Carina Bratt
Todos os dias chegam até nós,
notícias bárbaras e avassaladoras de pessoas morrendo. De criaturas perdendo o
direito de viver. Antes, a morte se fazia natural (natural, aqui, no sentido de
benfazeja). Era até vista e entendida como boa, tipo “morreu, descansou”.
Parece que este tempo das vacas gordas foi, de vez, para o brejo.
De repente, a dita senhora dos
olhos frios e impenetráveis, se agigantou. À revelia de nossas vontades,
cresceu de uma forma jamais vista, a ponto de transpor as raias do
imponderável. De uns meses para cá, não há um só minuto em que não se fale em
mortes.
Em falecimentos, em enterros,
óbitos, em covas e mais covas recém abertas. Entrou em cena os sepultamentos
coletivos e em massa. E esta “coisa” aterradora, detestável, nefasta, abominosa
e execrável, não emparelha só ao nosso lado.
No mundo inteiro a história se
repete. Se multiplica. Os noticiários não tratam de outro evento. Os jornais
não apresentam outro assunto. Os programas que gostávamos de assistir, mesmo os
infantis, pasmem, amigas! -, mesmo os infantis, viraram temas constantes onde a
morte e só ela, é a primordial atração.
Podemos dizer, e (me corrijam
se estivermos erradas), podemos dizer que o mundo, o planeta, como um todo, se
dividiu, se compartimentou em duas frações distintas: “poder” e “morte”.
Enquanto uns não dão a mínima para ela, e querem o “poder”, a ganância e a
ambição que ele oferece, outros esqueceram completamente deste “poder” e se
concentraram, se curvaram com a mesma sanha e ferocidade, na senhora dona da
foice.
E os questionamentos desde
então, não param: como se livrar dela? Como fugir da sua presença malquista e
sinistra? Com a morte natural, ou com o passamento simples de nossos amigos e
conhecidos, vez em quando um familiar, seguíamos alegres e saltitantes com as
nossas vidinhas, sem os atropelos e as afobações de sermos levadas a pensar,
com mais acuidade, nas cavas e covas dos cemitérios, pelo menos de uma forma
tão drástica e fatal.
Agora, a morte nos espreita,
nos bisbilhota, nos espiona a cada segundo, a cada novo dia, a cada chegada de
um novo amanhecer. “Será que no próximo minuto estaremos vivas?”, perguntou-me
uma amiga, ao telefone, “ou será que, se eu for ali no supermercado, ou na
farmácia comprar um remedinho para dor de cabeça, voltarei respirando?!”.
Difícil responder! Virou, a
morte, uma espécie de sombra negra. Assassina impiedosa. Passamos a andar de
máscaras para escaparmos de suas garras afiadas. “Quem sabe assim, disfarçadas
por um paninho de coador de café, ela passe por mim ao largo, e, pelo fato de
não ver a minha cara assustada, não me leve embora”. Na verdade, ninguém quer ir embora. O outro
lado, o obscuro, nos deixa com um punhado de pulgas atrás das orelhas.
A morte, em nossas vidas, se
fez tão imediata e palpitante, tão saudosa e dadivosa, que não contente, trouxe
de braços dados, uma outra desgraça maior: o medo. O temor, a reverência, o
assombro, a aversão pelo futuro, pelo desconhecido, por aquilo que não sabemos
como é e como o encararemos quando nos vermos frente a frente com ele.
Ontem mesmo, queríamos o dia
seguinte. Almejávamos o futuro e, na espera dele, ficávamos impacientes. Hoje,
ou melhor, agora, neste momento em que escrevo para vocês, o temor, a
estupefação, a perplexidade - grosso modo, o cagaço do amanhã é o pior dos
medos.
Diferente dos meus medos ou
dos nossos medos de outrora. Nos meus quatro para cinco anos, por exemplo, se
fazia real o meu receio pelos quartos escuros, pela tal da “Cuca” que poderia vir me pegar, ou
pelo homem do saco, que nos roubava de nossas casas e nos levava para um lugar
distante, onde viraríamos sabão...
Hoje, tantos anos depois, a
única coisa que devemos ter medo é exatamente o medo de termos medo. Olhem a inversão
dos valores. Nos idos de meus avós, o medo chegava como uma coisa boa; hoje, o
medo que nos rodeia pode nos levar a pular na frente de um carro em movimento,
a saltar do alto de uma ponte, ou darmos um tiro na cabeça.
O medo, caríssimas amigas, nos
fez pessimistas, nos acovardou, nos reduziu a nada, a ponto de acreditarmos que
a luz, no final do túnel, não seja a saída que buscamos, mas a morte nos
esperando. O receio dela se tornou o pior de todos os males, além de mais forte
e avassalador, o que nos leva a crer piamente que, para “esses males”, não há
remédio. Nem cura.
Quem vive, a morte espanta, a
cada dia um bocadinho, e, na hora de dormir, se alegra porque conseguiu ficar
inteira e com o coração batendo. A vida, para nós, virou novela. Folhetim de
filmes de terror.
A cada milésimo de segundo,
nos posicionamos no sofá da sala, para sabermos quantos ela levou para o buraco
além sepultura. Djavan e as suas “Pétalas” nos fazem meditar sobre a clareza do
tino. Às vezes, o tino nos foge. Perdemos o tino, a razão, a seriedade.
Deveríamos, porém, apesar disto, repensar na sabedoria que se esconde em sua
poesia.
Amigas, nestes pés sem apoio,
sem onde nos seguramos com fidelidade, ou nos apoiarmos com determinação, “não
deixem para amanhã o que pode ser feito agora”. Agora, no sentido de já, ou no
grito do instante seguinte. Não percam tempo com seus celulares tirando fotos
ou jogando conversas foras com as amigas e namorados. Se atenham, se agarrem de
unhas e dentes ao momento que nos contempla com “olhos de lince”.
Lembrem que um tal de covid-19
está nos examinando, nos sondando, nos contemplando. Esta infâmia se prostrou
escondida, calada, quieta, e está pronta para dar o bote a qualquer momento,
como um animal feroz.
E acreditem: precisamos ter
calma e perseverança, para nos livramos, para nos safarmos, isto se quisermos
sair ilesas e sem arranhões. Os arranhões da morte, por sinal, não têm volta.
Não curam, não cicatrizam... Todavia, deixam sequelas.
Não se esqueçam, lado outro,
que “os fatos que estão diante de nossos olhos”, como bem ensinava Clarice
Lispector, “são sonoros e barulhentos”, ao mesmo tempo que “calmos e
excessivamente tranquilos”. Entretanto, o que importa neste momento, o que,
aliás, faz toda a diferença, “São os silêncios amoitados por detrás deles”.
Título e Texto: Carina
Bratt, de Vila Velha, no Espírito Santo. 31-5-2020
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Devemos aceitar a morte como capítulo final de um livro, não há continuações.
ResponderExcluirO que não podemos aceitar é a morte assistida pelos corruptos, as absurdas falta de UTIs, a inflação de mortes, como senão houvesse outras doenças.
Crianças morrendo por outras doenças e mal atendimentos, diagnosticadas com COVID não dando direito de seus pais reclamarem.
Velhos morrendo de câncer não dando direito aos filhos os enterrarem com dignidade.
TUDO QUE VEM DA ONU SE NÃO É MERDA DÁ MERDA.
O Brasil é signatário da carta da ONU sobre o direito ao projeto de vida.
Porem é um dos que mais descumpre.
Se um criminoso tira a vida de um pai de família o estado tinha o direito de proteger essa família.
O COVID será apenas lembranças em alguns meses.
PAÍSES NÚMERO DE CASOS POR MILHÃO E MORTES POR MILHÃO
ResponderExcluirMontserrat 2205 200
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Luxembourg 6390 176
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Brazil 1978 123
Peru 4140 121