Carina Bratt
Ontem, sábado, quase meio dia,
passeando aqui por Coqueiral de Itaparica, em Vila Velha, ou mais precisamente
pela Avenida Santa Leopoldina, me deparei com um restaurante de nome engraçado.
Zepellin Gourmeteria. Me deu uma fome danada, eu saíra de casa sem tomar meu
dejejum de todas as manhãs. Consultei o relógio. Uau! Quase uma hora da tarde.
Resolvi parar e fazer uma visita a esse espaço, fugindo um pouco do “De Lira”,
perto de meu apê, na Avenida Hugo Musso. De vez em quando é bom mudar de ares,
ver coisas diferentes, pessoas novas, enfim...
Ademais, não estava muito
propensa a voltar para casa, pelo menos naquele momento em que a minha barriga
roncava esfomeada. Na verdade, queria também variar um pouco o local
costumeiro. Sempre que damos uma folguinha nas viagens, Brasil afora, e
conseguimos alguns dias em Vila Velha, eu e Aparecido, meu patrão, frequentamos
os mesmos restaurantes, e agora, com
essa história do coronavírus, sem dia para voltarmos aos aeroportos e aos
aviões, decidi sair do carro e dar uma espiada no cardápio.
Estacionei, entrei e me
acomodei numa mesa a três passos da porta principal. O garçom, alto e magro, me
lembrou um desses pau de vara tripas, com uma gravatinha borboleta amarela
apertada em volta do pescoço. Cheio de mesuras, me endereçou uma boa tarde e
com um sorriso amplo no rosto cheio de espinhas, deixou o menu.
- Fique à vontade, senhorita.
Qualquer coisa, é só chamar.
- Antes de escolher, por
favor, me traga um guaraná bem gelado...
- Ok. Em seguida. Com licença.
Ia retrucar mais alguma coisa,
quando percebi o ingresso de um rapaz de bermuda jeans e camiseta branca. Nessa
camiseta se lia “Silent duck” em letras pretas. Um outro garçom que espreitava,
acorreu ao encontro dele, igualmente diligente e prestativo.
- Boa tarde, senhor? Mesa?
- De preferência. Se tiver uma
em formato de tambor, adoraria...
O garçom ficou meio sem graça,
se envergonhou dando um sorriso amarelo ao tempo em que indicava uma peça igual
justaposta ao meu lado, porém, com quatro assentos.
- Então, o que vai ser?
O engraçadinho não esperou
para mandar a resposta:
- O que sugere? - Esquece, meu
amigo. Manda aí, no capricho, um Parmentier de canard.
- Não entendi, senhor.
- Amigo, essa “comida” é
típica das brasseries, geralmente é preparada com purê de batatas e carne de
pato conservada na gordura e desfiada.
O pobre do garçom vermelhou as
faces. Nunca ouvira falar naquele tipo de alimento.
Para amenizar a sua falta de
conhecimento, disse que iria consultar a gerente e logo traria a resposta.
- O senhor o que toma?
- Eu tomo uma boa vitamina
logo que acordo, remédios para combater meu mau humor e, como hoje é sábado,
mais à tardinha, apesar do toque de recolher por causa da pandemia, uma
cervejinha com os amigos...
- Acho que o senhor não me entendeu.
O que perguntei é o que o senhor gostaria?
O metido a Tiririca de meia
tigela, não se fez de rogado:
- Ah, bom! Eu gostaria de ser
rico, ter uma cobertura na beira da praia, um helicóptero a minha disposição,
um chevrolet Camaro conversível, de preferência azul, um iate, viajar bastante
e juro a você, meu caro, pediria a essa lindeza aqui ao meu lado em casamento...
O sujeitinho me apontou com o
dedo, o que fez o garçom me endereçar um olhar de rabo de olho, avexado e
contrafeito.
- Senhor, o que eu quero saber
é o que o senhor quer para beber - completou o funcionário, irritado e quase a
perder o bom humor.
- Vamos perguntar a esta
senhorita linda e encantadora. Boa tarde, princesa. Meu nome é Rui. E o seu?
O garçom se colocou entre mim
e o tresloucado. O varapau que me atendera chegou portando na mão direita uma
bandeja com a bebida e um copo.
- Senhor, por favor...
Senhorita, desculpe...
- Fica frio, estou acostumada
a esses tipos de cantadas.
- Venha se sentar aqui comigo,
ou me permita me acomodar ao seu lado.
O garçom aproveitou a chegada
do colega de labuta que rodava como ele, em meio ao enorme salão, e questionou
sobre o tal preto pedido.
- Senhor, repita o nome do
prato, por gentileza!
- Pode ser de louça mesmo.
Dispenso esses de plástico.
- Senhor, o prato que o senhor
pediu... Para degustar...
- Ah, sim. Parmentier de
canard.
O meu garçom da gravatinha
amarela apertada em volta do pescoço balançou a cabeça.
- Senhor nunca ouvi falar. Vou
solicitar a presença da Íris, nossa gerente. Aguarde só um instante, por favor.
- Essa Íris é bonita? - Se for
igual a que você está tendo a honra de servir... Eu levo pra casa... Estou
apaixonado por essa graciosa.
Ambos os garçons ficaram
momentaneamente sem palavras.
- Senhor, o que vai beber?
O garçom que atendia o idiota
se afastou. Voltou dois minutos depois cochichando com a tal Íris, a gerente:
- Pois não senhor? Está sendo
bem servido?
- Seu garçom nunca ouviu falar
no prato que pedi...
Íris se abriu numa mesura
ensaiada:
- E qual seria, senhor?!
- De novo? Vou repetir pela
última vez: Parmentier de canard... Conhece?
- Claro, estive na França, e
cansei de prepará-lo... O senhor tem bom gosto. Parabéns.
- Ótimo, até que enfim...
Alguém inteligente...
- Senhor, o que vai beber –
perguntou a encantadora Íris com um sorriso de um canto a outro da boca:
- O que é que você tem?
Íris resolveu colocar um ponto
final na conversa fiada, sem perder a elegância trazida das terras francesas.
- Eu? Nada senhor... Só estou
chateada porque precisei mandar duas garçonetes para o hospital suspeitas de
estarem com o coronavírus, meu time perdeu, o salário daqui é muito bom, porém,
acredite, ganho o suficiente para chutar a sua bunda, porta afora, quando meus
funcionários (apontou ambos os garçons) vem até mim e reclamam de figuras chatas e pegajosas como o senhor...
Sem dar uma palavra, o babaca
se levantou e cabisbaixo, rachou no trecho. Sumiu na poeira. Sequer ousou olhar
para trás.
Título e Texto: Carina
Bratt, de Vila Velha, no Espírito Santo. 22-3-2020
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Que texto maravilhoso!! Uma cena do cotidiano que nos faz refletir sobre as nossas atitudes e também a do próximo. E ao mesmo tempo, nesse tempo de quarentena, um texto que nos faz rir, contado de uma maneira leve!!
ResponderExcluirPassei para agradecer à amiga Bia, as suas palavras elogiosas ao meu humilde texto. São esses pequenos mimos, essas intervenções maravilhosas que me fazem seguir em frente. Obrigada pela sua participação.
ResponderExcluirCarina
Ca
de Vila Velha, no Espírito Santo.
Para meus amigos de casca grossa como eu, o tal "parmentier" é a mesma coisa que o nosso DELICIOSO ESCONDIDINHO. Como detesto aves e similares, adoro ESCONDIDINHO DE CARNE OU DE VEGETAIS VERDES COM BACON, OU AINDA O PURÊ DE BATATAS PURO.
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