A esquerda tanto abraça o rigor orçamental
que criticou nos alemães, como culpa o capitalismo pelo empobrecimento quando a
pobreza está em queda livre. Não confere os factos e faliu intelectualmente
André Abrantes Amaral
É curioso que escreva sobre a
falência da esquerda quando esta se prepara para passar no Parlamento um
orçamento que se espera excedentário. Sucede que o próprio facto de tal
acontecer comprova o que digo: a esquerda faliu e nada tem a acrescentar. Outra
prova disso mesmo vimos escarrapachada na primeira página do Público do dia 18
de dezembro 2019, com uma citação de António Costa: “Não é de esquerda promover
défices e aumento de dívida”. Podemos ver o primeiro-ministro a dizê-lo aqui. Este é o António Costa que fez parte do governo de
Sócrates (que passou a dívida pública portuguesa de 72% para 114% do PIB apenas
em 6 anos) e que criticou violentamente o governo de Passos Coelho por aplicar
um programa com vista a travar essa mesma dívida pública socialista.
Costa não é o único à esquerda
a fazer o mesmo. Qualquer socialista, tenha ou não feito parte do governo
Sócrates, fosse do PS, do PCP ou do BE, acreditou durante anos que o défice
equivalia ao Estado colocar dinheiro na economia. O défice era indispensável e
a dívida para se ir pagando. Diziam-se keynesianos, embora Keynes nunca tenha
afirmado tal coisa. E como não era verdade o que diziam nem era verdadeiro
aquilo em que diziam acreditar, mudaram de opinião à primeira oportunidade. Ou
dizem que mudaram de opinião porque, no fundo, nunca saberemos o que pensam e
em que acreditam.
E o que é não pensar senão uma
falência intelectual? É por isso que o excedente orçamental de que a esquerda
se gaba (e que vamos ver se se concretiza) será conseguido por acaso, fruto da
política do BCE, dos impostos altos e das cativações na saúde. Não houve
reformas, não se apresentou nada de novo que não meros ajustes em folha Excel.
O que o PS fez foi criar uma forma de manter os seus interesses à custa dos
contribuintes e dos que precisam de cuidados sociais.
Claro que a falência
intelectual da esquerda não se cinge à política orçamental. Generalizou-se em
outros aspectos até porque, como dizia alguém, “há mais vida além do
orçamento”. Pode até parecer que estou a anunciar uma grande novidade num país
em que a maioria dos comentadores é de esquerda, ou se rende à pressão da
esquerda.
Sucede que o diagnóstico já
tinha sido feito em 2007 por Nick Cohen no seu livro “What’s Left? How Liberal
Lost Their Way” e foi retomado por Roger Scruton com o seu “Fools, Frauds and
Firebrands: Thinkers of the New Left”, saído em 2015 e publicado em português pela Quetzal. Neste, Scruton
identifica o ressurgimento do discurso da esquerda após a crise financeira de
2008 e que culpa o neoliberalismo e o capitalismo de todos os males do mundo,
nomeadamente do empobrecimento dos mais pobres e do enriquecimento dos mais
ricos. A ideia de que o capitalismo e o liberalismo trouxeram miséria e que
para os combater precisamos de um novo socialismo não só é um contrassenso, se
tivermos em linha o que a história (e o sofrimento atroz de tantos) nos conta,
mas também se tivermos em atenção o quanto o mundo mudou nos últimos 30 anos.
Se soubermos que cerca de 10% da população mundial vive atualmente abaixo da
linha de extrema pobreza, percentagem que em 1999 era de 28,6% e em 1990 de
35,9% (dados do Banco Mundial). Se reconhecermos que o tal
liberalismo e capitalismo retiraram da miséria centenas de milhões na Índia, na
China e em outros países até agora reduzidos a uma pobreza extrema.
Ou seja, uma realidade em
total contradição com o discurso da esquerda. Não é a primeira vez que este não
bate com os factos, mas o mais grave é a defesa de ideologias totalitárias.
Neste sentido vale mesmo a pena ler o livro de Scruton em que essa tendência de
libertar o indivíduo das estruturas sociais para o submeter às ordens de
diretórios e comités de toda a espécie não se esbateu. Pelo contrário, a
rigidez intelectual é tal que assistimos em 2020 à mesma lógica argumentativa
que outros antes de nós combateram em 1920, em 1950 ou em 1970.
O desenvolvimento econômico de
países como a Índia e a China, que até agora eram vistos pelo Ocidente como
pobres e subdesenvolvidos tem despertado incerteza entre os cidadãos do
Ocidente habituados a ver o seu modo de vida como sendo o de referência. É
muito interessante percebermos como a esquerda (e alguma direita estatista que
responde à esquerda com os argumentos desta) tem pegado nesta incerteza e
incute no cidadão ocidental um receio perante a redução do peso da sua
civilização em detrimento de outras, como a Chinesa. Este neocolonialismo é um
dos sinais mais reveladores da falência intelectual a que me refiro.
A incapacidade para pensar
aliada ao factos explicam tweets como este do Bloco de Esquerda, e a sua comparação com este de Catarina Martins, aquando dos incêndios de
Pedrógão. Explicam o clima de suspeição que se pretende entre homens e
mulheres, a divisão dos Portugueses entre raças e as orientações sexuais de
cada um que alguns pretendem impor. Explicam o medo com o fim do planeta, caso
não sigamos as medidas de certos diretórios e comités. Explicam o surgimento de
um partido como o Livre que escolheu uma mulher negra e gaga para alcançar o
que nenhum militante conseguiria, para depois a descartar à primeira
oportunidade. O ridículo que é o Livre é outro sinal da falência intelectual da
esquerda. A par do PS. Um partido que em nome do socialismo faliu o Estado para
agora defender o que criticou como forma de manter à tona os interesses que
representa.
A falência intelectual da
esquerda é uma boa notícia já que significa que o seu fim esteja próximo, mas
acarreta perigos. O país hoje é governado sem qualquer orientação, sem a mais
pequena estratégia, sem o mínimo rumo. Não se sabendo o que pensam nem em que
acreditam, o escrutínio e o contraditório, tão importantes numa democracia,
torna-se difícil. Mas o pior é o que políticos sem um pensamento estruturado e
adequado à realidade podem fazer para se manterem no poder. O que podem fazer
ao futuro dos nossos filhos. É aqui que uma boa notícia se pode transformar num
pesadelo.
Título e Texto: André
Abrantes Amaral, Observador,
8-1-2020
Só agora? Mas a esquerda não foi sempre falida intelectualmente??
ResponderExcluirOu o cronista está a tentar convencer-nos de que a esquerda alguma vez teve algum crédito?
A esquerda apenas existe para se vingar, para invejar quem produz e para roubar quem poupa.
Tudo o mais que disser é apenas instrumento para iludir incautos e atingir os objetivos antes enumerados.
João Brandão