quarta-feira, 29 de abril de 2020

[O cão tabagista conversou com...] Ellen: “Vim porque nunca consegui entender o Brasil, tem tudo para dar certo, mas dá tudo errado...”

Arquivo pessoal
Nome completo: Ellen Silva Araujo

Nome de Guerra: Ellen

Onde e quando nasceu?
25 de fevereiro de 1961, no Rio de Janeiro.

Onde estudou?
Colégio São Paulo;
Colégio Notre Dame;
Colégio Rio de Janeiro;
UERJ;
Universidade da Cidade - Licenciatura Plena Inglês;
Universidade Estácio de Sá - Design de Interiores.

Onde passou a infância e juventude?
Eu cresci em Ipanema, bons tempos em que brincávamos na rua, amarelinha, andava-se de bicicleta, jogava-se vôlei, sem preocupação. Ainda não havia assaltos…

Aos 11 anos comecei o ballet clássico, diminui a brincadeira, estudava inglês e francês além do horário da escola, portanto, festinhas, só no fim de semana e no Piraquê e Caiçaras, porque meus pais me controlavam demais…

Qual (ou quais) acontecimento marcou a sua infância e juventude?
Acho que o ballet, foi muito importante, eu realmente me dediquei.

Humm... em Ipanema? Não vai me dizer que foi na Henrique Dumont?!
Na Montenegro, hoje Vinicius de Moraes.



E por que seus pais “lhe controlavam demais”? Por que eles eram disciplinadores ou por que você era levada da breca? 😉
Filha única, eram superprotetores, eu não era levada… tanto me apertaram, que o resultado foi contrário... na maioridade fiquei bem revoltada... mas como entrei para a Varig no dia do meu aniversário de 19 anos, fui devidamente doutrinada por D. Alice Klaus, minha salvação.

Eu comecei a fazer testes para a Varig, com 17 anos, queria ser aeromoça de qualquer jeito, meu avô era piloto, meu padrinho também, meu pai apaixonado por aviação (o pai dele não deixou-o terminar o curso de piloto), foi um escândalo quando declarei que ia voar de qualquer jeito…

Por fim fui emancipada, meu padrinho escreveu um termo de responsabilidade e meu avô (Coronel-aviador) ia me buscar no prédio da Varig para almoçar com ele no Clube da Aeronáutica e me apresentava, orgulhoso, “minha neta que entrou para a aviação”.

Praticou ballet até quando?
Dos 11 aos 21 anos.
Deduzo que o seu primeiro emprego foi na Varig, certo?
Na verdade, meu primeiro emprego foi na H. Stern, como guide tour,  somente porque a Varig disse que eu voltasse maior de idade e com alguma experiência... então  em 1978 eu passei uma segunda temporada na Europa, quatro meses na casa da minha família no sul da Itália, voltei falando a língua, então o consegui o trabalho.

Após seis meses me candidatei pela segunda vez, com a emancipação, a carta de responsabilidade e proficiência em três idiomas... acabaram por me dar uma chance...

E de dedução em dedução, deduzo que parou de praticar ballet por incompatibilidade de horários, funções...
O ballet exige uma dedicação total, assim como a faculdade que tentei fazer. Nessa fase, 18-19 anos, acha-se que tudo é possível, mas acaba-se por não fazer as coisas como dever-se-ia.

Foquei no curso de formação, o ballet deixou de ser a meta e passou a ser um exercício, a faculdade não consegui acompanhar, fiz quatro tentativas e só consegui me formar na última, já em 2006.

Então, ingressa na Varig em que ano?
Fevereiro de 1980.

Lembra do seu primeiro voo?
Claro... faltaram os instrutores, saio para quatro pernas de ponte aérea com Roberto Mirabelli e Moema Ribeiro... não poderia ter sido melhor!!

Aí fica na PA quanto tempo?
Seis meses.

E depois é promovida para qual equipamento?
Para o B-737, onde fiquei outros seis meses.
Em junho de 1981 fui escalada para ir a Toulouse buscar o A300 e comecei a voar mini RAI.


Até quando?
Até setembro 1984. Subi para ser supervisora de cabine F/C no DC 10.

Como ocupava o tempo nos pernoites?
Com passeios, explorando as cidades próximas, sempre lia a bordo nos jornais locais o que havia como exibições, feiras, museus, mostras de cinema... nas cidades de destino. A aviação me ofereceu uma oportunidade única em termos culturais.

Não houve um único pernoite que eu não tenha aproveitado. Sou extremamente grata por isso.

Qual (quais) o que mais gostava?
Europa! Roma, Zurique, Paris, Londres...

Passou por alguma situação de emergência?
Sim, quatro:

1 - Despressurização da cabine do B-737 num voo Rio/Porto Alegre, pousamos em Florianópolis, eu tinha uns seis meses de voo...

2 - No dia do meu aniversário, 1983, decolando à tarde de B-707, Rio/Miami, com várias escalas pelo Brasil, (esses aviões já eram velhos na época) fogo na turbina na decolagem, alijaram combustível e pousamos em emergência no Galeão.

3 - Na volta de Manaus, 2205, fogo na turbina do DC10 – pouso em emergência em Brasília.

4 - Retorno de Londres, no MD-11, distávamos três horas da costa do Ceará, estava no meu descanso (era C/E), acordei com cheiro de fumaça na cabine, estava sentada perto da porta 3R, dei um pulo por cima do Kühn que estava sentado do meu lado, e saí farejando... cheiro de fio queimado.

Fui até à galley traseira, o odor estava concentrado na área da porta 3, passageiros dormiam, o que foi uma benção...

Conversei com o Comandante, cortamos a energia da área, o cheiro parou, no entanto, ao religarmos, voltava...

Com isso, optamos por prosseguir no escuro, sem serviços, e pousamos em São Paulo sem o café da manhã.

Na aproximação para pouso em Guarulhos, fizemos um speech informando aos passageiros que por motivos técnicos não havia sido servida a segunda refeição prevista, não houve reclamações.

Foi tenso... no meio do oceano a iminência de um incêndio... mas correu tudo bem, graças a Deus!

Você voou até agosto de 2006?
Até junho, entrei de licença em julho.

Então, você não recebeu o fatídico telegrama, né? E aí, qual é o seu atual ‘status’ trabalhista?
Recebi sim, fui sumariamente despedida em 28 de agosto.

Tinha 45 anos, então fiquei no grupo dos desvalidos do Aerus, que apesar de ter contribuído por vinte e cinco anos, ter sido sócia fundadora, nunca recebi um tostão...

Trabalhei por mais dez anos na presidência da empresa Brookfield, e me aposentei em janeiro de 2018.

Aí, parou de vez?
Difícil dizer... a necessidade nos move... quanto mais velhos, mais difícil conseguir colocação no mercado.

Na sua avaliação, por que a empresa aérea fechou?
Um somatório de fatores: modelo de gestão antiquado - falta de visão da necessidade de se renovar, má vontade de governo com dívidas perdoáveis ou renegociáveis, desvio de recursos, recusa das ofertas de investidores externos.

Tem saudades da RG?
Morrooooo de saudades...

Arquivo pessoal

Como vai o Rio de Janeiro?
Pelo que vi nos três dias que estive lá em março... mal...

Março agora, mês passado?
Sim, cheguei dia 11 à noite, no dia seguinte o Trump fechou o espaço aéreo.

Você não mora mais em Ipanema?!

Não, moro perto de Cascais, em Carcavelos [foto]...


Quando e por que veio para Portugal?
Em fevereiro de 2018, casei-me com um luso-brasileiro.
Vim porque nunca consegui entender o Brasil, tem tudo para dar certo, mas dá tudo errado...

Está gostando?
Eu amo Portugal, país lindo repleto de lugares a serem descobertos.

O que mais e menos aprecia em Portugal?
O conformismo, as pessoas se sentem vítimas do destino.

Tem visitado outas cidades, locais, monumentos...?
Sim, desde Algarve,  Alentejo, Arrábida, Coimbra, Aveiro, Porto, Douro, Barcelos, Braga, Parque do Gerês, Ponte de Lima, até à Espanha, falta conhecer o Ribatejo e a Costa Vicentina.

Nossa! Cansei!
O Porto, quer dizer, a cidade do Porto, é muito feia. Ponte de Lima, com aquela pontinha romana sobre o rio Lima, que coisa feiíssima! Não é? 😉
Portugal é lindo, cada cantinho reserva uma surpresa, na época do voo só conheci Lisboa e Porto [foto] (um pouquinho do entorno).


Desde que me mudei viajo sempre que posso e volto encantada com o que vai se revelando, um país a ser descoberto...

Concordo.
Saudades do Brasil?
Dos amigos, muita.

A derradeira mensagem:
Aproveitar a vida com foco no momento presente, é tudo o que temos.

Ellen e o filho, foto: arquivo pessoal

Obrigado, Ellen!

Conversas anteriores:

4 comentários:

  1. As entrevista do Jim são sempre uma delícia, mesmo para quem não é do meio, que é o meu caso.

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  2. Joel Martins
    Muito legal essas entrevistas, que contam a história de vida das pessoas que fizeram parte da Varig.

    Rosa Lima Pedreira
    Amei sua entrevista Ellen Silva Araujo.
    me fez viajar no tempo. Parabéns Jim.

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  3. Oh delícia de entrevista. Descobri muitas coisas da vida da Ellen que não sabia, kkkk.
    Beijos ao Jim, saudades dos tempos VARIG e desses 2 grandes profissionais e colegas de vôo.
    Cristina Maria

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  4. 354 visualizações. Ótima performance!

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