da minha existência, um pedaço de mim) uma partícula
fração-migalha dentro de meu “eu” ainda vivo e pulsante que me mantém o fôlego
da felicidade em pleno alçamento, ou em subida constante ao sucesso. Certamente
um pedaço de mim que nunca morre.
Título e Texto: Carina
Bratt, de Belo Horizonte, Minas Gerais. 7-7-2019
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Apoio e parabenizo o seu pensamento e estilo de vida. ótima escolha querida Carina. Apesar de muito jovem, você não sucumbe as frivolidades atuais. Sim, é na simplicidade das coisas simples que está simplesmente o segredo da felicidade.
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