Povos inteiros se recusaram,
intransigivelmente, a julgar a realidade, a criticar o Ser, a culpar Deus. É
interessante considerar os hebreus do Antigo Testamento nesse aspecto. Suas
lutas seguiram um padrão constante. As histórias de Adão e Eva, Caim e Abel,
Noé e a Torre de Babel são realmente antigas.
Suas origens se perdem nos
mistérios do tempo. Somente após a história do dilúvio, em Gênesis, que algo
parecido com a história como a entendemos verdadeiramente começou. Ela começa
com Abraão.
Seus descendentes se tornam o
povo hebreu do Antigo Testamento, também conhecido como a Bíblia dos Hebreus.
Eles fazem um pacto com Javé – com Deus – e começam suas aventuras
reconhecivelmente histórias.
Sob a liderança de um grande
homem, os hebreus se organizam em uma sociedade e depois em um império. Após
suas fortunas crescerem, o sucesso dá à luz o orgulho e a arrogância. A
corrupção mostra sua cara horrível.
O Estado, em sua progressiva
soberba, torna-se obcecado pelo poder e começa a esquecer seu dever para com as
viúvas e os órfãos, e desvia-se do seu antigo acordo com Deus. Um profeta
surge. Ele insulta pública e insolentemente o rei autoritário e o país infiel
por suas falhas ante Deus – um ato de coragem cega – dizendo-lhes do terrível
julgamento vindouro. Quando suas sábias palavras não são totalmente ignoradas,
são levadas em conta tarde demais. Deus golpeia seu povo teimoso, condenando-o
a uma derrota abjeta nas batalhas e a gerações de subjugação.
Os hebreus se arrependem
profundamente, jogando a culpa por sua desgraça na própria incapacidade de
serem fiéis à palavra de Deus. Eles insistem consigo mesmos que poderiam ter
sido melhores. Eles reconstroem seu estado e o ciclo recomeça.
A vida é assim. Construímos
estruturas para viver. Construímos famílias, estados e países. Abstraímos os
princípios sobre os quais essas estruturas são fundadas e formulamos sistemas
de crença. No início, habitamos nessas estruturas e crenças como Adão e Eva no
Paraíso.
Mas o sucesso nos torna
complacentes. Esquecemos de prestar atenção. Deixamos de valorizar o que temos.
Fechamos um olho. Não percebemos que as coisas mudam ou que a corrupção cria
raízes. E tudo desmorona. Seria isso culpa da realidade – de Deus? Ou as coisas
desmoronam porque não prestamos atenção suficiente?
Quando o furacão atingiu Nova
Orleans e a cidade naufragou nas águas, foi um desastre natural? Os holandeses
preparam seus diques para a pior tempestade em 10 mil anos. Se Nova Orleans
tivesse seguido esse exemplo, tragédia alguma teria ocorrido. Não podemos dizer
que ninguém sabia. O Decreto de Controle de Enchentes de 1965 ordenava
melhorias no sistema de barragem no Lago Pontchartrain. O sistema deveria ter
sido concluído em 1978. Quarenta anos depois, apenas 60% do trabalho havia sido
realizado. A cegueira volontária e a corrupção destruíram a cidade.
Um furacão é um ato de Deus.
Mas deixar de se preparar, quando a necessidade de preparo é bem conhecida –
isso é pecado. É fracassar. E o salário do pecado é a morte (Romanos 6:23). Os
judeus antigos culparam a si mesmos quando as coisas desmoronaram. Agiram como
se a bondade de Deus – a bondade da realidade – fosse axiomática e assumiram a
responsabilidade pelo próprio fracasso. Isso é ser insanamente responsável. Mas
a alternativa é julgar a realidade como insuficiente, criticar o próprio Ser e
afundar-se em ressentimento e no desejo por vingança.
Se você está sofrendo – bem,
isso é o normal. As pessoas são limitadas e a vida, trágica. No entanto, se seu
sofrimento for insuportável e você estiver começando a se corromper, isso é
algo sobre o que pensar.
Título e Texto: Jordan
B. Peterson, in “12 regras para a vida – um antídoto para o caos”, páginas
162, 163 e 164. Alta Books Editora, Rio de Janeiro, 2018.
Digitação: JP, 6 de setembro de 2919
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